O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor dos céus e da terra e não habita em santuários feitos por mãos humanas. Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas. De um só fez ele todos os povos, para que povoassem toda a terra, tendo determinado os tempos anteriormente estabelecidos e os lugares exatos em que deveriam habitar. Deus fez isso para que os homens o buscassem e talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de nós. ‘Pois nele vivemos, nos movemos e existimos’, como disseram alguns dos poetas de vocês: ‘Também somos descendência dele’. “Assim, visto que somos descendência de Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante a uma escultura de ouro, prata ou pedra, feita pela arte e imaginação do homem. No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam. Pois estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio do homem que designou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os mortos”. – Atos 17:24-31
Este extraordinário discurso de Paulo no areópago de Atenas tem o valor de um credo, uma bula confessional. Há nele uma boa quantidade de assertivas, que revela a natureza e o propósito do Deus Eterno, capaz de admirar qualquer inquiridor sincero das coisas espirituais. Deter-nos sobre cada uma é atraente, mas tarefa que exige muito espaço. Uma, no entanto, merece um destaque especial pelo que traz de incomum. Repare: “Deus fez isso para que os homens o buscassem e talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de nós”. Primeiro, importa salientar a que ele se refere por “Deus fez isso”. Ele afirmou: Deus fez o mundo e todos os povos a partir de um só, tendo determinado tempo e lugares exatos em que deveriam habitar. E então, depois de dizer o que Deus fez, afirma por que o fez: para que esses homens O buscassem. E nos surpreende com a sentença: “talvez, tateando, pudessem encontrá-Lo…”
Ora, importa considerar que o apóstolo não está afirmando que Deus possa ser encontrado por meio de um apalpar, tatear, como quem anda em trevas e não consegue ver o que procura. Pois afirma categoricamente que Deus está perto, à mão, para ser achado por quem O busque. O “talvez” ou “ainda que”, de que se serve o apóstolo, tem por finalidade que os buscadores de Deus podem ter tal pretensão, mas o Deus Eterno está acessível, não brinca de “esconde-esconde”.
É o homem, como aqueles curiosos filósofos de Atenas, quem opta por tatear, para estabelecer uma busca em seus próprios termos. Sabemos que o Deus Eterno nos enviou Seu Filho como o Caminho, e a Porta de livre acesso à Sua presença e glória. Mas em geral as pessoas preferem criar atalhos. Um adágio popular assume que “todos os caminhos levam a Roma”, para significar também que “todas as religiões levam a Deus”. Atalhos não aproximam ninguém de Deus. Antes afastam.
Por conta disso, destaco um fato histórico de uma buscadora, nos dias de Cristo que pretendeu se aproximar Dele, tateando. É a história narrada nos três primeiros evangelhos, a respeito da mulher que sofria havia doze anos, de uma hemorragia que nenhum médico curava. A narrativa do evangelho de Marcos diz que ela ouviu falar de Jesus, e decidiu que podia chegar até Ele, tocá-Lo, ser curada, e fazer tudo isso ocultamente, sem se expor. Decide que vai chegar por detrás Dele, tocar na orla de Suas vestes, lá nas franjas, abaixadinha, para não ser percebida. Tanto que o fez, e pensou ter saído incógnita. Ninguém a viu aproximar-se. Ela literalmente tateou até encostar em Sua roupa. Não tocou em nenhuma parte do Seu corpo. Na roupa, e no extremo dela. Mas isso foi suficiente para que Ele dissesse: “Alguém me tocou”. O que nos surpreende é que tal afirmação foi precedida de uma pergunta: “Quem me tocou?” O texto continua e afirma que a mulher ao ver que não podia manter-se escondida, se expôs. Ora, o Jesus que aqui pergunta “Quem?”, é o mesmo que diz a Natanael quando o encontra: “Eis aí um israelita sem dolo” e quando o moço se espanta perguntando: “De onde me conheces?” Como quem diz: “Nunca nos vimos antes”, Jesus o surpreende dizendo: “Antes que Felipe te achasse, eu te vi debaixo da figueira”. É este mesmo Jesus com tal poder onisciente, que agora questiona: “Quem me tocou?”. Somos de imediato levados a comparar esta cena com aquela dos primórdios, após a queda de Adão , em que o Deus Onisciente lhe pergunta: “Onde estás?”. Nosso conhecimento dos atributos divinos não nos permite ver conteúdo real para esta questão. Ela pretende provocar uma resposta. A mesma coisa se passa entre Jesus e aquela senhora enferma. Ele a força a expor-se, e feito isto, aproximar-Se. E mais: a partir do momento em que ela se apresenta, expõe-se, Ele tanto Se aproxima quanto a aproxima de Si, ao chamá-la carinhosamente de “filha”. Este é um termo raro no trato de Jesus com os Seus.
Este fato histórico ilustra para nós, minimamente, quanto é verdadeira a afirmação de Paulo de que o Senhor está perto dos que O buscam, mas os quer procurando-O abertamente, sem subterfúgios, sem terceirizar a busca, fora de seus termos racionais, mas segundo Seus meios revelacionais. Daí Ele não ter
deixado aquela mulher sair, levando sua cura, sob o risco de fundar uma nova seita que apregoasse a possibilidade de achá-Lo e segui-Lo pelo tato, às apalpadelas, segundo seu imaginário ditando meios à força das necessidades, de forma a pretender que bastaria chegar escondida, tocar em uma relíquia que O represente, e sair incógnito, sem nenhum envolvimento pessoal e direto. Não. O Filho de Deus queria revelar àquela mulher que não basta chegar perto e se servir, e sair satisfeita com o resultado de suas tentativas de aproximação. Ele revelou por fim, que Quem quer tocá-Lo deve vê-Lo de frente, expor-se, porque Seu propósito é fazer dos buscadores filhos diletos, numa relação pessoal e aberta com Ele, onde se possa dizer, muito mais que “se tão somente eu tocar em Sua veste”, um “Aqui estou. Sou eu. Eu mesmo, que te busco e quero ser visto por Ti”. Sem tatear, mas diretamente, diálogo aberto e franco. Face a face, usando a mesma fé para dizer sem medo: Preciso de Ti.
Por fim, aprendemos que quem pretenda se achegar tocando naquilo que O representa, apenas tateia. Limita-se a ser visto por Ele como um pronome: “quem”; “alguém”. Mas os que O buscam abertamente e a Ele se expõem, são surpreendidos por uma solene declaração: “Filho!”