José era filho de um povo que viveu cercado por histórias de epifanias, onde anjos falavam aos homens ao vivo e a cores, extemporaneamente, mas repetidas vezes. Imagino o menino José crescendo com seu imaginário povoado dessas figuras celestiais. A história do seu povo, seus parentes distantes no passado, era mais fascinante às crianças de sua época que nossas histórias de fantásticos super-heróis, porque a essas nossas, falta o quê de realidade. A fantasia sobrepõem-se na imaginação. A diferença maior entre aquele menino e os nossos meninos talvez se acentue no fato de que os personagens artificiais de nossas histórias, que hoje levam tantos às salas de cinema, no máximo atraem por inspirá-los a crescerem desejando ser como tais, super-homens um dia, enquanto José e os meninos de sua época deveriam desejar ver um anjo, ainda que em sonhos. Pois nosso menino José, uma vez homem feito, os viu quatro vezes. Os capítulos 1 e 2 do Evangelho segundo Mateus narram quatro aparições de anjos a José em sonhos.
Ao tempo em que José sonhava com anjos ao deitar, sua esposa os via, a olho nú. Pouco tempo depois de ter experimentado seu primeiro sonho angelical, José soube que um grupo de homens do campo, pastores, viram não um apenas, mas um número incontável deles, também a olho nu. Mas ele sonhava. Sua esposa e os demais que viram anjos, passaram por essa extraordinária experiência uma única vez. Porque sonhava, José continuou a vivenciar o contato com anjos mais três vezes, pelos anos seguintes.
E a experiência dos sonhos de José chama a atenção quanto ao fato de que a mensagem do anjo que lhe aparece em sonho é que se torna o grande foco da aparição, ou seja, o que conta não é a epifania, a experiência em si, mas o que ela comunica. Isto é o que fica e determina os movimentos que produzem, a cada vez nele: obediência quanto ao que ouve, num primeiro momento para nada fazer, e num segundo momento para agir, sair, fugir, refugiar-se e reassumir posição.
Destaco os movimentos de José quanto ao fato que, diferentemente de todos à sua volta (sua esposa e os pastores nas campinas de Belém), ele apenas sonhou. Abraão viu anjos e conversou com eles; foi assim também com vários profetas; com Pedro, Paulo, João, apóstolos. Foi assim com os pais de Sansão, com Moisés, Josué e outros. Alguns, a despeito de vê-los e ouvi-los, como Gideão, puseram em dúvida sua mensagem. Também o próprio pai de João Batista, Zacarias. Mas José, conquanto apenas sonhasse, nada questionou, nada falou, apenas ouviu e sem discutir nem duvidar, atendeu ao que lhe foi ordenado. Se a orientação era assumir posição, ele o faria. Se era fugir…fugir? Melhor não seria ver o anjo operar livramento? Sem discussão: fujamos!
Acredito que o menino sobre cuja fé o homem José foi construído ouviu tanto sobre anjos e tanto desejou vê-los e ouvi-los que não hesitou quanto a atendê-los quando seu desejo se cumpriu em sonhos.
Penso em nossos dias, no fato de que o autor de Hebreus nos informa na abertura de sua carta que “havendo Deus antigamente falado aos nossos pais pelos profetas, muitas vezes e de diversas maneiras” (até por meio de anjos), “nos últimos dias nos falou através do Filho”. Este mesmo autor, arremata que o Filho “tornou-se tão superior aos anjos quanto o nome que herdou é superior ao deles.”(Hebreus 1:4). E, fazendo fechamento de sua argumentação, ele adverte: “Por isso é preciso que prestemos maior atenção ao que temos ouvido, para que jamais nos desviemos. Porque, se a mensagem transmitida por anjos provou a sua firmeza e toda transgressão e desobediência recebeu a devida punição, como escaparemos, se negligenciarmos tão grande salvação?” (Hebreus 2: 1-3).