A Partilha Que Multiplica

Marcos 6: 30-44

Há movimentos emblemáticos neste milagre que vem relatado nos quatro evangelhos, e tais movimentos falam da natureza, do espírito que caracteriza a manifestação do Reino de Deus na vida dos que vivem em função dele.

Vejamos alguns pontos relevantes que a leitura geral feita nas quatro narrativas aponta:

1- O milagre se deu num lugar deserto nas cercanias de Betsaida, cujo nome significa: “casa de misericórdia.” Por sua vez, este milagre é fruto de misericórdia, e por certo se registrou na memória de seus beneficiados como transformando aquele espaço desértico num lugar de exercício de misericórdia – Lucas 9:10.

2- Marcos e Lucas posicionam o milagre como ocorrendo logo após o retorno dos Doze em sua primeira missão ao campo. Então ele entra como ratificação da missão da Igreja em repartir o que tem e o que leva, gerando um multiplicador inevitável.

3- Filipe é o homem a quem Jesus provoca, ou prova, e que informa terem apenas 200 dinheiros, insuficientes para comprar pão para tanta gente (João 6:7).

4- André é o homem que traz a oferta humílima de 5 pães e dois peixes, merenda de um rapaz que entre o povo estava.

5- O povo foi ordenado em ranchos sobre a relva, à espera do milagre. Imagino que se assentaram por opção de afinidades, como os ranchos em que a Igreja visível de Cristo se ajunta no mundo todo.

Então, coisas acontecem, e são sobrenaturais. Tudo, a partir de uma entrega que originalmente era:

– Insuficiente em si mesma;

– O tudo do ofertante;

– Dada a um, a favor de todos, e recebida pelo Senhor, em Suas  mãos. E essa entrega, que passando por André chega às mãos do Senhor, parece cumprir literalmente outra funcionalidade da Igreja, como preconizada por Jesus: “Quando o fizeste a um desses pequeninos, a mim o fizeste”.

E a natureza do milagre:

  • Começou por um dividir, um repartir (Marcos 6: 41);
  • Os que recebiam sua parte, serviam aos demais (6:41);
  • E as divisões continuavam. Ou seja, diminuía para multiplicar. O programa era dividir. O resultado foi multiplicação.

E o mais importante: Esse milagre teve origem, começo em Jesus, mas continuou e aconteceu pela e com a participação de cada um, de forma que todos foram por sua vez instrumentos da realização do milagre. Eis a Igreja aí!

O efeito final atingiu o objetivo: satisfação (6:42).

E houve abundância de sobra para quem repartiu primeiro.

Fé: Esperança Ou Desespero?

Para que serve a fé? Ou ter fé? A Palavra de Deus afirma que a fé é um recurso (fenômeno) dado por Deus. Qualquer coisa que pretenda ser ferramenta para o transcendentalismo sem ser essa dádiva divina, o mais que consegue atingir é o status de mentalização, porque a fé não é nem alguma forma de energia psíquica nem mero derivativo do racional humano como filosofias e equivalentes. A fé é um construto inerentemente espiritual, tal como a esperança, que a alimenta.

Por sua vez, da mesma maneira como o ser humano almeja perpetuidade, porque o anseio pela eternidade foi posto por Deus dentro dele (Eclesiastes 3:11), esse anseio gera um substrato de esperança, em função da qual toda a estrutura psíquica da humanidade funciona. Diferentemente de todos os demais seres vivos, nós, humanos, vivemos em função do dia seguinte, e em direção a ele, para dizer o mínimo.

Na dimensão da fé, ela se alimenta da esperança que vai muito além do dia imediato, por contemplar a eternidade com Deus, e assim carreia um número incontável de comportamentos que caracterizam e definem o crente no seu devir.

Mas a esperança que se serve da fé, não corre somente na direção de coisas, e sim na direção da Pessoa de Deus. Esperamos, não “no que” e sim, “em Quem”.

Por conta disso, bem biblicamente assentada numa confissão teísta, e lançando para o nada os argumentos deístas, que são inócuos, pois o melhor que podem propor ao crente é o desespero quando lhe pretendem fazer crer que ele está por sua conta neste mundo, a fé enxerga a promessa e se serve dela quando a lê em suas máximas escriturísticas, tais como estas:

“(Jesus)…está sustentando todas as coisas pela Palavra do Seu poder” – Hebreus 1:3.

“Entregue o seu caminho ao Senhor; confie nele, e ele agirá” –  Salmos 37:5

“Deus é quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele.” – Filipenses 2:13

“Depositei toda a minha esperança no Senhor; ele se inclinou para mim e ouviu o meu grito de socorro. Ele me tirou de um poço de destruição, de um atoleiro de lama; pôs os meus pés sobre uma rocha e firmou-me num local seguro.”- Salmos 40:1-2.

“Senhor, concede-nos a paz, porque todas as nossas obras tu as fazes por nós.”- Isaías 26:12.

“Assim, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade.” – Hebreus 4:16

“Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem cuidado de vocês.” – 1 Pedro 5:7

 “Pois quem resiste à sua vontade?”- Romanos 9:19

“Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês’, diz o Senhor, ‘planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro.” – Jeremias 29:11

Podemos acrescentar todo o salmo 23, que investe no contínuo fazer do Supremo Pastor a favor de Suas ovelhas.

Se o coração do crente não estiver guarnecido dessa fé que vê no Deus Eterno o Pai, no trato pessoal e direto com cada um de Seus filhos, o máximo que esse coração vai abrigar é um pensamento elevado para uma forma mais equilibrada de vida, semelhante às filosofias orientais e conceitos de auto-ajuda, mas longe de ser aquela fé bíblica, definida em Hebreus 11:1 como “…a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos” e que adora um Deus pessoal.

Glória a Deus pela fé que aproxima dEle o crente, para confessar em oração e forma de viver, sua completa dependência diante dAquele perante Quem ninguém é autossuficiente.

Vale orar, como o fizeram os discípulos: “Senhor, aumenta-nos a fé” – Lucas 17:5.

Maças de Ouro de Jeremias (6 e 7)

“Clame a mim e eu responderei e direi a você coisas grandiosas e insondáveis que você não conhece”. – Jeremias 33:3

É indissociável, infelizmente, em nossa experiência cristã, a idéia de clamar a Deus, como sendo um monólogo. Há um apelo evidente e eloquente neste oráculo de Jeremias, feito pelo Deus Eterno ao Seu povo, que recalca e investe de forma incisiva o sentido de orar, como sendo uma conversa, onde minimamente duas pessoas são ouvintes mútuos. O que fica aquém disso, corre pelo limiar da reza, que distancia tanto quem fala quanto o ouvinte pressuposto.

O oráculo-convite acima, é um compromisso-promessa que Deus nos faz. Ele corre pela via de um lamento divino sobre o Seu povo que perpassa séculos. A experiência de orar ao Deus vivo é tão rara, e torna-se cada vez mais rara dentre os exercícios de uma espiritualidade eficaz, que em alguns grupos parece completamente inexistente.

A predominância do vazio na oração é de tal ordem, que a maioria desiste de orar porque tem na oração apenas um monólogo onde a ênfase não alça vôo para além da petição, pura e simplesmente. Outros, têm a pretensão de colocar palavras na boca de Deus, para encobrir o silêncio que calca o monólogo como tal.

Mas, atentemos à promessa: os verbos são convincentes: “eu responderei”; “eu direi a você”! Gosto de atentar ao fato de que Deus não Se serviu do verbo ouvir, que está fora de qualquer dúvida para quem ora. É fato estabelecido, consumado e atestado pela fé que “uma vez por todas foi dada aos santos”. Se duvidássemos de que Deus ouve a oração, não oraríamos sequer o tão pouco que fazemos. Outro tanto a questão da oração que é feita sobre a convicção de que Deus está ouvindo não pode ser medida por tempo ou tamanho. Antes, somos alertados quanto à sua intensidade, em I Tessalonicenses 5:17 – “Orem sem cessar”. É como respirar. Que Ele ouve, não duvidam os que O buscam em oração.

A promessa aponta para a resposta, que quebra o vínculo do monólogo. No entanto, raro é o crente que pode atestar com seriedade que tem ouvido a voz divina respondendo sua conversa com Ele. E aqui está o ponto em questão. Partimos para a celebração da disciplina da oração unicamente pretendendo informar a Deus de coisas, ou pedir-Lhe meios para resolvê-las. A oração que pretende ouvir Deus requer essa prontidão espiritual, solene, santa (porque investe numa separação específica) e não tem a pretensão de vigiar fenômenos pelos quais Deus daria respostas. A oração que quer ouvir Deus é diferente daquela que passa informações a Ele. Ela está comprometida com o exercício da comunhão, do intimismo. Pretende buscar Sua presença, usufruir Sua proximidade. Atende ao que disse o autor de Hebreus: “É necessário que aquele que se aproxima de Deus…” (Hebreus 11:6), porque seu propósito é proximidade, antes de ser busca por soluções.

Se Deus disse que quer responder, Ele o faz! Mas vivemos o tempo que milita contra a contemplação, contra o separar tempo para Aquele que ouve em secreto e que está invisível. Não há como Deus concorrer com nossa agenda tão abarrotada de programas, trabalho e diversões. Entendemos que viver se resume nisso, e dentro dessa agenda “separamos” um espaço para o que decidimos que é o tempo de buscar a Deus: nossos horários e locais de culto. Outro tanto, trazemos nossos corações e ouvidos tão cheios de ruídos e respostas previamente pretendidas(como disse o apóstolo: “Há muitas vozes no mundo…”), que torna inócua qualquer fraca tentativa de ouvi-Lo em oração. E nessa trilha de erros, prevaricam muito mais aqueles que terceirizam ou se deixam terceirizar como os porta-vozes divinos para os que querem achar respostas divinas para seus conteúdos ocultos, e assim acabam enveredando por vias de sincretismo ocultista.

Quando queremos ouvir Deus, Ele “responde” e “diz”. Tanto o Senhor lamentou o não ser ouvido, em Salmo 81:8 – “Ah, Israel, se me escutasses!…”; quanto o Senhor Jesus disse que batia à porta da igreja esperando ser por ela ouvido (Apocalipse 3:20). Que O ouvimos na Sua Palavra é fato consumado. Mas a ênfase divina em Jeremias aponta ouvi-Lo na oração; quando em oração. Pressupõe um momento entre duas pessoas, somente.

Não nos cabe decidir forma e meios para a réplica divina à nossa conversa com Ele. Ele dispõe de quantos nos bastem para que saibamos ser aquela, a voz divina que, inconfundível, interage com nossa fé e nos responde, guia, exorta, consola, convoca, anima e produz descanso ao coração que se apercebe acompanhado por Quem é Eterno. Creio, pessoalmente, que Deus sempre tem, como disse em Jeremias, coisas muito particulares, muito pessoais a dizer a cada um(a) de nós, que se disponha a ouvir.  E dispor-se a ouvi-Lo, demanda decisão que envolve separação específica.

E isto nos leva a um outro oráculo de Jeremias, mais uma de suas preciosas maçãs: “Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês’, diz o Senhor, ‘planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro. Então vocês clamarão a mim, virão orar a mim, e eu os ouvirei. Vocês me procurarão e me acharão quando me procurarem de todo o coração.” –  Jeremias 29:11-13.

Vale lembrar o apelo vertido em Isaías 55:6 – “Busquem o Senhor enquanto é possível achá-lo; clamem por ele enquanto está perto.”

Maças de Ouro de Jeremias (5)

“Eu sou o Senhor, o Deus de toda a humanidade. Há alguma coisa difícil demais para mim?”  – Jeremias 32:27

O que admira neste oráculo é o fato dele repetir como em vários outros registrados por Jeremias, um questionamento divino em que Deus reforça qualidades que Seus adoradores precisam aprender a ver Nele. E assim, tais qualidades funcionam como promessa divina a favor de quem crê.

Outrossim, o contexto destaca no oráculo o fato de ser uma resposta de Deus à oração do profeta, que se sente confuso e aturdido, tendo recebido uma orientação divina (quanto a comprar um lote de terra) num território que seria ocupado e devastado pelo inimigo do povo. Na resposta divina ao Seu servo, obtemos a nossa.

Quem conhece o Deus da Bíblia sabe que tudo é possível a Ele.  Nada se furta ao Seu poder. Jesus disse exatamente isto em oração: “Meu Pai, tudo Te é possível”. Não duvidamos disto. Basta ler a Palavra de Deus e ler a vida ao nosso redor pelos olhos da fé.

Mas na sentença em forma de questão, chama a atenção o agrupamento dos construtos de que Deus Se serve. Ele Se anuncia como o Deus de toda a humanidade, que é o Senhor, e a ordem proposta é: Senhor e Deus. Há lógica revelacional aí. Ele é o Deus de toda a humanidade. Já a partir do momento em que O vemos como o criador de todas as coisas, Sua manifestação divina se torna inconteste. Mas Senhor… seria Ele o Senhor de toda a humanidade? Sabemos que não. Somente daqueles e sobre aqueles que O confessam. Outro tanto, temos uma facilidade quase irresponsável de jungirmos a idéia de Todo-poderoso à Sua divindade, mas raramente ao Seu senhorio. E então sobressai uma questão lógica diante de nós: Haveria alguma coisa difícil demais para Ele como Senhor? Quando Ele nos pergunta se existiria tal coisa difícil, sobre qual construto Ele espera que façamos nossa confissão? Nada Lhe é difícil demais na qualidade de Deus. E como Senhor?

Jó afirmou que nenhum dos planos dEle pode ser frustrado. Mas foi através de Jeremias que Ele um dia perguntou ao Seu povo: “Posso fazer com vocês como o oleiro fez com o barro?” (Jeremias 18:6). Como Deus todo-poderoso Ele é criador do barro. Mas quer exercer sobre o vaso criado a partir do barro, Seu poder de Senhor; Sua vontade senhorial. E então pergunta: “posso fazer?”

Quando a Bíblia em Hebreus fala nos israelitas antigos como tendo resistido ao Espírito Santo, coloca isso na pauta de resistência ao Deus criador, ou ao Deus que como criador manifesta-Se Senhor desse povo?

A pergunta persiste: Como Senhor, haveria alguma coisa difícil demais para o Deus de toda a humanidade? Com temor e reverência, precisamos pesar nossa resposta. No contexto de Jeremias, Ele daria uma nova versão ao caos que o pecado do povo produziu como consequência de Seu juízo. Ele transformaria o coração do povo e os restauraria de suas vicissitudes. Como Deus, Ele agiria operando coisas novas, pois nada Lhe é difícil demais. Mas como Senhor, Ele decidiria dar uma nova edição à história que o pecado produziu.

Penso que Ele continua agindo assim em nossas vidas. Para tanto Ele disse que, porque não muda, nós não somos destruídos (Malaquias 3:6). Ele decide fazer coisa nova em nossas vidas, quando delas é Senhor, e como Deus, realiza o que Sua vontade soberana decide fazer.

Na condição de crentes somos exortados a não entristecer o Seu Espírito Santo (Efésios 4:30); não apagá-Lo (I Tessalonicenses 5:19); deixarmo-nos encher Dele (Efésios 5:18). Que Ele, como Deus Eterno, seja o Senhor sempre, sobre as vidas que a Ele se rendem pela fé. E sem oferecer-Lhe resistência, deixemos que o Senhor realize Sua vontade em nossas vidas com facilidade incontestável.