Tamanha Fé

“E Elias disse a Acabe: “Vá comer e beber, pois já ouço o barulho de chuva pesada”. Então Acabe foi comer e beber, mas Elias subiu até o alto do Carmelo, dobrou-se até o chão e pôs o rosto entre os joelhos. “Vá e olhe na direção do mar”, disse ao seu servo. E ele foi e olhou. “Não há nada lá”, disse ele. Sete vezes Elias mandou: “Volte para ver”. Na sétima vez o servo disse: “Uma nuvem tão pequena quanto a mão de um homem está se levantando do mar”. Então Elias disse: “Vá dizer a Acabe: Prepare o seu carro e desça, antes que a chuva o impeça”. Enquanto isso, nuvens escuras apareceram no céu, começou a ventar e a chover forte, e Acabe partiu de carro para Jezreel. O poder do Senhor veio sobre Elias, e ele, prendendo a capa com o cinto, correu à frente de Acabe por todo o caminho até Jezreel.”1 Reis 18:41-46

Certa vez o Senhor Jesus disse: “Se tiveres fé como um grão de mostarda…” Num contexto em que apontava para a qualidade da fé. Ainda muito boa gente se confunde nesse texto pretendendo que o Autor da fé estivesse falando sobre tamanho de fé, exatamente porque leram as vezes em que Ele usou as expressões: “Grande é a tua fé!” e: “Homens de fé pequena”. Também por que estão presos à distorção que pretende que o homem produz sua própria fé e que os acontecimentos espirituais dependem do tamanho dessa fé. Quero ressaltar que ainda quando Jesus falou em grande e pequena com referência à fé, o fez apontando a qualidade dela, e não tamanho.

Porque Deus não depende da fé no crente para poder agir, menos ainda do tamanho dessa fé.

Mas é fato que a fé nos foi dada a nosso favor, para nos aproximar de Deus e nos capacitar a crer e ver (nesta ordem) as coisas espirituais.

E é este relato histórico do mais extraordinário profeta de Israel que nos ensina como a fé deve ser tratada, e como funciona eficazmente, quando trata pelas vias corretas.

Percebam comigo três movimentos, todos atrelados à fé na experiência do profeta:

1- primeiramente ele ouviu

É significativo. Deus operou algo que Elias pôde ouvir antes de ver. A partir daí creu e então partiu para o segundo movimento (v.42) : orou.

É sempre assim. Tudo começa com o agir de Deus que atinge nossos sentidos. A atenção de Moisés, a audição de Elias. E no caso de Moisés, ele só entendeu a visão na sarça depois que ouviu. Voz do Anjo. Mas corroborando Romanos 10:17, que afirma que “a fé vem pelo ouvir e ouvir a pregação da palavra de Cristo”, primeiro Deus permite que ouçamos. Ouçamos a Palavra, a comunicação profética. A mulher com fluxo de sangue, ouviu da fama de Jesus. Bartimeu, o cego, ouviu que Jesus passava por ali, outro tanto Zaqueu; Saulo de Tarso ouviu a voz que falava com ele. O próprio Elias quis um dia

inverter esta ordem vendo primeiro em efeitos, mas Deus o fez primeiro ouvir Sua voz numa brisa suave para voltar a ter paz. Tomé quis ver primeiro, mas foi repreendido pelo Senhor. Paulo certa vez disse: (Efésios 1:13): – “Quando vocês ouviram e creram na palavra da verdade, o evangelho que os salvou, vocês foram selados em Cristo com o Espírito Santo da promessa”.

– “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não houver quem pregue?” (Romanos 10:14). Esta é a ordem. E então a fé reage, e o segundo movimento já por ela produzido é oração.

2- Em seguida ele orou

Parece que orar é o ato imediato ao ouvir. Como se significasse: eu ouço, então respondo. Ainda que seja para pedir. Pela ordem do Evangelho, falo do meu arrependimento, como quem confessa.

– Chamo a atenção para a característica da oração que nasce da fé: ela persevera, a despeito de notícias desestimulantes.

– Ou mesmo das circunstâncias desestimulantes. Ela não é fruto de obsessão ou teimosia. Não. Ela está firmada naquilo que ouviu. E porque persevera, por fim vê, que é o seu alvo último.

É o terceiro movimento da fé.

3- O profeta vê.

 Alguém diria: mas quem viu foi o moço por ele enviado.

Vamos atentar ao texto: o moço nada via até que a fé no coração do profeta o vence. Sua visão era fruto da realidade, não da fé. Via uma nuvem insignificante, totalmente desconexa com a mensagem passada ao rei: “Há ruído de chuva pesada”. Uma nuvem tão pequena e tão distante, não justificaria a reação do profeta: “Vá dizer a Acabe: Prepare o seu carro e desça, antes que a chuva o impeça” Quem de fato viu o que a fé mostrava foi Elias. Chamo sua atenção para o fato de que não foi a oração de Elias ou sua perseverança que criou a nuvenzinha distante. Não. A oração aqui era unicamente a ferramenta de que a fé se servia enquanto esperava, porque fé que não gera esperança não procede de Deus, não é espiritual, nem moral. Não tem caráter. Alguém só espera se confia.

E aqui traçamos nossas derradeiras lições:

– Para uma fé genuína, a visibilidade não se prende à realidade humana, mas às dimensões divinas. O tamanho da nuvem não importava. Era pequena, mas suficiente para produzir vendaval e aguaceiro.

– Para uma fé genuína os fatos não precisam ser convincentes.

– A fé genuína enxerga a Promessa e através da Promessa, e assim cumpre sua natureza espiritual conforme descrito em Hebreus 11:1 – “Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos”. Exatamente como também o apóstolo Paulo descreveu em Romanos 8:24 e 25 – “Pois nessa esperança fomos salvos. Mas esperança que se vê não é esperança. Quem espera por aquilo que está vendo? Mas, se esperamos o que ainda não vemos, aguardamo-lo pacientemente.”

Nenhum de nós, crentes no Senhor Jesus, Autor e Consumador da fé, precisa de uma grande fé para tratar com Deus. Basta saber que temos um grande Deus para tratar com nossa pequena fé. E se tudo que nossa pequena fé tiver que ver for uma nuvem tão pequena que não pareça importante, não importa. Para Deus ela é a resposta que basta, e os efeitos ficam por conta Dele.

Intolerância

A intolerância é a arma dos insatisfeitos e frustrados, com a qual procuram ferir o outro ou repudiar o que não compreendem. A principal característica da intolerância é a incapacidade de transigir com a opinião contrária ou com aquilo que se mostra diferente dos padrões previamente estabelecidos e valores adquiridos. Ela parece desafiadoramente em moda ou em ritmo de generalização em nossos dias. Desafiadoramente porque sua manifestação cada vez com maior visibilidade parece desdenhar de todos os argumentos de conscientização de que se servem os meios de comunicação, impondo-se no comportamento dos indivíduos. E generalizadamente, porque contra um tempo em que ela parecia confinada a um só construto, conhecido como intolerância religiosa, hoje ela ampliou fronteiras, invadindo muitas outras áreas, a começar pela intolerância nos lares e ambientes de formação acadêmica. O uso da intolerância está presente em tudo que possa representar um pseudo conceito de liberdade pessoal e de opinião. Erram, contudo, seriamente, os que confundem crítica, direito de opinar e possibilidade de ser contrariado com intolerância. Erram os que usam da intolerância quando não atendidos em suas expectativas ou diante da frustração de suas perspectivas.

E o comportamento ditado pela intolerância assume matizes muito diversificados, que vão desde a saída abrupta de um ambiente, encerrando com o silêncio que agride alguma discussão, até à agressão verbal ou mesmo física. Torna-se visível com todos os riscos temerários que acarreta, no trânsito, acobertada pela pressa ou com a desculpa da desatenção.

Desce ao nível do desrespeito com os mais frágeis, como crianças, idosos e até animais. Às vezes confunde-se com impaciência, mas vai além porque a impaciência desemboca na desistência, mas a intolerância sempre parte para a estupidez, a grosseria, servindo-se da impaciência grande parte das vezes em que ocorre.

Mas poucos se dão conta de que um comportamento marcado pela intolerância tem compromisso com enfermidades como estresse, hipertensão ou psicossomatizações que desorganizam a saúde física, às vezes de maneira irreversível. O intolerante é fadado a desenvolver cardiopatias e distúrbios do sistema digestório, entre outras coisas. Mas seu maior problema é de âmbito interrelacional, pois acaba por gerar desafetos nos ambientes em que interage com aqueles com quem interage.

A intolerância só pode e até deve ser admitida diante da injustiça concretizada ou quando em nível ameaçador, e mesmo aí, salvaguardados os limites da coerência no reagir.

Evidentemente que a observar-se um crescendo da manifestação da intolerância, há que questionar-se o que poderia estar ditando este fenômeno comportamental. E algumas respostas possíveis podem ser elencadas.

Vivemos um tempo em tudo e por tudo diferente daquele que caracterizou a geração de nossos pais. Este é o tempo da pressa, do imediatismo ditando os movimentos de todas as ordens de serviços e do devir. Esta é a era do fastfood, dos deliveris, da informática que oferece resposta pronta em frações de segundos. A mente e toda a estrutura psíquica do ser humano está intensamente bombardeada pela noção de pressa, tipo: “a fila está correndo e você será atropelado”. Esse ritmo frenético que permeia hoje até o uso das ferramentas do cotidiano, como máquinas que ficam em stand by, controle remoto que aciona tudo em qualquer espaço; veículos turbinados; luzes fotoelétricas; microondas, etc; influencia de forma invasiva e sem filtros a visão e o pensamento, canalizados para o comportamento. Tudo e qualquer coisa que ponha em risco o ritmo e sua resposta satisfatória, espicaça a intolerância no convívio com o outro.

Outro tanto, essa mesma cosmovisão de uma corrida desenfreada semeia a ilusão da necessidade de uma superação insaciável que acaba por fomentar egos inflados, que precisam obter e realizar com superação contínua. Em contrapartida, tudo que puder ameaçar essa perspectiva de avanço ininterrupto, não pode ser tolerado. Então na estrutura intrapsíquica parece formar-se a equação do tipo: “rejeitar tudo e todos que me possam impedir, contrariar, contradizer, frustrar, atrapalhar e atrasar”.

E frustração ou a ameaça dela, real ou imaginária, é a causa maior da intolerância, porque o nível do homem moderno de tolerância à frustração está quase inexistente, pois se coloca no centro de tudo com a pretensão de ser a medida e o propósito único de todas as coisas.

O resultado dessa generalização da intolerância é guerra. Guerra doméstica (vista na ruptura de relações com uma adesividade cada vez maior); guerra urbana, nos embates de rua; guerra no trânsito, marcada por ultrapassagens sem lógica e prenhes de insensatez, afoiteza, chegando a fatalidades atrozes, e até mesmo guerra autodirecionada, quando a intolerância do indivíduo contra si próprio o leva à autodestruição, vista no elevado índice de suicídios.

Isso pode ser freado?

Toda a disfuncionalidade comportamental, seja no nível pessoal ou coletivo, pode ser freada a partir de uma tomada de consciência, e esta é uma boa notícia. Somente a partir de uma percepção autocrítica de suas próprias disfuncionalidades é que a pessoa pode tornar-se apta a buscar formas de ajuda, ou mesmo decidindo por se impor limites tanto quanto se vê apta a aderir a programas que regulam alimentação e treinamento diário em busca de melhor forma física. A performance comportamental precisa de atenção. É possível e bem-vinda. Com urgência necessitamos gerar uma sociedade que celebre a contemplação e se reeduque em direção a ser mais respeitável, mais reflexiva e sensível ao belo e nobre. A pressa, força motriz da intolerância, é inimiga da arte e da beleza. Daí a preconipreconização sábia do profeta: “…no sossego e na confiança estaria a vossa força…” (Isaías 30:15).

Os Sabiás Cantam em Setembro

Nesta madrugada saí para o meu extenso quintal, atraído pela lua cheia (deve ser a idade do lobo), que estava no seu zênite sobre a minha cabeça, prateando todo o vale que se estende pelos fundos, ao longe. Era por demais atraente (“Não há, ó gente, ó não, luar como este do sertão), silenciosa no infinito, lembrando-me Jó: “se contemplei o sol em seu fulgor e a lua a mover-se esplêndida,” (Jó 31:26). Porque ela se movia, majestosa. Também me fez lembrar o poeta sacro, que por certo teria acondicionado a letra do seu poema, mudando sol para lua, quando pergunta: “Quem contempla o sol ardente quando visto em seu fulgor?; quem contemplará Aquele que do sol é criador?”. Ali fiquei eu, me sentindo na pele de Daví: “Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que ali firmaste, pergunto: Que é o homem, para que com ele te importes? E o filho do homem, para que com ele te preocupes?” (Salmos 8:3-4) e pensei comigo, pretensões à parte: “Diante do que está escrito quando da criação do Eden, Ele fez isso por mim”. Sim, em nível astronomicamente ínfimo, era para mim, também! Certamente foi o que Daví pensou e sentiu.

Ali fiquei, orando enquanto contemplava, e ainda a noite alta, comecei a ouvir o som nostálgico do gorjeio dos sabiás (“Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá”) e pensei: “Não estão recolhidos? Antecipam o amanhecer?” O ruído foi crescendo.
Estou acostumado a ouvir o som pungente do canto do sabiá nos fins das tardes. Como disse, é um som nostálgico, que nos remonta à infância, hora do café da tarde, do retorno da escola, da chegada do pai que volta do trabalho… De pegar os derradeiros horários dos seriados da época: “A Feiticeira”, “Papai Sabe Tudo”; “Noviça Voadora”; “Viagem Submarina”; “Lassie”; e a memória navegou para longe, nostalgia pura! Tardes onde gritos de moleques na rua se misturavam ao som metódico de sabiás apaixonados. Eles cantam em setembro. Em outubro deitam seus ovinhos, e nova prole surge garantindo as melodias de novas primaveras. Mas nas madrugadas? Parecia novidade para mim.

E continuava a questão: “Não dormem? Não vêem que ainda demora o amanhecer? Seria efeito da linda lua?”

E então me dei conta de uma resposta tão simples: os sabiás voam, como todos os pássaros. E por isso sobem, vão ao alto, além das sombras da manhã vertida em noite. E surpreendem o sol antes de sua aurora nos baixios da terra. E entendí por que cantavam os sabiás ali. Era como se dissessem: “O sol já vem. Logo chega. Já vimos o seu brilho no horizonte distante”.

E então refleti com meu coração: “Não é assim com o crente? Ele pode cantar mesmo entre sombras, porque voa na fé a alturas onde primeiro vê que o Sol da Justiça, seu Cristo e Senhor, em breve resplandecerá sobre a terra, porque está vindo, já ao longe, no horizonte da Promessa”, pois “aqueles que esperam no Senhor renovam as suas forças. Voam alto como águias; correm e não ficam exaustos, andam e não se cansam” (Isaías 40:31).

Mais que Experiência

“Ora, o rei da Síria estava em guerra contra Israel. Depois de reunir-se com os seus conselheiros, disse: “Montarei o meu acampamento em tal lugar”. Mas o homem de Deus mandava uma mensagem ao rei de Israel: “Evite passar por tal lugar, pois os arameus estão descendo para lá”. Assim, o rei de Israel investigava o lugar indicado pelo homem de Deus. Repetidas vezes Eliseu alertou o rei, que tomava as devidas precauções. Isso enfureceu o rei da Síria, que, convocando seus conselheiros, perguntou-lhes: “Vocês não me apontarão qual dos nossos está do lado do reide Israel?” Respondeu um dos conselheiros: “Nenhum de nós, majestade. É Eliseu, o profeta que está em Israel, que revela ao rei de Israel até as palavras que tu falas em teu quarto”. Ordenou orei: “Descubram onde ele está, para que eu mande capturá-lo”. Quando lhe informaram que o profeta estava em Dotã, ele enviou para lá uma grande tropa com cavalos e carros de guerra. Eles chegaram de noite e cercaram a cidade. O servo do homem de Deus levantou-se bem cedo pela manhã e, quando saía, viu que uma tropa com cavalos e carros de guerra havia cercado a cidade.Então ele exclamou: “Ah, meu senhor! O que faremos?” O profeta respondeu: “Não tenha medo. Aqueles que estão conosco são mais numerosos do que eles”. E Eliseu orou: “ Senhor, abre os olhos dele para que veja”. Então o Senhor abriu os olhos do rapaz, que olhou e viu as colinas cheias de cavalos e carros de fogo ao redor de Eliseu.” – 2 Reis 6:8-17

Dentre tantas façanhas da vida profética de Eliseu, destaca-se o incidente em que o rei da Síria invade com tropas a cidade de Dotã onde o profeta se encontrava, para levá-lo prisioneiro.

Várias situações podem ser percebidas nessa narrativa, mas me tocou de perto o envolvimento do servo do profeta, por certo há anos acostumado a ser seu auxiliar e platéia no espetáculo de repetidos e extraordinários feitos milagrosos, agora sendo ele próprio pela primeira vez objeto do milagre, se tomarmos por certo de que este servo do profeta em questão, era o mesmo Geazi que vemos junto a Eliseu noutros eventos.

A história narrada aponta o momento em que muito cedo, pela manhã, o moço do profeta sede para com a casa cercada de tropas inimigas em seus carros de guerra. Um exército armado para sequestrar um único homem, por certo já idoso! Mas o aparato todo foi suficientemente assustador para colocar o moço em pânico. Ele corre para avisar o seu senhor, e é quando acenanos sensibiliza e surpreende. O profeta ouve a notícia da terrível invasão e reage a ela com absoluta serenidade.

Nem de longe era assunto para ser tratado com calma e lentidão. Minimamente uma interjeição de espanto seria esperada. A reação e consequente resposta do profeta, no entanto, foi a mais surpreendente possível: “Não tenha medo. Aqueles que estão conosco são mais numerosos do que eles”.

Esta paz absurda que domina o homem de Deus e inspira suas palavras, não era bastante para o moço que o auxiliava. Eliseu precisava ir além de transmitir uma mensagem de fé diante de circunstâncias de premente desespero. É então que ele ora, e sua oração tinha por alvo suplicar que o moço pudesse ver com os olhos de sua fé, ou pelos seus olhos, o motivo de sua paz e segurança: “E Eliseu orou: “ Senhor, abre os olhos dele para que veja”. Então o Senhor abriu os olhos do rapaz, que olhou e viu as colinas cheias de cavalos e carros de fogo ao redor de Eliseu.”

Foi a partir daí que o moço vivenciou a mesma paz do profeta.

Como homem de Deus, Eliseu poderia ter dito ao seu servo: “Fique sossegado! Nada nos
acontecerá. Deus está conosco. Estamos mais protegidos. São mais os que estão conosco do que os que estão com eles”, e coisas semelhantes. E tudo isso seria verdadeiro. Mas bastaria? Teria tirado o pânico do moço? A paz do profeta consistia em poder ver pela fé a segurança na qual cria. Mas e quanto ao seu ajudante? A realidade única para ele era aquela que as circunstâncias deixavam óbvias. Penso que precisamos aprender com Eliseu o uso de nossa fé para além de nosso próprio saber e discurso que nos atende. Vezes sem conta, quando interpelados por vidas que se afligem, lançamos mão de jargões bíblicos, nosso famoso “evangeliquês” e esperamos que aquele quenos interpela faça bom proveito disso para sua fé, e nos deixe viver sossegados.

Tiago há muito já condenou a atitude daqueles que diante do necessitado, limitam-se a discursar um desejo de bênção: “Se um irmão ou irmã estiver necessitando de roupas e do alimento de cada dia e um de vocês lhe disser: “Vá em paz, aqueça-se e alimente-se até satisfazer-se”, sem porém lhe dar nada, de que adianta isso?” (Tiago 2:15-16) e o deixam de mãos vazias, à esperado milagre lançado para as costas da responsabilidade divina, sem se envolver, sem se deixar ser o instrumento desse abençoar pretendido, que tira a fome, de fato.
Eliseu orou, além de procurar aquietar, e o que pediu foi que Deus transferisse ao moço a mesma experiência, a mesma bênção que ele usufruia, que somente Deus poderia dar. Na verdade, Eliseu procurou levar o seu moço para dentro de sua experiência pessoal.

Isto equivale a ir além de nosso habitual verbalizar desejos de bênçãos.
Isto fala de transmitir ao outro o que é inerentemente pessoal.
Isto fala de buscar ser bênção para o outro, mais que um abençoador, tal como foi a proposta
original de Deus para aquele que foi chamado pai dos que crêem, Abraão: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra. Sê tu uma bênção”.
Quando você ora por alguém, já pensou em se nivelar com essa pessoa na razão que dita sua
oração?

Esconderijo Pleno

Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo e descansa à sombra do Todo-poderoso pode dizer ao Senhor: “Tu és o meu refúgio e a minha fortaleza, o meu Deus, em quem confio”. Salmos 91:1-2

Penso que nosso pensamento habituado a conceituações piedosas nos faz achar que entendemos o significado de habitar no esconderijo do Altíssimo. E penso que um bom número dentre nós supõe que isso se resume a um ato, um momento espiritual. Também acredito que é assim que nos sentimos quando num momento cúltico de enlevo espiritual, principalmente na oração.

Mas também penso que, diante do uso do verbo habitar, feito pelo salmista, aquilo que ele informa vai muito além, e assume um aspecto de constância, permanência, vivência espiritual definida.

E então entendo que o resultado desse habitar no abrigo ou esconderijo do Altíssimo, também por ele apontado no texto como sendo a possibilidade de adorar a Deus dizendo: “Tu és o meu refúgio e a minha fortaleza, meu Deus em quem confio”, aponta para uma realidade espiritual plena, que fala de posicionamento, mais que de localização. Certamente nos remete ao “estar em Cristo” de que Paulo fala em alguns textos de suas cartas, em destaque Efésios 2:13. Porque Jesus é nosso lugar de refúgio, o ponto de encontro de Deus conosco e consequentemente nosso com Ele, pois tanto quanto sabemos que podemos e devemos estar “em Cristo” (II Coríntios 5:17) somos informados de que Deus está em Cristo para estar conosco: “Deus estava em Cristo, reconciliando Consigo o mundo” (II Coríntios 5:18) e então, por fim, penso que Cristo é o esconderijo perfeito onde o crente e o Deus em quem ele crê estão reunidos.

E saber esta verdade, inevitavelmente produz como efeito para a fé, o descanso de que falou o Filho de Deus, prometido a todos os que a Ele se achegam, dia após dia, todos os nossos dias: “encontrarão descanso”, diz o Senhor, donde a autoridade com que o salmista assume: “Debaixo de Suas asas me refugio”. Exatamente o que pretendeu Jesus, servindo-se de uma alegoria: “Quantas vezes eu quis reunir os teus filhos, como a galinha reune seus pintinhos debaixo de suas asas” (Mateus 23:37).

Se estamos nEle, estamos no esconderijo onde o coração pode sossegar.

Legado

Tenho meditado ultimamente num precioso livro de reflexões cristãs que me chegou às mãos, da pena de um jovem pastor carioca, Daniel Guanaes, irmão muito querido na fé em Cristo. Eu disse que tenho meditado. Não lido. Meditado. Leio muita coisa. Mas no pequeno livro do Daniel parei em meditação. O título: “ENSAIOS SOBRE O REINO”.

Meditando numa de suas páginas, fui detido pela informação de que o significado do nome do pai da Ana profetiza que aparece no Evangelho de Lucas quando do nascimento de Jesus, era “face de Deus”. Fanuel, face de Deus. O autor do livro coloca que Ana passou toda a infância ouvindo que Deus tem face. Então fui impactado por uma conscientização profunda: pensei naquela Ana criança discutindo com outras crianças que sabia que Deus tem face, tem cara, porque o nome do pai dela era uma afirmação segura disso.

Lembrei de minhas três filhas, que cresceram ouvindo histórias de Deus pela boca de seu pai, em casa e nos púlpitos das igrejas. Pensei na hipótese de que elas tiveram muitas informações para passar a seus coleguinhas sobre esse Deus de Quem tanto ouviram por boca de seu pai. Senti inveja de Fanuel por causa da mensagem que seu nome leva, sem abrir a boca, e me dei conta de que eu queria ter tido mais que histórias de Deus a oferecer a
minhas filhas, e mais que um nome com uma mensagem. Pensei que eu poderia ter tido a cara de Deus, para elas. Quê legado!

Não deu, por certo. Também continuo não tendo um nome-mensagem. Mas lembro da personificação de Deus por Elias, profeta, de tal ordem que seu discípulo Eliseu quando se viu tendo de tratar diretamente com o Deus sobre quem aprendeu com seu mestre, após sua ausência, não hesitou em dar-lhe por sobrenome o nome dele: DEUS DE ELIAS! E pensei, em busca de autoconsolo: ainda dá tempo. Também porque Fanuel comunica ao mesmo tempo: presença de Deus, semblante de Deus, numa mesma expressão. Se não dá para ter a cara de Deus, pouca coisa não será poder manifestar Sua presença. Se não para as filhas, quem sabe para os netos que um dia hão de vir. Afinal, esta é a proposta do Evangelho: “Cristo em vós, a esperança da glória” (Colossenses 1: 27). E a promessa continua para dizer que um dia todos os que Nele confiam terão a Sua cara, quando anuncia: “Tal como Ele é, seremos” (I João 3:2).

Espere um Milagre

“…as Tuas obras são admiráveis e a minha alma o sabe muito bem”. – Salmo 139:14

Este mesmo poema reveste-se de uma vestimenta mais rica na linguagem da versão da Bíblia de Jerusalém onde se traduz : “Eu Te celebro por tanto prodígio, e me maravilho com as Tuas maravilhas!”

Isso é belo!

O salmista conhecia com muita propriedade o operar maravilhoso de Deus. Cogitava dessas coisas e se ocupava delas. Meditava nelas. No Salmo 107 repetidas vezes o crente fala nas maravilhas de Deus a favor dos filhos dos homens. No Salmo 119 ele menciona as maravilhas que encontra na Lei. É bem verdade que em certa ocasião o salmista diz não andar à cata de coisas maravilhosas demais para ele, mas esse pensamento por si só não desfaz o fato de que o nosso Deus é realizador de coisas maravilhosas. Mas nem por isso a abundante referência bíblica das maravilhas de Deus favorece um cultuar de maravilhas ou a procura delas, que por sinal, por mais assombrosas fossem nos tempos bíblicos, não eram irracionais ou desprovidas de propósito e inteligência. Deus não necessita que Lhe atribuam fenômenos, para ser crido como autor deles. Menos ainda que se atribua fenômenos divinos a coisas despropositadas ou que fujam à imediata apercepção inteligente.

Mas é fato que servimos ao Deus maravilhoso! O Deus que opera; que credita e realiza milagres. E estou de pleno acordo com o salmista quando assume no Salmo 139 que a criação do homem está entre os maiores assombros e a criação do homem indivíduo é maravilhosa. Estou certo de que Deus crê na “coisa” maravilhosa que fez, ao nos criar individualmente, e ao propiciar os meios para virmos à existência. Gosto muito de ler na tradução atualizada da Bíblia o registro do Salmo 139: 16 como sendo: “Os Teus olhos me viram a substância ainda informe…” porque vou um tanto além para pretender que o salmista diria ali: “Tu me viste um Daví, o rei, quando eu era uma substância ainda informe…”

Sendo nós uma maravilha criada, por que não esperar que de forma maravilhosa Aquele que nos chamou à vida, continua a tratar e cuidar de nossas vidas?

Deus opera maravilhas. O crente não pode (respeitados os limites da sensatez e coerência) viver e adorar, abdicando do fator milagre ou do maravilhoso no seu Deus. Outro tanto não é facultado ao adorador a pretensão de estabelecer o milagre, forma e hora para acontecer. Um deus “domável” não é Deus. Um deus buscado apenas por Seus efeitos não recebe adoração em espírito e em verdade. Nosso Deus não necessita de bajuladores.

As intervenções divinas em nossa história pessoal são factíveis. E parecem obedecer sempre a esse critério: intervenções. Ele é o Deus dos milagres, o operador de maravilhas ou coisas maravilhosas. Aquele grupo de realizações que transcendentais em sua causa e temporais em seu efeito, assomam na vida do crente provocando-lhe quebrantamento, gratidão, reverência, porque divinas: a resposta surpreendente a uma oração; o próprio atender à oração proferida; o transformar de uma situação sinistra; a recuperação de uma vida humana estragada; uma cura; um livramento; uma orientação segura em meio ao caos; um toque da presença divina, arrebatadora e atraente, num louvor, na oração, no adorar.

São tantas as formas e tão inúmeros os meios pelos quais Ele pode agir e surpreender a fé!

E milagre se constitui ainda em tudo aquilo que vai além do expectável, como Ele prometeu: “Acontecerá então que antes de me invocarem, eu já lhes terei respondido; enquanto ainda estiverem falando, eu já os terei atendido” (Isaías 65:24) e: “Aquele, cujo poder, agindo em nós, é capaz de fazer muito além, infinitamente mais além de tudo o que nós podemos pedir ou conceber…” (Efésios 3:20)

Está difícil? Espere um milagre! Ele opera com padrões do infinito. “No teu Deus espera sempre…” – Oséias 12:6.

Estar com Ele

…Chamou-os para que estivessem com Ele… “- Marcos 3:13

Às vezes me permito ficar pensando e imaginando como seria o cotidiano do homem se não houvesse caído, e recolho imagens que fomentam a imaginação, nas páginas de Gênesis que registram o Éden. Ali vejo em Adão, ainda reto, o homem dentro do plano original de Deus num ambiente físico onde a presença divina transitava, em franca camaradagem. Há um momento em que o homem e sua mulher ” ouviram os passos do Senhor Deus que andava pelo jardim quando soprava a brisa do dia”… (Gn. 3:8). A narrativa sugere a idéia de um procedimento habitual, rotineiro. Sua linguagem é plena de beleza e graça! No ambiente do ser que criou para o louvor da Sua glória, Deus fazia Seu passeio. Penso que, antes da Queda, esses ” encontros ” entre Ele e Suas criaturas poderiam bem determinar um diálogo nestes termos:
-Olá, Senhor!

– Olá, Adão! Mais feliz hoje?

– Ah, meu Deus… Tudo brilha cada vez que O vejo aqui. O encanto é Tua presença! A felicidade é Te ouvir…

– Gosto de você, Adão. É bom olhar para você… A propósito, admirei o acabamento que você está dando à sua casa.

– Senhor, isso me entusiasma! Obrigado!

E Deus sorri para Ele, satisfeito. Passa adiante, e toca nas flores do quintal.

Por que não?

Ele nos restaurou à comunhão pelo sangue do Seu Filho. Ele nos convidou a ela dizendo: ” Aproximem-se, com inteira certeza de fé…” (Hb. 10:22).

Mas, como fazemos nossa aproximação? Como ” usamos” e ” entendemos ” de estar em Sua presença?

Com dogmas: orações articuladas

Cânticos ( às vezes barulhos desconexos). Cultos ( local, dia e hora marcados).

Muitas vezes isso se encerra com canseira e enfado, e a sensação que resta é a de termos estado com tudo e todos, menos com Ele.

Ele chamou você em Cristo, para usufruir Sua presença, nos termos de Cantares 2:14:
“Pomba Minha que está nas fendas da rocha (em apertos), nos esconderijos (prá baixo), nas encostas dos montes (enfrentando impedimentos, aflições), mostre-me seu rosto, deixe-me ouvir sua voz; pois a sua voz é suave e o seu rosto é lindo”.

Aproxime-se mais!