“Naquele mesmo dia chegaram perto de Jesus alguns saduceus, afirmando que ninguém ressuscita. Eles disseram a Jesus: — Mestre, Moisés ensinou assim: “Se um homem morrer e deixar a esposa sem filhos, o irmão dele deve casar com a viúva, para terem filhos, que serão considerados filhos do irmão que morreu.” Acontece que havia entre nós sete irmãos. O mais velho casou e morreu sem deixar filhos. Assim, ele deixou a viúva para o segundo irmão. A mesma coisa aconteceu com este, e também com o terceiro, e, finalmente, com todos os sete. Depois de todos eles, a mulher também morreu. Portanto, no dia da ressurreição, de qual dos sete a mulher vai ser esposa? Pois todos eles casaram com ela! Jesus respondeu: — Como vocês estão errados, não conhecendo nem as Escrituras Sagradas nem o poder de Deus! Pois, quando os mortos ressuscitarem, serão como os anjos do céu, e ninguém casará. E, quanto à ressurreição dos mortos, será que vocês nunca leram o que Deus disse? Ele afirmou: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó.” E Deus não é Deus dos mortos e sim dos vivos.”
- Mateus 22:23-32
A questão pontual aqui reside na religiosidade embasada na teoria que inspira o confessor dela a se pretender capaz de avaliar e se satisfazer com seus conceitos adquiridos, e em cima de suas teses pretender refutar o que não explica.
Assim fizeram os saduceus diante de Jesus. O ponto ali não era querer saber, mas refutar quem sabia quanto àquilo que sabia. Uma vez que descriam da esperança da ressurreição, os religiosos levantaram uma hipótese pretendendo anular a possibilidade dessa esperança.
Jesus poderia ter respondido trabalhando com assertivas doutrinárias do tipo: Afirmo que a esperança da ressurreição é verdadeira porque está escrito de tal maneira… Ou ainda, com um axioma: Quem crer em mim, ainda que esteja morto viverá… Etc.
Mas não. Ele atingiu o âmago da questão afirmando: “O que ocorre com vocês é que pretendem discutir o que pensam que sabem, desconhecendo os dois pilares da experiência espiritual: o conhecimento das Escrituras e o poder de Deus”.
Poderíamos dilatar as implicações disto noutros termos: se não conhecem as Escrituras, não conhecem o poder de Deus.
Porque não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus, laboram em erro.
E ainda: É imprescindível viver nas dimensões de ambos: conhecimento e poder.
Alguém já postulou: “Escrituras sem poder é esterilidade; poder sem Escrituras é histerismo”.
A experiência cristã comprova isso repetidamente.
Voltando ao texto em questão, Jesus encerra a argumentação anulando a pretensa lógica dos religiosos, apontando uma e outra coisa: Escrituras – “Nunca leram Deus dizer: “Eu sou o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó?” E poder de Deus: “Deus não é Deus dos mortos e sim dos vivos”.
Simples assim. Mas isso estabelece para nós a imprescindibilidade do binômio saber e poder. E as duas coisas, referentes à vida de Deus em nossas vidas.
Podemos viver no nível do erro dos saduceus, satisfeitos com esse estilo de espiritualidade e sem nos darmos conta do que nos falta e que por isso nos leva a viver a vida espiritual laborando em erro, tal como eles. Jesus estabelece a dimensão da espiritualidade dentro desses dois limites ou paralelos. Mas ao mesmo tempo em que os estabelece como limites, conceitua-os como interdependentes, ao usar a preposição nem. E assim podemos entender que não pode haver uma dicotomia experiencial entre saber e poder. Não basta saber. Não é suficiente uma vida de fé em tese, baseada em máximas, jargões, formulações de credos e confissões de ordens e de grupos ou mesmo embasada na letra da Bíblia. Não faltam os que fundam seitas bíblicas por conta de conceitos convenientes extraídos da letra da Bíblia, que Paulo já afirmou ser capaz de matar. “…a letra mata, mas o Espírito vivifica.”- 2 Coríntios 3:6. Esse é um erro ao qual todo crente desavisado, menos atento, pode ser arrastado sem que se dê conta. Ele esquadrinha sua memória e descobre que um texto bíblico está lá dentro, apropriado àquela circunstância e pronto para responder às suas inquirições e angústias, e assim aprova a si mesmo. É típico daquele que no quesito santidade pessoal justifica seu comportamento textualmente questionado com um texto antitético, do tipo: “Mas também está escrito que todas as coisas me são lícitas”.
Ou então, não se dá conta de que seu corolário de conhecimento espiritual está reduzido e reduzindo-se cada vez mais ao pouco que ele se permite ler das Escrituras “quando dá tempo” ou quando se permite parar para ouvir uma pregação ao vivo ou em vídeo ou áudio. Serve também para aquele cuja confissão funciona em torno dos cultos dos quais participa. Ele sempre pode vasculhar os arquivos de sua memória e se aliviar ao perceber que tem em seus escaninhos um texto apropriado para o momento necessário. Isso, no entanto, o coloca no limiar daqueles a quem Jesus disse estar laborando em erro. Uma fé ou confissão que o Autor da fé reputa por errada!
Se nosso conhecimento das Escrituras não nos leva a minimamente perceber que necessitamos de poder sobre ele e com ele; se nosso conhecimento das Escrituras não nos aponta uma experiência com o poder de Deus, esse conhecimento teórico é apenas formulação de letra que mata. É inócuo.
As Escrituras nos apontam o poder. É inevitável pensar nele em termos do anúncio-promessa feito pelo Filho de Deus: “Porém, quando o Espírito Santo descer sobre vocês, vocês receberão poder e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria e até nos lugares mais distantes da terra.” – Atos 1:8. E então ele localiza a fonte do poder espiritual: A Pessoa do Espírito Santo.
Nós conhecemos em tese a Palavra que garante que esse Espírito habita em nós, e por isso somos crentes e filhos de Deus. Todavia é imprescindível fazer uma associação entre Atos 1:8 e Efésios 5:18 para verificarmos que na primeira instância de agentes da passiva, passamos e precisamos passar para a segunda instância como agentes da reflexiva. Ou seja, tanto quanto sei que o Espírito habita em mim, devo saber que isso precisa manifestar-se experiencialmente, deixando-me encher por Ele. E aí já basta para entendermos que o oposto também ocorre. Podemos esvaziar-nos dEle, ou não nos deixarmos encher. “Não apaguem o Espírito” – I Tessalonicenses 5:19. E é importante lembrar: quem não se deixa encher, está vazio. E isso é observável, tanto uma quanto outra condição, desde os relatos bíblicos à experiência cristã em todos os tempos: ora temos os sinais de homens cheios do Espírito, ora dos seus momentos vazios, como Pedro quando repreendido por Paulo ou Ananias e sua mulher Safira.
O conhecimento escriturístico que não nos leve a ser cheios do poder de Deus, a nos movermos na vida no Espírito, de conformidade com o Espírito, labora em engano, e eu diria, é o pior tipo de mundaneidade, porque é o pior tipo de confissão que há.
Mas quero salientar que esse poder não é legitimado por conta da performance reduzida que lhe quer dar a maioria que o pretende, como efeitos e fenômenos. Não. Ele corre dentro do compromisso ministerial do Espírito que nos foi dado, à luz de II Coríntios 3:18 e Romanos 12: 1 e 2. Respectivamente: “Portanto, todos nós, com o rosto descoberto, refletimos a glória que vem do Senhor. Essa glória vai ficando cada vez mais brilhante e vai nos tornando cada vez mais parecidos com o Senhor, que é o Espírito.” E: “Portanto, meus irmãos, por causa da grande misericórdia divina, peço que vocês se ofereçam completamente a Deus como um sacrifício vivo, dedicado ao seu serviço e agradável a ele. Esta é a verdadeira adoração que vocês devem oferecer a Deus. Não vivam como vivem as pessoas deste mundo, mas deixem que Deus os transforme por meio de uma completa mudança da mente de vocês. Assim vocês conhecerão a vontade de Deus, isto é, aquilo que é bom, perfeito e agradável a ele.” Eu chamaria isso de ministério da transformação, que nos “desmundaniza”, desveste de Adão e vai operando em nós a cara de Cristo, Seu jeito e forma de ser.
Resta lembrar: “Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito” -Gálatas 5:25