A Missão Terapêutica da Igreja

Gostaria de avaliar esse viés da nossa missão como Igreja de Cristo, à luz do texto de Marcos 7: 31-35. Como não temos espaço para inscrever o texto, prefiro recordar seu assunto: A cura de um surdo-mudo, efetivada por Cristo Jesus.

O texto nos serve como ilustração da forma da Igreja poder cumprir sua missão terapêutica, porque fala de condições universais do ser humano sem Cristo. Esta forma, derivamos do trato de Jesus com o surdo-mudo, onde alguns movimentos eloquentes podem ser avaliados:

1- Jesus Se move para além da mera perspectiva humana. O v.32 aponta o fato de que havia o diagnóstico do senso comum e do desejo fantasístico: O óbvio, visto no fato de saberem que ele era surdo e mal podia falar. E a fantasia: que Ele lhe impusesse as mãos, porque as pessoas têm a tendência de padronizar os atos divinos. Esse doente figura para nós um possível tipo da realidade universal do homem sem Cristo: surdo para a Voz do Alto e com articulação deficitária quanto a expor-se aos outros. Fechado para ouvir, fechado para falar e fechando ouvintes para si.

E então Jesus nos evidencia os movimentos de uma terapia divina:
Ele exclui do geral para incluir em Si, no particular. Tira-o do senso comum, da via do espetáculo, do nivelamento mundano. Uma separação necessária, porque sempre foi próprio dEle chamar as pessoas para junto de Si. Nós, uma vez Igreja, precisamos aprender a fazer esse tipo de inclusão, onde oferecemos o que os demais não podem dar. Ao recolher o doente para junto de Si, Jesus faz um movimento terapêutico, que chamamos de acolhimento. É caro e raro.

2- Depois, o Senhor toca no cerne da questão, o ponto nevrálgico do problema: coloca Seus dedos nos ouvidos. Ali é por onde tudo entra, inclusive a fé, conforme aponta Romanos 10:17. Mas também a palavra de perdão, consolo, que cura. Também é por onde entra o que contamina, como o próprio Senhor preconizou, certa feita. Colocar os dedos nesse espaço de acesso, parece apontar para um posicionamento estratégico da Igreja no processo de curar, criando uma alternativa para o ouvir saudável.

3- Depura o ponto de contato externo: a língua. O toque da saliva na fala nos leva a pensar numa oferta de conteúdo inerente ao Senhor. De igual forma, a Igreja pode curar com aquilo que ela tem de mais íntimo, mais seu: o entendimento da Palavra Revelada. Tal como a saliva favorece o processo digestivo, e protege o
organismo contra vírus e bactérias, a Palavra que cura precisa ser ministrada sem teoria, mas como subproduto da experiência pessoal do ministrante, o discipulador, levando nisso seus conteúdos de vida com Deus.

4- Em seguida Jesus suspira, olhando para o céu. Toda a ação terapêutica é feita na dependência divina.

5- E por último, conduz a ação terapêutica com voz de autoridade: Abra-se! Esse homem vivia fechado em si. Não podia abrir-se no meio que lhe era próprio. Primeiro precisava abrir-se para Deus. Nesta palavra de comando imprime-se a Igreja terapêutica que sabe trazer a voz da libertação que a Verdade por ela proclamada, opera.

O v. 35 mostra que uma vez livre para ouvir, ele ficou apto para falar, assumindo a liberdade da missão comunitária de se comunicar ou comunicar a si mesmo.

Acredito que esse texto em Marcos nos evidencia a mais solene missão que podemos realizar através de nossa vida de fé: levar vidas a terem seus ouvidos abertos para Deus e para o seu semelhante. Esta é a missão terapêutica mais urgente em nosso devir cristão.

Quem Despreza o Dia das Pequenas Coisas ?

 

Muito longe do que pensam e cobiçam alguns, a vida que Jesus nos prometeu quando disse: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância”, aponta para a simplicidade.

A contramão da simplicidade é a complexidade. Na simplicidade está o sabor e a verdadeira beleza. O sofisticado sabe a insosso. A simplicidade é recheada de leveza sem irresponsabilidade, enquanto a complexidade que tanto atrai e seduz, implica em descompromissos, em não dar conta, em inquietação e sobrecarga.

Se levarmos nossa fé pela via da contramão, contrataremos complicadores sempre, pretendendo que Jesus ande conosco por essas vias e nos socorra com refrigério, onde escapemos dos dissabores de nossas escolhas mal feitas, ditadas pelo fascínio do que parece locupletar, mas que em verdade só faz deixar-nos em falta. Ele não anda nesses desvios.

Pensam alguns que vida em abundância, por conta da associação desta palavra com o verbo ter, é ditada pelo edito do consumo, do possuir, do armazenar, do pagar para ver e ter, possuir igual e muito. Loucura!

A vida com Deus é permeada de coisas simples, porque Ele mesmo nos pretendeu simples, como disse o Senhor Jesus: “Sejam simples como as pombas…”

A simplicidade não acumula nem retém. Ela se satisfaz no pouco e no não complexo. Faz a opção mais sábia entre o suave e o áspero, preferindo o primeiro. Prefere o que traz menos apelativo, ao que está prenhe de propostas e ofertas.

A simplicidade é leve, porque carrega pouco. Busca o aroma natural e a cor não pintada. Contempla o rosto nu, autêntico, sem a falsa mensagem da maquiagem.

A simplicidade dita e interpreta a voz do coração, não da eloquência, por isso mesmo seu idioma é uma oração e sua fala soa como música. Por sinal que num só instrumento ela tira o som de uma orquestra inteira.

A vida abundante que Jesus nos ofereceu na fé, é simples, porque não investe no muito, mas naquilo que abundância traduz: plenitude.

Num tempo em que o mundo nos arrasta ao tanto de que não podemos dar conta, converta sua trilha ao trilho da vida simples: esvazie, desfaça, desacumule, fique leve! A vida terá mais sabor e beleza, pois haverá tempo para vivê-la.