Jamais Despreze

“Se Timóteo for, tomem providências para que ele não tenha nada que temer enquanto estiver com vocês, pois ele trabalha na obra do Senhor, assim como eu. Portanto, ninguém o despreze. Ajudem-no a prosseguir viagem em paz, para que ele possa voltar a mim. Eu o estou esperando com os irmãos.”- 1 Coríntios 16:10-11.

Havia a possibilidade de Timóteo, o jovem discípulo de Paulo, ir ao seu encontro passando por Corinto. Com toda certeza, ao chegar à cidade se deteria entre os irmãos, para descansar e prosseguir a jornada; para ter comunhão e com certeza se aprovisionar de recursos, ofertas dos irmãos para levar ao apóstolo. Isto por certo era esperado. Basta ver o verso 17 deste mesmo capítulo.

O que se destaca para mim é a ênfase do apóstolo aos coríntios quanto a receber Timóteo, numa advertência significativa: “ninguém o despreze”. Ao que parece, talvez por conta de sua juventude, Timóteo fosse propenso a ser desprezado, ou sofrer desprezo mesmo da parte dos crentes entre os quais militava, porque numa carta de orientação do apóstolo para ele, Paulo expressou um desejo, um voto, que soou como uma oração: “ninguém despreze a tua mocidade” (I Timóteo 4:12).

Fico pensando quão doloroso deveria ser para Timóteo a possibilidade de experimentar desprezo, mesmo no meio da Igreja de Cristo.

É meu parecer que o desprezo é o que de mais vil pode acontecer a um ser humano. Ele traz em seu bojo de dor e tristeza a carga do esquecimento, do se sentir rejeitado, apequenado, sem valor. O conceito desprezível carrega num significado que é um misto de nojo e não aceitação. É pior que o ódio, porque no ódio existe um objeto, uma presença e com significado. No desprezo o objeto deixa de ser. É como uma inexistência.

O desprezo ou o ser desprezado cai sobre sua vítima com o peso da menos valia, do ser tido por nada, ficar esquecido, à margem.

Por mais cruel que pareça, ser desprezado ou sentir-se desprezado é experiência vivenciada por muita gente em várias circunstâncias da vida, às vezes até mesmo dentro de seu lar. Lembro de ter ido visitar um idoso enfermo num lar de cristãos e encontrá-lo caído ao lado de sua cama, coberto por picadas de mosquitos, no escuro do quarto; e quando questionei os familiares, me responderam: “Já cansamos de sempre colocá-lo de volta na cama. Ele cai o dia inteiro”. Eu sabia que aquele pobre homem, antes do AVC que o vitimou, havia sido escorraçado pelos familiares por ter sido descoberto como adúltero. Uma tristeza profunda me invadiu naquele dia.

Quando adolescente, costumava ir aos sábados visitar idosos num lar de acolhimento que funcionava na rua em que residia o pastor de minha igreja. Ali chegávamos e cantávamos para os idosos, orávamos, ministrávamos a Palavra e depois tirávamos um tempo para conversar com os que estavam lúcidos. Duas situações me marcaram muito: o fato dos que haviam perdido a lucidez nunca mais terem sido visitados pelos familiares que ali os colocaram, e a história de um deles, lúcido, de ascendência árabe, que nunca mais vira a filha, a respeito de quem sempre falava conosco, saudoso, mas mantendo a esperança de que mais dia menos dia ela iria chegar. Eu saía dali com a dorida sensação de que aquele era um ambiente de vidas desprezadas, sem nunca terem sido desprezíveis.

E este é o nosso ponto: a diferença entre ser desprezível e desprezado. O desprezível é apodo próprio àqueles que são caracterizados por uma personalidade sórdida, caráter maligno e nefando. O desprezado é passivo, é vítima geralmente indefesa da indiferença de desprezadores. Mas Deus vigia sobre os desprezadores: “Vede, ó desprezadores, e espantai-vos e desaparecei;… – Atos 13:41 ARC.

Em contrapartida, Ele Se volta gracioso a favor dos que são desprezados, rechaçados, diminuídos pelos soberbos, postos à margem da assistência, do cuidado e da valoração. E então a estes diz Sua Palavra: “…a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.” – Salmos 51:17 ARC.

É ainda dEle que ouvimos o grande superlativo de oferta de amor, sobrepondo-se ao amor materno, quando fala da possível mãe abandonadora capaz de se esquecer do próprio filho: “Pode uma mulher esquecer-se tanto do filho que cria, que se não compadeça dele, do filho do seu ventre? Mas, ainda que esta se esquecesse, eu, todavia, me não esquecerei de ti.”- Isaías 49:15 ARC.

No coração amoroso de Deus há agasalho e acolhimento, porque Ele nos pretende junto a Si. Ele é o Deus cuja Palavra afirma: “Porque o Senhor não rejeitará para sempre”- Lamentações 3:31.

O antídoto contra o desprezo está numa atitude simples, que não custa nada: atenção. E atenção é atributo de pessoas educadas. Ainda mais quando cristãs. Jamais despreze. E ore pelos que têm sido desprezados em filas de busca de provimento e socorro. E no trato interpessoal do dia a dia, fique atento; ofereça atenção; e assim cada um de nós, num gesto tão simples, vai alçar vôo sobre o abismo que separa o empático do desprezador.