Inconformação

I Samuel 17:16 e 23.

À luz deste texto, quero falar sobre inconformação, sobre ser inconformado. Não podemos nem devemos confundir os termos. Não falo de inconformistas nem de inconformismo. Estes dois apontam para um status quo, que só tem a ver com intemperança, intolerância. Não tem valor moral, é apenas sentimentalismo  político e psíquico. Inconformação, no entanto, fala de uma atitude, e esta de caráter espiritual, vinculada a uma nova natureza e a decorrente visão da vida que ela traz.

O texto que lemos é a autêntica réplica da diferença entre a conformação e a inconformação. A conformação aqui está muito bem caracterizada pelas atitudes   e reações do exército de 3 mil homens de Saul, ele inclusive. Toleraram durante 40 dias o filisteu Golias afrontá-los, tomando posição, duas vezes ao dia, o que dava um total de 80 vezes! Durante seis semanas! Por conta dessa tolerância, dia a dia o filisteu foi ganhando terreno.

A inconformação se mostra na atitude de Daví, a quem bastou ouvir o desaforo uma única vez para não aceitá-lo.

A conformação tem esse caráter: acostuma-se com o que é indevido, incorreto, injusto, até mesmo agressivo.

O mundo se ocupa em agir exatamente como Golias. Por mais bizarra seja sua forma, vai se posicionando devagar e sempre. Se não encontra a devida resistência, vai tomando posição, ganhando terreno.

O diabo se serve muito bem desse artifício para ganhar espaço na vida do crente em todas as dimensões. Daí a Palavra de Deus advertir: “Não deem lugar ao diabo”, e outra vez: “Resistam ao diabo e ele fugirá de vocês”.

Não dar lugar, guardar a posição, resistir; são movimentos em desuso hoje em muitas vidas, e os danos não se fazem esperar.

No lazer.

No descuido com as ferramentas espirituais. Na linguagem.

No uso do que é inerentemente mundano.

Lembram?: “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convém”. “As más companhias corrompem os bons costumes”. Estamos sujeitos a cada uma delas. Mas a vigilância reclama não conformar-se. Porque o resultado é perda de discernimento. Em seguida, perda de forças. Por fim, derrota, como aconteceu  com Sansão, herói de Deus.

Por isso somos alertados em Romanos 12: 2 – “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de

Deus.” Isto requer, maioria das vezes o sacrifício aludido no verso 1 do mesmo texto: “Portanto, irmãos, rogo pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês.”

Conformar-se é atitude cômoda, mas desprovida de sabedoria. Não produz testemunho cristão, mas revela caráter de tolo.

O Discípulo e o Espírito | Atos de Discípulos (13)

“Estêvão, homem cheio da graça e do poder de Deus, realizava grandes maravilhas e sinais no meio do povo. Contudo, levantou-se oposição dos  membros da chamada sinagoga dos Libertos, dos judeus de Cirene e de Alexandria, bem como das províncias da Cilícia e da Ásia. Esses homens começaram a discutir com Estêvão. Mas não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava…Olhando para ele, todos os que estavam sentados no Sinédrio viram que o seu rosto parecia o rosto de um anjo… Mas Estêvão, cheio  do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a glória de Deus, e Jesus em pé, à direita de Deus, e disse: “Vejo os céus abertos e o Filho do homem em pé, à direita de Deus”. Mas eles taparam os ouvidos e, dando fortes gritos, lançaram-se todos juntos contra ele, arrastaram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas deixaram seus mantos aos pés de um jovem chamado Saulo. Enquanto apedrejavam Estêvão, este orava: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”. Então caiu de joelhos e bradou: “Senhor, não os  consideres culpados deste pecado”. E, tendo dito isso, adormeceu.” – Atos 6:8,9,10, 15; 7: 55-60.

Tanto à força do relato do livro de Atos que registra as palavras de nosso Senhor estabelecendo a fonte do poder de nosso testemunho cristão, quanto pela doutrinação aprendida nas epístolas de Paulo, estamos convictos de que para sermos discípulos de Cristo, legitimamente, precisamos viver cheios do Seu Espírito Santo. Realça-se o texto exortativo de Gálatas 5:25 – “Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito.”

Mas essa terminologia, “ser cheio do Espírito”, acabou caindo para a formatação de um slogan técnico-piedoso, se me faço entender, e recebeu, por conta disso, vinculações de significado fantasioso, que a deixou longe de seu sentido e comprometimento real. Hoje, até há alguns que cobiçam uma “vida no Espírito”. E há ainda outros que a buscam, mas ou desistem no meio do caminho, ou se assustam e recuam quando se dão conta de que nem tudo flui magnífica ou fantasticamente como pretendido.

Estêvão, aquele mesmo visto anteriormente como escolhido para a diaconia por ser cheio do Espírito, de fé e de sabedoria, serve como ilustração real para nós, dos efeitos prováveis de uma vida na plenitude do Espírito Santo de Deus.

Podemos sinalar os efeitos ministeriais desse revestimento testemunhal: “Estêvão… realizava grandes maravilhas e sinais no meio do povo”.

Podemos sinalar evidências desse caráter sob o revestimento testemunhal: “Mas não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava…Olhando para ele, todos os que estavam sentados no Sinédrio viram que o seu rosto parecia o rosto de um anjo”.

Quem não quer, como cristão genuíno, discípulo comprometido, estar cheio do Espírito e viver em tais dimensões? Todavia, chama a nossa atenção uma palavra devidamente bem colocada por Lucas na descrição de seu texto, em 6:9, que não apontamos anteriormente. Após descrever os efeitos do poder de Deus através de Estêvão, Lucas diz: “Contudo…” e passa a falar da oposição que tal poder  desperta entre seus observadores hostis. “Contudo” significa: apesar de, a despeito de, embora… E mais especificamente quanto a Estêvão, contudo pode significar legitimamente “por causa disso”. Paulo, noutro tempo disse a Timóteo: “De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos.”- 2 Timóteo 3:12. À luz desta palavra já ouvi crentes darem graças por não serem cheios do Espírito. Impossível não pensar que a Palavra em Hebreus 11:16, “…Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles…” não lhes pertence.

O que queremos ressaltar é que um discipulado cheio do Espírito pode traduzir-se em frutos dignificantes, experiências sobrehumanas, e virtudes incomuns; mas também reserva espaço para perseguição e até sofrimento, porque vivemos no mundo tenebroso e pisamos num terreno que nos é hostil. Mas conquanto a vida no Espírito possa custar tão alto preço, é ainda mais atraente, e sublima tudo e qualquer coisa quando, por conta disso mesmo, os discípulos cheios do Espírito podem ser tomados da convicção de que tal como Estêvão, em algum momento podem dizer: “…cheio do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a  glória de Deus, e Jesus em pé, à direita de Deus, e disse: ‘Vejo os céus abertos e  o Filho do homem em pé, à direita de Deus”. Só por isso, e acima de tudo, compensa dar ouvidos à exortação paulina que diz: “…mas deixem-se encher pelo Espírito” – Efésios 5:18. Amém.