Ocultações

O perfil majoritário do crente dos nossos dias é o daquele que se preocupa com o ocultismo. Tem sido induzido a isso em grande parte da doutrinação de que faz uso o púlpito evangélico hoje. E alguns esmeram-se tanto nesse quesito que parecem tornar-se mestres no assunto.

Mas, a despeito de tanta propalada conquista na chamada batalha espiritual contra as forças ocultas, há algo de oculto no interior de todo crente em Jesus, seja ele “guerreiro” ou não, que o vence e derruba ao chão mais que qualquer possibilidade de ação maligna externa. Falo das ocultações. O que entendemos delas e quanto elas nos afetam? Primeiramente precisamos deslindar o significado disso. É o salmista quem faz referência a elas quando ora, dizendo: “Diante de Ti puseste as nossas iniquidades, os nossos pecados ocultos, à luz do Teu rosto” – Salmo 90:8.

A Versão Corrigida foi mais feliz na tradução do texto quando preferiu a palavra “ocultos” a “secretos”. Porque por secretos, podemos entender como os pecados que cometemos no escondido, nos lugares obscuros ou mais precisamente, como aqueles que pensamos poder esconder e preservar em segredo até diante de Deus. Mas “ocultos” fala de ocultações e por ocultações devemos pensar naquelas coisas que preferimos esquecer, não mexer, enviar para o fundo, abismo do pensamento, por vergonhosas ou por conta do comprometimento que sua revelação carreia. Ficam ocultas do nosso consciente. E achamos que isso fica por isso mesmo. Mas não. Então surge a segunda questão: Quanto essas ocultações nos afetam? Bem mais que o fato de pecados calados, que no dizer de Daví “envelhecem os ossos”, as ocultações têm um poder destrutivo muito maior porque habitando nos porões da amnésia para onde as enviamos, ficam ditando comportamento calcado em culpas encobertas. Isso produz disfuncionalidade psíquica e comportamental, porque já o é no plano espiritual.

As ocultações funcionam como uma sombra entre nós e Deus. Elas são mantidas longe da vida devocional que envolve oração, adoração, serviço, mas fazem sombra. Tornam-se numa parte da personalidade que forçamos por esquecer ou negar, mas que nos trai por fim em nossos comportamentos quando nos leva a identifica-las no outro, e isso provoca reação antagônica, faz-nos agir como juízes imprecatórios que condenam “aquele” agir alheio, pois fazendo assim buscamos apaziguar nossa consciência culpada. A psicanálise refere-se a isso por meio da máxima que preconizou: “Muito do que no outro me incomoda, é meu”. Algo próximo ao comportamento daqueles homens que pretendiam apedrejar a mulher adúltera diante de Jesus. É com referência ao efeito das ocultações que Paulo, apóstolo, disse: “Portanto, você, que julga os outros, é indesculpável, pois está condenando a si mesmo naquilo em que julga, visto que você, que julga, pratica as mesmas coisas” (Romanos 2:1).

O salmista procurou resolver o seu problema com as ocultações quando orou dizendo: “Prova-me, e conhece as minhas inquietações. Vê se há em minha conduta algo que Te ofende, e dirige-me pelo caminho eterno” (Salmo 139:23 e 24). Sua sabedoria é vista no fato de admitir a possibilidade de algo aborrecivo ou reprovável aos olhos de Deus que seus olhos não alcançam, porque oculto ou tão negado por sua mente que caiu em lugar comum e dele não se dava mais conta.

As ocultações são difíceis demais de serem confessadas (mas não impossíveis) porque se fossem de fácil resolução, não teríamos problemas com elas. Elas não estão apenas escondidas. Estão protegidas por negação inconsciente.

Algumas vezes incomadados pela Palavra de Deus chegamos até ao limiar delas, mas elas voltam para os espaços encobertos quando perdendo a coragem de admiti-las uma vez que depõem contra o que achamos que somos, nós criamos um eufemismo confessional para elas, dando-lhes desculpas ou disfarçando-as por colocações mais aceitáveis, algo como trocar a palavra ódio por raiva, esta, socialmente mais aceitável. Mas isso não constitui confissão.

E a solução única que a Palavra Eterna nos apresenta para as ocultações é a mesma para todo nível de pecados, quer superficiais ou profundos: confissão.

A confissão exige antes de tudo que admitamos o erro cometido ou o fracasso reconhecido. Depois sua verbalização diante de Deus. Contudo, é por demais importante dar-nos conta de que não há confissão real que não seja precedida por arrependimento. O arrependimento faz da confissão seu idioma de comunicação com o Deus perdoador. Mas, como fazer para confessar aquilo que tão aprofundado em nosso ser não pode mais sequer ser discernido? Acredito que o apóstolo Paulo nos ajuda quando ensina: “O Espírito (Santo) sonda todas as coisas, até mesmo as coisas mais profundas de Deus” (I Coríntios 2:10). Pois foi Jesus quem disse que o Espírito de Deus “convence do pecado”. É com Ele que o crente sincero pode e deve contar quando deseja purificar seu caminho diante do Senhor. Daí a coragem e sabedoria do salmista ao suplicar: “Sonda-me ó Deus, e conhece o meu coração” (Salmo 139:23), pois, para que as ocultações sejam trazidas à luz, precisam de uma prospecção profunda, o uso da sonda de Deus, pelo agir do Seu Espírito no íntimo do nosso ser.