Perdidos e Achados

Sempre amei a trilogia de Lucas 15, onde coisas são perdidas ou se perdem e são achadas. Gosto de ver o resultado que isso produz, como tristeza pela perda, a busca e a alegria pelo reencontro. Encanta-me. Tenho pregado em diversas oportunidades sobre este tema, tanto em reuniões simples quanto em congressos para muita gente. A cada vez a abordagem do texto me surpreende, preenche, renova e deixa um quê de mistério pelo inesgotável da riqueza da Palavra de Deus.

Volto ao texto, pensando na segunda fala da trilogia: a parábola da moeda perdida.

“Ou, qual é a mulher que, possuindo dez dracmas e, perdendo uma delas, não acende uma candeia, varre a casa e procura atentamente, até encontrá-la? E quando a encontra, reúne suas amigas e vizinhas e diz: ‘Alegrem-se comigo, pois encontrei minha moeda perdida’. Eu digo que, da mesma forma, há alegria na presença dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende”. Lucas 15:8-10.

Insisto em ver na mensagem pretendida por Jesus a indicação de que um valor se perde numa casa, dentro de casa. A moeda é um valor, e quem a perde é quem dela teria de cuidar. Ocorrem- me coisas várias das quais uma eu desejo compartilhar: valores podem ser construídos ou perdidos a partir da casa. Um valor construído em casa, não se perderá nunca “lá fora”, quando tiver de estar “lá fora”. Mas também é fato que um valor perdido dentro de casa, jamais será achado lá fora, como valor. Ainda que se lhe atribuam valores, estes não produzirão o mesmo efeito.

Lembro de haver atendido por meses uma mulher cuja auto-estima estava aniquilada. Por conta disso ela aceitava qualquer oferta de valores que outros lhe atribuíssem, e vivia infeliz. Não conseguia crer em si mesma. À medida em que avançavam nossos discursos foi ficando evidente que sua auto-estima havia sido deformada na infância, por sua própria mãe que enaltecia sua irmã mais velha com quem a media “por baixo”. Ela cresceu crendo nesse desvalor. Nosso trabalho, muito custoso, foi desconstruir aquela visão de menos valia que sua mãe, a dona do valor da casa, lhe atribuíra. Coincidência de personagens apenas, mas o fato é que a dona da moeda algumas vezes é um marido, um pai, um irmão mais velho.

A segunda fala da trilogia mostra essa possibilidade. Mas mostra também que o valor perdido pode ter sua falta percebida em tempo, e por conta disso, restaurar-se ou ser restaurado. E a fala do texto indica os meios dessa restauração: enceta-se uma busca; desarruma-se o que está ocupando o lugar do valor perdido; vasculha-se tudo para ver atrás de quais substitutos ou esconderijos esse valor se alojou ou se escondeu ou foi escondido. Na luta por restaurar o valor, afasta-se do lugar o que pode estar impedindo, escondendo. E serve-se de uma lâmpada, uma luz para favorecer a busca. E a luz tem seu lugar, porque dissipa sombras, realça detalhes, faz brilhar ou evidencia brilhos antes não percebidos.

Então penso na luz. De que luz nos servimos para reencontrar valores em outros ao nosso derredor? Lembrando do que disse Jesus: “Vocês são a luz do mundo”, só me resta entender que a luz é minha própria vida, um derramar de mim sobre outras vidas, para que possa identificar-me nelas, identificá-las comigo. Como tenho animais domésticos, aprendi com eles que, quando querem identificar-se com algo ou alguém, eles procuram transferir seu cheiro, chegando junto, esfregando-se, de tal forma que o “outro” adquire um aroma que eles reconhecem como parte de si. Porque achar valores perdidos não vai muito além de transferir a outros aqueles que identificamos em nós mesmos.

Deus que Aquieta

Nosso texto é o Salmo 46, no qual nosso pensamento se desenvolve em torno do verso 10: “Parem de lutar! Saibam que eu sou Deus! Serei exaltado entre as nações, serei exaltado na terra”.

O salmo todo transmite uma mesma mensagem: Deus aquieta, porque dá conta.

Eis a razão por que o salmista começa com imagens que apelam ao descanso na segurança da presença de Deus na vida dos que a Ele pertencem, insistindo numa terminologia forte: Ele é, Ele está junto, está presente!

Também o mesmo salmista cria imagens de contraste quanto ao tumulto da  vida no entorno dos servos de Deus (sendo Ele não mero espectador desse tumulto), e o sossego e segurança garantidos aos que estão sob a proteção divina, esses aqui vistos na metáfora “cidade” no meio da qual Ele Se encontra. E então pinta um quadro de paisagem tranquila, segura: “Por isso não temeremos, ainda que a terra trema e os montes afundem no coração do mar, ainda que estrondem as suas águas turbulentas e os montes sejam sacudidos pela sua fúria. Há um rio cujos canais alegram a cidade de Deus, o Santo Lugar onde habita o Altíssimo. Deus nela está! Não será abalada! Deus vem em seu auxílio desde o romper da manhã”. Reforça com a certeza dessa Presença sustentadora.

A partir daí o próprio Deus assume a Palavra para exortar quanto ao descanso que deriva da confiança nEle e em Suas promessas. É quando podemos desdobrar alguns dos vários significados que esse discurso de Deus comunica. Primeiramente Deus assegura que HÁ DESCANSO PORQUE ELE ORDENA, e esse brado divino: “aquietem-se!” significa entre outras coisas:

– Sosseguem!;

– Parem de lutar!;

– Soltem as cordas!

Em seguida percebemos que o discurso se dilata e afirma que HÁ DESCANSO PORQUE ELE É (“Eu sou…”). Isto fala de Presença (realidade, não mito, nem criador fora de cena, como pretendem os deístas). Fala também de suficiência, capacidade; e ainda mais: fala de Imutabilidade, qualidade que o próprio Senhor aponta em Si a nosso favor: “De fato, eu, o Senhor, não mudo. Por isso vocês, descendentes de Jacó, não foram destruídos.” – Malaquias 3:6.

E por último podemos entender de igual forma que Seu discurso no verso 10 do salmo ainda comunica que HÁ DESCANSO POR ELE SER DEUS.

– Qual a primeira idéia que nos ocorre desse termo-título: DEUS? A mim sempre ocorre a idéia de Criador Todo-poderoso. Aquele que é capaz de fazer o inédito, fazer de novo, criar coisa nova e firme. Aquele a Quem todas as coisas são possíveis, e isso comunica que nosso descanso é totalmente possível.

Então Sua exortação: “Aquietem-se!” toma maior vulto e se desdobra em outros conceitos, paralelos: “Entregue a Ele o seu caminho, confie nEle…” ; “Lancem sobre Ele toda a sua ansiedade”. Na Antiga Aliança, Ele fez um caminho através do mar. Na Nova Aliança, como o Deus Encarnado, Ele fez um caminho por sobre as águas do mar. Seja através ou por cima, Ele nos faz avançar. Ele pode. Ele dá conta. Ele faz! Ele nos aquieta. Glória ao Seu Nome!

Os Absolutos da Graça

Há um único texto no Novo Testamento que associa a Graça diretamente à Pessoa de Cristo, sem conexão secundária com o Deus Eterno. Nós o conhecemos bem: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos” – II Coríntios 13:14. Em algumas versões ele é o versículo 13.

De acordo com a NVI temos 24 textos ligando a graça a Cristo, 2 mencionando a distribuição da graça por meio de Cristo. Dos 24, há 15 que associam a um só tempo a Graça a Cristo e a Deus Pai.

Depois encontramos 29 textos que ligam a graça diretamente a Deus Pai, como oferta aos homens por meio de Cristo. Um único texto a atribui ao Espírito Santo. “Quão mais severo castigo, julgam vocês, merece aquele que pisou aos pés o Filho de Deus, profanou o sangue da aliança pelo qual ele foi santificado e insultou o Espírito da graça?” – Hebreus 10:29.

Isto nos acentua a idéia da soberania da graça, que podemos visibilizar melhor nos textos de I Coríntios 15:10 e Efésios 2: 5-9 – clássicos.

Vamos a eles: “Mas, pela graça de Deus, sou o que sou, e sua graça para comigo não foi inútil; antes, trabalhei mais do que todos eles; contudo, não eu, mas a graça de Deus comigo.” (1 Coríntios 15:10)

“deu-nos vida com Cristo quando ainda estávamos mortos em transgressões—pela graça vocês são salvos. Deus nos ressuscitou com Cristo e com ele nos fez assentar nas regiões celestiais em Cristo Jesus, para mostrar, nas eras que hão de vir, a incomparável riqueza de sua graça, demonstrada em sua bondade para conosco em Cristo Jesus. Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie.” (Efésios 2:5-9).

O que me proponho a compartilhar, como sendo os absolutos da graça de Deus, são os seus pontos indiscutíveis, soberanos. Temos alguns adjetivos significativos acoplados à graça:

Riqueza: “Nele temos a redenção por meio de seu sangue, o perdão dos pecados, de acordo com as riquezas da graça de Deus,” (Efésios 1:7)

Abundante (grandiosa) – “E os apóstolos davam, com grande poder, testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça” – Atos 4:33.

E expressões paralelas, usando substantivos ou verbos que indicam sua intensidade: abundância da graça (Romanos 5:17) e a graça que superabundou (Romanos 5:20).

Esses textos carregam na idéia de grandeza, intensidade, super-eficiência.

Mas há mais de quatrocentos anos discute-se variações na forma do homem se aperceber e vivenciar a graça salvadora. Geralmente essas variações apontam questões que não atendem aos absolutos da graça. Quais são elas, resumidamente?

1- o tamanho da graça ( É eterna ou temporária?);
2- quem toma a iniciativa na aplicação da graça? Deus? O homem? Os dois se encontram “no meio do caminho”?
3- ela é irresistível ou pode ser resistida?

Estas discussões são intermináveis.

Sobrepondo-se a todas estas questões, temos os absolutos da graça, que significam inegociáveis na fé evangélica, e que deram causa à Reforma Protestante do século XVI.

1- SOMOS SALVOS PELA GRAÇA – É a proclamação repetida de nosso texto de Efésios 2:5-9.

Para dizer que não cabe espaço na confissão evangélica para outro recurso.

– não por obras de fé;
– não por obras de caridade;
– não por obras;
– não por méritos.

Neste particular a graça assume o bendito significado de “favor imerecido”.

2- consequente ao anterior, PROCEDE DE DEUS.
Para dizer que:

– não vem da igreja;
– não vem de mediação sacerdotal humana;
– não vem de anjos ou qualquer outro ser celestial.
– não vem das obras nem do acúmulo de méritos numa sociedade de santos.
– não vem da vontade dos homens.
– não nasce com os homens
– não é inata. É externa e se manifesta a eles.

3- É a graça que REALIZA MUDANÇAS (transformações) e obras. É de que fala o texto de I Coríntios 15:10.

Pode ser entendida, á luz deste texto, assim:

(1) – Ela me faz ser -…”pela graça de Deus, sou o que sou” (SER)

Define o contraste entre passado e presente.
Estabelece o presente.

(2) – Ela é por mim – …”sua graça para comigo não foi inútil”. (FAZER)

Produziu resultados, efeitos – obras (obras provocadas pela manifestação da graça).

(3) – Ela é comigo – …”a graça de Deus comigo”. (ACONTECER) – o resultado contínuo.

“Em mim”, é outra forma de entender.

Finalizando:
Algumas coisas significativas a considerar:
Parece que os grupos opostos nos elementos secundários da graça jamais capitularão um à
“verdade” do outro. No entanto:
– Qualquer que seja a corrente que se opte seguir, o fundamental de que ninguém abre mão é:
A graça salva para a eternidade;
Não é “minha ótica” da graça que opera ou resulta na minha salvação eterna. O que resulta é apenas o tamanho, a têmpera de minha segurança espiritual.

O Homem que Sonhava com Anjos

José era filho de um povo que viveu cercado por histórias de epifanias, onde anjos falavam aos homens ao vivo e a cores, extemporaneamente, mas repetidas vezes. Imagino o menino José crescendo com seu imaginário povoado dessas figuras celestiais. A história do seu povo, seus parentes distantes no passado, era mais fascinante às crianças de sua época que nossas histórias de fantásticos super-heróis, porque a essas nossas, falta o quê de realidade. A fantasia sobrepõem-se na imaginação. A diferença maior entre aquele menino e os nossos meninos talvez se acentue no fato de que os personagens artificiais de nossas histórias, que hoje levam tantos às salas de cinema, no máximo atraem por inspirá-los a crescerem desejando ser como tais, super-homens um dia, enquanto José e os meninos de sua época deveriam desejar ver um anjo, ainda que em sonhos. Pois nosso menino José, uma vez homem feito, os viu quatro vezes. Os capítulos 1 e 2 do Evangelho segundo Mateus narram quatro aparições de anjos a José em sonhos.

Ao tempo em que José sonhava com anjos ao deitar, sua esposa os via, a olho nú. Pouco tempo depois de ter experimentado seu primeiro sonho angelical, José soube que um grupo de homens do campo, pastores, viram não um apenas, mas um número incontável deles, também a olho nu. Mas ele sonhava. Sua esposa e os demais que viram anjos, passaram por essa extraordinária experiência uma única vez. Porque sonhava, José continuou a vivenciar o contato com anjos mais três vezes, pelos anos seguintes.

E a experiência dos sonhos de José chama a atenção quanto ao fato de que a mensagem do anjo que lhe aparece em sonho é que se torna o grande foco da aparição, ou seja, o que conta não é a epifania, a experiência em si, mas o que ela comunica. Isto é o que fica e determina os movimentos que produzem, a cada vez nele: obediência quanto ao que ouve, num primeiro momento para nada fazer, e num segundo momento para agir, sair, fugir, refugiar-se e reassumir posição.

Destaco os movimentos de José quanto ao fato que, diferentemente de todos à sua volta (sua esposa e os pastores nas campinas de Belém), ele apenas sonhou. Abraão viu anjos e conversou com eles; foi assim também com vários profetas; com Pedro, Paulo, João, apóstolos. Foi assim com os pais de Sansão, com Moisés, Josué e outros. Alguns, a despeito de vê-los e ouvi-los, como Gideão, puseram em dúvida sua mensagem. Também o próprio pai de João Batista, Zacarias. Mas José, conquanto apenas sonhasse, nada questionou, nada falou, apenas ouviu e sem discutir nem duvidar, atendeu ao que lhe foi ordenado. Se a orientação era assumir posição, ele o faria. Se era fugir…fugir? Melhor não seria ver o anjo operar livramento? Sem discussão: fujamos!

Acredito que o menino sobre cuja fé o homem José foi construído ouviu tanto sobre anjos e tanto desejou vê-los e ouvi-los que não hesitou quanto a atendê-los quando seu desejo se cumpriu em sonhos.

Penso em nossos dias, no fato de que o autor de Hebreus nos informa na abertura de sua carta que “havendo Deus antigamente falado aos nossos pais pelos profetas, muitas vezes e de diversas maneiras” (até por meio de anjos), “nos últimos dias nos falou através do Filho”. Este mesmo autor, arremata que o Filho “tornou-se tão superior aos anjos quanto o nome que herdou é superior ao deles.”(Hebreus 1:4). E, fazendo fechamento de sua argumentação, ele adverte: “Por isso é preciso que prestemos maior atenção ao que temos ouvido, para que jamais nos desviemos. Porque, se a mensagem transmitida por anjos provou a sua firmeza e toda transgressão e desobediência recebeu a devida punição, como escaparemos, se negligenciarmos tão grande salvação?” (Hebreus 2: 1-3).

Verdadeira “Cristianidade”

Eu sei que poderia usar palavras de nosso domínio semântico como cristandade, cristianismo, e semelhantes. Mas, tanto quanto criou-se entre nós uns neologismos  conhecidos  por cristocentrismo, cristocentralização, com o intento de dar reforço ao significado do pensamento em termos de acuidade cristã e confessional, preferi partir para esse, que por mais estranho pareça, creio que me serve para expressar um conceito de validade de confissão cristã. Cristianidade serviria para falar do nível de nossa confissão como discípulos de Cristo (algo como: quão cristãos?),  e entendo poder avaliar isso à luz de Mateus 11:28 e 29: “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu darei descanso a vocês. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas.”

Conhecemos bem este texto que chamamos de convite divino. Não gosto do conceito convite porque parece enfraquecer a proposta. Convite é coisa que podemos rejeitar por desinteresse, ou que podemos avaliar se convém ou não.  O texto  vai além e nos mostra princípios reveladores de nossa conversão, como únicos meios para gerar uma “cristianidade” verdadeira.

O termo cristão não dá certeza de muita definição espiritual nestes tempos. O cristianismo precisa ser conhecido pela “cristianidade” dos seus seguidores. E ela só é verdadeira via estes meios resumidos nesta curta parte do discurso do Filho de Deus.

Dele desdobramos: 

O ponto de partida: “Venham a Mim”. Aponta para o chamado à fé. Está muito além de convite. Jesus sempre Se manifestou em Seu ministério pronunciando chamado, e não meramente convidando.  Longe de indicar a entrega humana como esse ponto de partida, coloca a iniciativa exclusivamente em Quem chama. O homem apenas atende, pois a iniciativa não nos pertence, exatamente como o Senhor disse: “Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto…” (João 15:16).  E o chamado é pessoal e particular: “Aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas…Ele chama as suas ovelhas pelo nome e as leva para fora.” (João 10:2-3). Paulo insistiu em nos identificar como sendo frutos de um chamado feito por Deus: “E vocês também estão entre os chamados para pertencerem a Jesus Cristo. A todos os que… são amados de Deus e chamados para serem santos…” (Romanos 1: 6 e 7).

E a consciência da fé que aquiesce com tamanha verdade traduz-se em segurança espiritual. Saber que nossa confissão cristã ocorre porque Deus deu o ponto de partida chamando-nos em Cristo, posiciona nossa vida espiritual nos altos da segurança eterna.

O Comprometimento é o que ocorre a seguir, quando Ele diz: “Tomem sobre vocês o Meu jugo”.

Num primeiro momento, porque o chamado se dirige aos “cansados” e “sobrecarregados”, retemos a idéia de um movimento liberador que nos deixa soltos, leves e descomprometidos na existência, por conta de uma nova fé. Mas ao chamado segue-se um imperativo: “Tomem Meu jugo sobre vocês”. “Meu fardo”. E deixa claro que esse fardo, diferentemente do que trazemos conosco, é leve, pois não cansa nem sobrecarrega. Mas é fato que não ficamos ociosos, vazios. Não.  Aí está uma proposta de seguir a vida sob os Seus princípios, com comprometimento e compromissos. E a idéia que subjaz à ordem: “Tomem meu jugo”, é ficar sob Sua canga, atrelado ao mesmo caminhar, na mesma direção para cumprir a mesma tarefa. Como um boi atado a outro por um jugo único, para arar o chão. E de novo, a segurança garantida, pois implica em que a vida será conduzida por Quem a pensou, logo tem tudo para dar certo em seus propósitos sempre. Exatamente como Ele pensou e afirmou: “Eu é Quem sei os planos que tenho para vocês, planos de bem e não de mal…” (Jeremias 29:11).

E o comprometimento há de implicar no ápice do chamado:

CRESCIMENTO. Cresce aquele que aprende. Exatamente o que o verdadeiro cristão experimenta quando vivencia a proposta de seu Cristo: “Aprendam de Mim que sou manso e humilde de coração”. Impossível aprender se não estiver atado ao Seu jugo. Mas é significativo perceber o uso forçado da preposição que segue o verbo: “de Mim”, em lugar de “Comigo”, pois é um processo de observação, com um quê de contemplativo, de admiração embutida nele. Tem começo e jamais termina. E aponta crescimento porque indica SER, antes de fazer. Crescemos para ser e crescemos quando somos. Porque somos e o que somos, fazemos. Por isso Ele disse: “Aprendam de mim que sou…”  Ser, é o desafio do cristão, pois o alvo é “Tal como Ele é”. E o crescimento é em duas ordens: humildade e mansidão. Que interessante!  Um  dia Jesus disse: “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus”; e: “Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra” (Mateus 5: 3 e 5).

Há um sinal característico da eficácia dessa cristianidade: Descanso. Ele sinalou: “Vocês encontrarão descanso para suas almas”.

Simples assim.

O Deus Eterno e o Mito Deus

Há poucos dias tive o privilégio de conhecer e entrar em contato com um médico de São Paulo, muito bom sujeito, que ao mesmo tempo em que se dizia ateu, revelava um interesse pouco comum pela pessoa de Deus. Numa tentativa de discutir o assunto  Deus, ele usou o argumento  mais próprio aos que desistiram da idéia de Deus, quando citou uns fatos de tragédias da vida e me perguntou por que Deus não impedia tais fatalidades. Eu lhe dei a resposta na qual creio: Deus não tem esse compromisso. Ele se mostrou surpreso. Então eu lhe disse que ele estava vivendo uma idéia falsa, mitológica de Deus, religiosa e poética, mas inventada pelo desejo ou superstição humanos. Mas não a verdade acerca de Deus que só o verdadeiro Deus pode passar de Si mesmo. E que por ser mitológica, estava fadada a decepcionar sempre.

Ao mesmo tempo em que falava com ele eu me perguntava quantos dos crentes evangélicos hoje não confessam um deus mitológico porque é a idéia de Deus que lhes convém? Quantos desistem de crer no Deus Eterno porque esse conhecimento de Deus não lhes convém? É do nível do lamento de Paulo em Romanos:  “Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis.” – Rm. 1:22-23. E as imagens aqui referidas não se limitam a ídolos, mas incluem as imagos conforme nosso coração deseja, ou seja, a imagem mental que nosso coração cria acerca de Deus.

Denuncio o fato de que mesmo cristãos evangélicos criam um deus mitológico e isso tem sido tanto mais frequente quanto mais distante a confissão evangélica vai ficando de sua fonte escriturística. Mormente nos redutos onde profetas anunciam um deus promitente de vantagens e privilégios a cultuadores desprovidos de discernimento, e que entendem por deus um que esteja à mão para satisfazer seus desejos.

Mas o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo jamais permitiu que os homens fabricassem uma idéia a Seu respeito. Ele Se deu a conhecer.

Temos dois textos que parecem nos apresentar idéias antitéticas de Deus: Salmo 90 e Salmo 103.

Comparemos: Salmo 90:7 e 8 com 103: 3 e 8-12 – ““Somos consumidos pela tua ira e aterrorizados pelo teu furor. Conheces as nossas iniquidades; não escapam os nossos pecados secretos à luz da tua presença.” (90:7 e 8); “É ele que perdoa todos os seus pecados e cura todas as suas doenças”; ” O Senhor é compassivo e misericordioso, mui paciente e cheio de amor. Não acusa sem cessar nem fica ressentido para sempre; não nos trata conforme os nossos pecados nem nos retribui conforme as nossas iniquidades. Pois como os céus se elevam acima da terra, assim é grande o seu amor para com os que o temem; e como o Oriente está longe do Ocidente, assim ele afasta para longe de nós as nossas transgressões.” (103:3;8-12).

90: 9-10 com 103: 4- 5. – ““Todos os nossos dias passam debaixo do teu furor; vão-se como um murmúrio. Os anos de nossa vida chegam a setenta, ou a oitenta para os que têm mais vigor; entretanto, são anos difíceis e cheios de sofrimento, pois a vida passa depressa, e nós voamos!” (90:9-10); “…que resgata a sua vida da sepultura e o coroa de bondade e compaixão, que enche de bens a sua existência, de modo que a sua juventude se renova como a águia.” (103:4-5).

É quase contraditório. Mas não é. Nem se trata de óticas diferenciadas de se ver Deus.

A razão está nos textos de 90:17 e 103:13. “Esteja sobre nós a bondade do nosso Deus Soberano. Consolida, para nós, a obra de nossas mãos; consolida a obra de nossas mãos!” (90:17); “Como um pai tem compaixão de seus filhos, assim o Senhor tem compaixão dos que o temem;” (103:13).

A nós convém ter e preservar uma visão unilateral de Deus que se coaduna com nossos desejos e necessidades. Um Deus paterno a Quem queremos transformar em paternalista.

Mas o salmo 90 chama nossa atenção para o fato de que esse Deus Pai também é Senhor soberano e responsável, que estabeleceu normas, leis físicas e morais que não podem sofrer suspensão por capricho em função de descuidos e descasos dos homens. Ele vê seus filhos como filhos que são humanos, responsáveis e responsabilizados por seus atos e decisões, suscetíveis de sofrer consequências boas e ruins conforme suas escolhas: “Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear isso também colherá. Quem semeia para a sua carne da carne colherá destruição; mas quem semeia para o Espírito do Espírito colherá a vida eterna. E não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos.” ( Gálatas 6:7-9 ).

Ele é Pai, mas não é paternalista, e por isso mesmo a Ele devemos a um só tempo, amor como Pai e temor como Senhor. 

Uma importante notícia: as duas formas de adorar devem andar na mesma medida, sem que uma se sobreponha a outra.

Atentemos para Malaquias 1:6 – “O filho honra seu pai, e o servo, o seu senhor. Se eu sou pai, onde está a honra que me é devida? Se eu sou senhor, onde está o temor que me devem?”…