Tamanha Fé

“E Elias disse a Acabe: “Vá comer e beber, pois já ouço o barulho de chuva pesada”. Então Acabe foi comer e beber, mas Elias subiu até o alto do Carmelo, dobrou-se até o chão e pôs o rosto entre os joelhos. “Vá e olhe na direção do mar”, disse ao seu servo. E ele foi e olhou. “Não há nada lá”, disse ele. Sete vezes Elias mandou: “Volte para ver”. Na sétima vez o servo disse: “Uma nuvem tão pequena quanto a mão de um homem está se levantando do mar”. Então Elias disse: “Vá dizer a Acabe: Prepare o seu carro e desça, antes que a chuva o impeça”. Enquanto isso, nuvens escuras apareceram no céu, começou a ventar e a chover forte, e Acabe partiu de carro para Jezreel. O poder do Senhor veio sobre Elias, e ele, prendendo a capa com o cinto, correu à frente de Acabe por todo o caminho até Jezreel.”1 Reis 18:41-46

Certa vez o Senhor Jesus disse: “Se tiveres fé como um grão de mostarda…” Num contexto em que apontava para a qualidade da fé. Ainda muito boa gente se confunde nesse texto pretendendo que o Autor da fé estivesse falando sobre tamanho de fé, exatamente porque leram as vezes em que Ele usou as expressões: “Grande é a tua fé!” e: “Homens de fé pequena”. Também por que estão presos à distorção que pretende que o homem produz sua própria fé e que os acontecimentos espirituais dependem do tamanho dessa fé. Quero ressaltar que ainda quando Jesus falou em grande e pequena com referência à fé, o fez apontando a qualidade dela, e não tamanho.

Porque Deus não depende da fé no crente para poder agir, menos ainda do tamanho dessa fé.

Mas é fato que a fé nos foi dada a nosso favor, para nos aproximar de Deus e nos capacitar a crer e ver (nesta ordem) as coisas espirituais.

E é este relato histórico do mais extraordinário profeta de Israel que nos ensina como a fé deve ser tratada, e como funciona eficazmente, quando trata pelas vias corretas.

Percebam comigo três movimentos, todos atrelados à fé na experiência do profeta:

1- primeiramente ele ouviu

É significativo. Deus operou algo que Elias pôde ouvir antes de ver. A partir daí creu e então partiu para o segundo movimento (v.42) : orou.

É sempre assim. Tudo começa com o agir de Deus que atinge nossos sentidos. A atenção de Moisés, a audição de Elias. E no caso de Moisés, ele só entendeu a visão na sarça depois que ouviu. Voz do Anjo. Mas corroborando Romanos 10:17, que afirma que “a fé vem pelo ouvir e ouvir a pregação da palavra de Cristo”, primeiro Deus permite que ouçamos. Ouçamos a Palavra, a comunicação profética. A mulher com fluxo de sangue, ouviu da fama de Jesus. Bartimeu, o cego, ouviu que Jesus passava por ali, outro tanto Zaqueu; Saulo de Tarso ouviu a voz que falava com ele. O próprio Elias quis um dia

inverter esta ordem vendo primeiro em efeitos, mas Deus o fez primeiro ouvir Sua voz numa brisa suave para voltar a ter paz. Tomé quis ver primeiro, mas foi repreendido pelo Senhor. Paulo certa vez disse: (Efésios 1:13): – “Quando vocês ouviram e creram na palavra da verdade, o evangelho que os salvou, vocês foram selados em Cristo com o Espírito Santo da promessa”.

– “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não houver quem pregue?” (Romanos 10:14). Esta é a ordem. E então a fé reage, e o segundo movimento já por ela produzido é oração.

2- Em seguida ele orou

Parece que orar é o ato imediato ao ouvir. Como se significasse: eu ouço, então respondo. Ainda que seja para pedir. Pela ordem do Evangelho, falo do meu arrependimento, como quem confessa.

– Chamo a atenção para a característica da oração que nasce da fé: ela persevera, a despeito de notícias desestimulantes.

– Ou mesmo das circunstâncias desestimulantes. Ela não é fruto de obsessão ou teimosia. Não. Ela está firmada naquilo que ouviu. E porque persevera, por fim vê, que é o seu alvo último.

É o terceiro movimento da fé.

3- O profeta vê.

 Alguém diria: mas quem viu foi o moço por ele enviado.

Vamos atentar ao texto: o moço nada via até que a fé no coração do profeta o vence. Sua visão era fruto da realidade, não da fé. Via uma nuvem insignificante, totalmente desconexa com a mensagem passada ao rei: “Há ruído de chuva pesada”. Uma nuvem tão pequena e tão distante, não justificaria a reação do profeta: “Vá dizer a Acabe: Prepare o seu carro e desça, antes que a chuva o impeça” Quem de fato viu o que a fé mostrava foi Elias. Chamo sua atenção para o fato de que não foi a oração de Elias ou sua perseverança que criou a nuvenzinha distante. Não. A oração aqui era unicamente a ferramenta de que a fé se servia enquanto esperava, porque fé que não gera esperança não procede de Deus, não é espiritual, nem moral. Não tem caráter. Alguém só espera se confia.

E aqui traçamos nossas derradeiras lições:

– Para uma fé genuína, a visibilidade não se prende à realidade humana, mas às dimensões divinas. O tamanho da nuvem não importava. Era pequena, mas suficiente para produzir vendaval e aguaceiro.

– Para uma fé genuína os fatos não precisam ser convincentes.

– A fé genuína enxerga a Promessa e através da Promessa, e assim cumpre sua natureza espiritual conforme descrito em Hebreus 11:1 – “Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos”. Exatamente como também o apóstolo Paulo descreveu em Romanos 8:24 e 25 – “Pois nessa esperança fomos salvos. Mas esperança que se vê não é esperança. Quem espera por aquilo que está vendo? Mas, se esperamos o que ainda não vemos, aguardamo-lo pacientemente.”

Nenhum de nós, crentes no Senhor Jesus, Autor e Consumador da fé, precisa de uma grande fé para tratar com Deus. Basta saber que temos um grande Deus para tratar com nossa pequena fé. E se tudo que nossa pequena fé tiver que ver for uma nuvem tão pequena que não pareça importante, não importa. Para Deus ela é a resposta que basta, e os efeitos ficam por conta Dele.

Intolerância

A intolerância é a arma dos insatisfeitos e frustrados, com a qual procuram ferir o outro ou repudiar o que não compreendem. A principal característica da intolerância é a incapacidade de transigir com a opinião contrária ou com aquilo que se mostra diferente dos padrões previamente estabelecidos e valores adquiridos. Ela parece desafiadoramente em moda ou em ritmo de generalização em nossos dias. Desafiadoramente porque sua manifestação cada vez com maior visibilidade parece desdenhar de todos os argumentos de conscientização de que se servem os meios de comunicação, impondo-se no comportamento dos indivíduos. E generalizadamente, porque contra um tempo em que ela parecia confinada a um só construto, conhecido como intolerância religiosa, hoje ela ampliou fronteiras, invadindo muitas outras áreas, a começar pela intolerância nos lares e ambientes de formação acadêmica. O uso da intolerância está presente em tudo que possa representar um pseudo conceito de liberdade pessoal e de opinião. Erram, contudo, seriamente, os que confundem crítica, direito de opinar e possibilidade de ser contrariado com intolerância. Erram os que usam da intolerância quando não atendidos em suas expectativas ou diante da frustração de suas perspectivas.

E o comportamento ditado pela intolerância assume matizes muito diversificados, que vão desde a saída abrupta de um ambiente, encerrando com o silêncio que agride alguma discussão, até à agressão verbal ou mesmo física. Torna-se visível com todos os riscos temerários que acarreta, no trânsito, acobertada pela pressa ou com a desculpa da desatenção.

Desce ao nível do desrespeito com os mais frágeis, como crianças, idosos e até animais. Às vezes confunde-se com impaciência, mas vai além porque a impaciência desemboca na desistência, mas a intolerância sempre parte para a estupidez, a grosseria, servindo-se da impaciência grande parte das vezes em que ocorre.

Mas poucos se dão conta de que um comportamento marcado pela intolerância tem compromisso com enfermidades como estresse, hipertensão ou psicossomatizações que desorganizam a saúde física, às vezes de maneira irreversível. O intolerante é fadado a desenvolver cardiopatias e distúrbios do sistema digestório, entre outras coisas. Mas seu maior problema é de âmbito interrelacional, pois acaba por gerar desafetos nos ambientes em que interage com aqueles com quem interage.

A intolerância só pode e até deve ser admitida diante da injustiça concretizada ou quando em nível ameaçador, e mesmo aí, salvaguardados os limites da coerência no reagir.

Evidentemente que a observar-se um crescendo da manifestação da intolerância, há que questionar-se o que poderia estar ditando este fenômeno comportamental. E algumas respostas possíveis podem ser elencadas.

Vivemos um tempo em tudo e por tudo diferente daquele que caracterizou a geração de nossos pais. Este é o tempo da pressa, do imediatismo ditando os movimentos de todas as ordens de serviços e do devir. Esta é a era do fastfood, dos deliveris, da informática que oferece resposta pronta em frações de segundos. A mente e toda a estrutura psíquica do ser humano está intensamente bombardeada pela noção de pressa, tipo: “a fila está correndo e você será atropelado”. Esse ritmo frenético que permeia hoje até o uso das ferramentas do cotidiano, como máquinas que ficam em stand by, controle remoto que aciona tudo em qualquer espaço; veículos turbinados; luzes fotoelétricas; microondas, etc; influencia de forma invasiva e sem filtros a visão e o pensamento, canalizados para o comportamento. Tudo e qualquer coisa que ponha em risco o ritmo e sua resposta satisfatória, espicaça a intolerância no convívio com o outro.

Outro tanto, essa mesma cosmovisão de uma corrida desenfreada semeia a ilusão da necessidade de uma superação insaciável que acaba por fomentar egos inflados, que precisam obter e realizar com superação contínua. Em contrapartida, tudo que puder ameaçar essa perspectiva de avanço ininterrupto, não pode ser tolerado. Então na estrutura intrapsíquica parece formar-se a equação do tipo: “rejeitar tudo e todos que me possam impedir, contrariar, contradizer, frustrar, atrapalhar e atrasar”.

E frustração ou a ameaça dela, real ou imaginária, é a causa maior da intolerância, porque o nível do homem moderno de tolerância à frustração está quase inexistente, pois se coloca no centro de tudo com a pretensão de ser a medida e o propósito único de todas as coisas.

O resultado dessa generalização da intolerância é guerra. Guerra doméstica (vista na ruptura de relações com uma adesividade cada vez maior); guerra urbana, nos embates de rua; guerra no trânsito, marcada por ultrapassagens sem lógica e prenhes de insensatez, afoiteza, chegando a fatalidades atrozes, e até mesmo guerra autodirecionada, quando a intolerância do indivíduo contra si próprio o leva à autodestruição, vista no elevado índice de suicídios.

Isso pode ser freado?

Toda a disfuncionalidade comportamental, seja no nível pessoal ou coletivo, pode ser freada a partir de uma tomada de consciência, e esta é uma boa notícia. Somente a partir de uma percepção autocrítica de suas próprias disfuncionalidades é que a pessoa pode tornar-se apta a buscar formas de ajuda, ou mesmo decidindo por se impor limites tanto quanto se vê apta a aderir a programas que regulam alimentação e treinamento diário em busca de melhor forma física. A performance comportamental precisa de atenção. É possível e bem-vinda. Com urgência necessitamos gerar uma sociedade que celebre a contemplação e se reeduque em direção a ser mais respeitável, mais reflexiva e sensível ao belo e nobre. A pressa, força motriz da intolerância, é inimiga da arte e da beleza. Daí a preconipreconização sábia do profeta: “…no sossego e na confiança estaria a vossa força…” (Isaías 30:15).