Visão, Não Miragem

“No ano em que o rei Uzias morreu, eu vi o Senhor assentado num trono alto e exaltado, e a aba de sua veste enchia o templo. Acima dele estavam serafins; cada um deles tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés e com duas voavam. E proclamavam uns aos outros: “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos, a terra inteira está cheia da sua glória”. Ao som das suas vozes os batentes das portas tremeram, e o templo ficou cheio de fumaça. Então gritei: Ai de mim! Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! Logo um dos serafins voou até mim trazendo uma brasa viva, que havia tirado do altar com uma tenaz. Com ela tocou a minha boca e disse: “Veja, isto tocou os seus lábios; por isso, a sua culpa será removida, e o seu pecado será perdoado”. Então ouvi a voz do Senhor, conclamando: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” E eu respondi: Eis-me aqui. Envia-me!”
Isaías 6:1-8

Miragem é um fenômeno decorrente de fadiga mental por esforços excessivos. Na miragem, que convence quem a experimenta, vê-se o que se pretende ver, mas isso não se constitui numa visão. A diferença básica entre o objeto de uma visão e o objeto de uma miragem é que naquela o objeto é real, e nesta, não passa de ilusão. Algo próximo a miragem, e distante de visão, também é a visualização por efeito emocional ou histérico, e a isso também prefiro aludir como miragem.

No texto de Isaías, acima, estamos diante do relato de uma visão espiritual. Por mais extraordinária nos pareça, não é a descrição de uma ilusão, uma miragem, mas o objeto se manifestou diante dos olhos do seu observador que era o profeta.

Alguns pontos salientam o realismo dessa visão:

Ela estava articulada com o momento e o lugar em que ocorria, ou seja, estava contextualizada: no ano em que o trono de Israel tinha vagado pela morte do rei. A possível motivação do profeta para orar, trouxe-lhe uma resposta: o trono não estava vazio. O verdadeiro Rei foi visto assentado num trono exaltado. Por mais que houvesse vazio político em Israel, a terra continuava tendo seu único e verdadeiro Rei, condutor da História.

A visão era acompanhada por sons, vozes, mensagem: Começava pela identificação do seu principal personagem: “o Senhor e Ele é três vezes santo”. Em seguida anunciava Sua grandeza e força: “Toda a terra está cheia da Sua glória”, para dizer também, noutras palavras, que Ele direciona Sua glória à terra, significando que está ocupado com ela. Embora cercado de serafins, ocupa-Se dos homens.

Depois a visão muda seu foco de Deus para o vidente e ele se vê. Vê a si mesmo e vê os demais. “Tenho lábios impuros” e: “Habito entre gente de lábios impuros”. Antes de ver os outros ele se vê. Se fosse miragem, ele não se veria nela. A diferença entre miragem e visão também se delineia no fato da visão ter compromisso moral. Não é sensacionalista.

Por conseguinte, a visão provoca reação, vista no temor do vidente que se sente aniquilar diante da disparidade que a visão lhe mostra, entre a santidade de Deus e a sua própria pecaminosidade. E aí a visão nos ensina que ninguém vê a glória de Deus sem que sinta seu próprio opróbrio.

Mas, salientando ainda mais seu valor e poder, a visão que mudou o foco de Deus para o homem, também muda a mensagem de Deus, para o homem. Se amplia, para cuidar de quem vê (trata o pecado, sem condenar o pecador) e o inclui, envolve, num tocante apelo: “A quem vou enviar? Quem irá em nosso lugar?” E a palavra que encerra a visão se traduz numa entrega, oferta pessoal do vidente: “Envia a mim”.

Há ainda uma inevitável analogia entre a visão do profeta e a experiência de conversão a Cristo, que pode ser vivenciada por todo o que crê. Considerando o que disse o apóstolo Paulo quanto ao inconvertido, que “o deus deste século cegou o seu entendimento para que não obedeça à verdade”, o convertido, por conseguinte, teve seus olhos da fé abertos por Deus e para Ele. Tomando a experiência de Isaías como um correlato desta, do convertido, salienta-se que uma experiência real de conversão se traduz na visão que o convertido tem da glória de Deus e do seu pessoal vazio dela. Outro tanto, vê a santidade de Deus, e em contrapartida, sua pecaminosidade pessoal e do ambiente onde se insere. O resultado é a busca por purificação e uma aptidão voluntária para servir.

Isto delineia para nós as qualidades de uma visão espiritual. O que passa disso ou nem a isso chega, é miragem, apenas.