Amigo Maior

Há algo de muito significativo neste texto que nos alcança com profundidade. A Bíblia põe em nossos lábios muitos títulos que podemos atribuir como adoradores, a Jesus e ao Deus Eterno. Não é meu propósito enumerá-los, mas convém lembrar os mais corriqueiros: Pai, referente a Deus. Deus Santo; Todo-poderoso; Deus Fiel,

etc.

Quanto a Jesus, eles transbordam: Salvador, Senhor, Autor da Fé, Príncipe da Paz, Cordeiro de Deus, Filho de Deus, etc.

Nós os usamos abundantemente, conforme ditam nossas necessidades ou espírito de adoração. Eles assumem o caráter de confissão e apontam a visão que temos dAquele a Quem adoramos.

Agora estamos diante de um texto que nos sublima com a visão intimista com que nos vê e trata Aquele a Quem adoramos. É uma posição invertida, onde Ele nos dá títulos. Vou apontá-los: Jesus afirma as vias pelas quais somos vistos aos Seus olhos e na Eternidade: Amigos; servos; irmãos e filhos (por inferência óbvia); e eleitos ou escolhidos. Aí estão cinco títulos que têm reforço na revelação do Novo Testamento.

Começo pelos inferidos. Eles se encontram na expressão: “Tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido”. Aponta ao fato de que temos com Cristo um só e mesmo Pai, o que nos coloca na posição de filhos desse Pai (João 1:12 e Mateus 6:9) e irmãos do Senhor, como temos  no discurso dEle já ressurreto para Maria Madalena (“Meu Pai e Pai de vocês”). Há no texto de Hebreus 2:13, que faz uso de Isaías 8:18, um indicador de que o próprio Senhor Jesus nos trata como Seus filhos. Possivelmente isso aluda à Sua oração em João 17 quando diz ao Pai que éramos do Pai e fomos dados a Ele pelo Pai. Na qualidade de irmãos do Senhor somos reputados por herdeiros de Deus e co- herdeiros com Cristo (Romanos 8:17).

Depois, nós O ouvimos dizer que já não nos tratará por servos, o que é uma categoria nossa diante dEle como Senhor. Paulo se entendia servo de Cristo e fazia questão de enfatizar isso em seus escritos, como aquele que tendo recebido alforria, assumia-se voluntariamente servo, conforme previa a Lei de Moisés, e passando a ter as “orelhas furadas”, tornava-se o servo que fica para sempre em casa. Segundo o próprio Senhor, quem fica para sempre em casa, é visto como filho (João 8:35).

Temos ainda o conceito de eleitos, os que foram escolhidos previamente, segundo Sua Eterna vontade e amor, conforme o v. 16. Mas a ênfase recai sobre um conceito novo: amigos.

Parece fora de lugar. Por força de nossos hábitos devocionais nós nos acostumamos aos termos anteriores e os recebemos bem: filhos, servos, eleitos. Nós nos vemos sob tal ótica. Mas amigos? Quanto significa e alcança?

Amigos são aqueles que se colocam sob aliança voluntária. Jesus estabelece aqui um novo conceito para amigo, pelo qual nos vê e quer tratar conosco: Ele diz que não nos chama de servos mais, porque nós temos conhecido por meio dEle  tudo quanto Ele ouviu do Pai. Isto estabelece uma nova base de relação que nos posiciona e classifica como amigos. Voltaremos a este ponto, mas é importante nos determos um pouco sobre a significação geral do termo.

Ele nos aparece no texto grego, traduzindo a palavra aramaica dita por Jesus, que se aproxima do hebraico “havar”, cujo significado é: aquele que  está ligado, que tem comunhão com, ser compacto. É a palavra que aprofunda o sentido de Provérbios 18:24. (“Há amigo mais chegado que irmão”). Traz o radical aproximado do radical de amar, semelhante ao português. Logo, amigo mais garantidamente fala de quem ama, do que irmão.

No próprio texto grego, a palavra “filós”, que traduz: “amigo, aquele que é empático”, deriva do verbo filéo que significa amar sem erotismo; amizade.  Aquele tipo de amor que Pedro chama de amor cordial, ou seja, que procede do coração. É o amor gratuito, que promove eleições entre partes.

“Havar”  e “filós” deram para nós amigo, que deriva do latim amicus. Etimologicamente o latim “amicus”, pode ter sido formado a partir da aglutinação de ad +  mecum  (ad, aproximação + cum me). Assim, a ideia derivada seria: “amigo é aquele que se aproxima para ser comigo”. Belo, não?

Tudo isso serve para nos mostrar a força afetiva de que está carregada esta palavra em seu significado e no caso de nosso texto, no sentido dado pelo Senhor Jesus.

O mais que poderíamos esperar como posição diante do Deus Santo e Salvador que tudo nos deu e realizou a nosso favor, seria sermos colocados na posição de servos. Mas justamente aí Ele nos surpreende ao dizer, não mais servos e sim amigos, “porque o servo não sabe o que faz o seu senhor”. E reforça o argumento, ao afirmar que tanto nos assume e estabelece como amigos, que nos faz conhecer tudo quanto ouviu do Pai.

Isso me faz pensar no fato que Jesus decide que nos torna participantes de Seus segredos. Que está aberto a nós, conforme acentua o salmista no Salmo 25:14. Outro tanto entendo que a aliança requer participação biunívoca, onde nos cabe buscar conhecer o que da parte do Pai Ele nos faz saber, tanto quanto, por mais que saibamos ser Ele conhecedor de todas as coisas, e ser Aquele que conhece o “que vai no coração dos homens”, derramar estes conteúdos pessoais e secretos diante dEle, na consolidação e resposta a um nível tão elevado de comunhão.

Penso em Moisés, conforme mostram Êxodo 33 e 34, dizendo ao Senhor, até com ousadia: “Mostra-me o Teu caminho” e logo depois: “Anda no meu caminho”, como a dizer, numa linguagem contextualizada: “Usa a minha agenda, e deixa que eu use a Tua agenda, Deus”.

O Que Fazer Dele?

Pilatos, procurador romano no tempo dos césares e nos últimos dias de Cristo, é conhecido nas páginas dos evangelhos por três sentenças marcantes que pronunciou: o famoso “lavo minhas mãos “, que foi coreografado e não falado (o que ele disse, de fato, foi: “Estou inocente do sangue deste homem; a responsabilidade é de vocês”). Depois temos duas perguntas: “Que é a Verdade?” e: “Que farei de Jesus, chamado Cristo?”

As duas questões, celebradas em milhares de sermões ao longo dos séculos, apontam para a realidade dos homens deste mundo que “lavam suas mãos” pretendendo uma consciência isenta de culpa (inocente?) quanto ao sangue que Jesus derramou, e assim seguem na vida sem pretender qualquer envolvimento com Ele e Sua obra, Sua morte na cruz. Mas, outro tanto, Pilatos encarna o homem deste século que prefere questionar Jesus, em busca de uma verdade pessoal, que lhe convenha, para não encará-Lo como a Verdade absoluta. E perdem por não ouvi-Lo dizer que Ele é a Verdade, a qual uma vez conhecida, liberta em todos os níveis.

Encarar a Verdade e não vê-La, tal como Pilatos, é o recurso preferido hoje pelo ser humano que, se se apercebe de que Jesus é a própria Verdade, encerra nEle sua busca que empreende sem dar-se conta disso.

Cristo, a Verdade, é a resposta a todos os anseios que ditam inquirições: na filosofia, na psicologia, no transcendentalismo que se manifesta até mesmo no discurso dos que se pretendem ateus.

E por ser Verdade que liberta, Ele leva o homem a se ver aos olhos de Deus: perdido em seus anseios, achados e “acertos”; pecador e desesperado em meio a multiformes programas onde tenta saciar sua busca inconsciente de plenitude pessoal.

Se Cristo não pode ser visto como a Verdade, tal como é, quem O encontra ou com Ele esbarra por conta da presença da Igreja nesta geração, não sabe o que fazer com Ele.

A razão por que tantos que ouvem falar a Seu respeito e passam de largo quanto ao caminho da fé; ou mesmo que procuram atalhos para não se verem comprometidos de forma definida, reside no fato de que não sabem o que fazer com Ele. Estão com a mesma questão de Pilatos, entalada em suas consciências: “Que farei de Jesus, chamado Cristo?”

E ainda há aqueles que decidiram por uma resposta enviezada a esta questão, de maneira que pensam tê-la respondida quando pretendem ter achado na fé cristã um recurso para usá-Lo como o “Santo Maior” a seu favor.

Mas, o fato é que Pilatos pronunciou uma questão que se tornou emblemática para todos, nos séculos que decorreram após seu pronunciamento: “O que fazer dEle?” Sua questão originalmente apontava para a necessidade de dar um fim ao dilema: deixá-Lo ir- Se livre ou decretar a Sua execução.

Na primeira decisão está a maioria: deixá-Lo livre. Que Ele saia da história, que não haja cruz nem compromisso; que não tenha mais nada a ver com Ele.

Na segunda, ficam os que O preferem na cruz porque entenderam o que disse Caifás, embora sem alcançar o seu sentido: “É necessário que um homem morra pelo povo”. Decidem por vê-Lo na cruz os que necessitam de Sua morte redentora, substitutiva. Os que sobem com Ele nela, pela fé, porque se sabem pecadores, necessitados do sangue remidor do “cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.

Os que tomam a segunda decisão como resposta, são os que assumem a cruz como fato inegável, que marcou e continuará marcando a consciência dos homens na história.

Corpus ChristiI

Há um momento tenso em que o Senhor Jesus é levado pela segunda vez à presença do procurador romano Pôncio Pilatos. Jesus já havia sido questionado pelo procurador, e depois de muita insistência da parte dos líderes judeus para que fosse castigado, Ele é entregue aos soldados que o açoitam, esbofeteiam e achincalham, colocando um manto púrpura em seus ombros e uma coroa tecida de espinhos sobre sua fronte.

O rosto edemaciado, as costas lanhadas, sangrando, testa ferida, a figura que Jesus aparenta deveria ser minimamente chocante. Era o próprio retrato do flagelo humano. É sob tal aparência e circunstâncias que Pilatos O vê pela segunda vez. E tudo o que consegue dizer é: “Ecce Homo”. “Eis o homem!” Quanta verdade tal expressão continha! Ali estava Pilatos diante da visão mais humana possível do “Corpus Christi”, conforme seu idioma nativo.

Paro sobre esta cena. Quão longe estava daquele romano pagão saber que tinha diante de si a representação mais completa e indispensável; a mais desesperadoramente necessária incorporação da humanidade decaída numa única pessoa. De fato, ali estava o homem. O único.

Naquele momento Jesus era mais que um homem ou um flagelo humano. Era o homem. O homem de Deus, ferido por Deus e a favor dos homens. Era a humanidade encarnada. E mais: o homem perfeito, o homem são, embora despedaçado. O homem inocente. Nesta condição, o homem-cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Naquele momento Jesus exprimia o sentido mais superlativo do significado de Filho do Homem. Era o Homem que tomava sobre Si o pecado de todos os demais, incluindo aquele um homem que diante dEle estava: Pilatos.

E quem era Pilatos? Um homem. Apenas. Porque apenas um homem, não podia compreender o alcance universal e eterno da presença do Homem diante dele, para receber a condenação que sobre Si caindo, propiciava a libertação dele, de Barrabás, a nossa, e a do povo que vociferava clamando por Sua morte.

Porque Pilatos era apenas um homem, nenhum legado deixou na história mais que os momentos registrados pelo evangelho, de quando esteve e teve nas mãos o Filho de Deus, Príncipe da Paz e Pai da Eternidade. Tão perto chegou, e o perdeu para sempre.

Tira-se um homem de um livro, como Pilatos, e ele desaparece. O Homem Jesus dentro e fora do livro, vivo está; inesquecível; adorado, amado, seguido por mais de dois anos por milhões de legiões de discípulos adoradores.

Um homem, como Pilatos, por mais que discurse, morre sem fala (a História diz que ele cometeu suicídio numa região distante de Roma para onde foi banido). Os evangelhos registram 28 vezes os discursos de Pilatos. Tirando as reedições, ele teria falado 14 vezes diante de Jesus e ao povo. Desses 14 discursos de um homem, o Homem Jesus falou apenas 3! Mas tudo o que disse, jamais foi esquecido. Um homem diante do Homem, sentindo-se poderosos e sagaz.

O homem diante de um homem, sendo apenas o substituto silencioso do culpado, para pagar-lhe as penas.

Um homem, e o pecado; o Homem, e o perdão. Um homem e a soberba do poder transitório; o Homem e a serena e perene autoridade. Um homem e as suas dúvidas; o Homem e a Verdade encarnada. Um homem e sua tensão; o Homem e Sua paz em meio ao caos.

Um homem segue vivendo de mãos lavadas do compromisso com a justiça. O Homem segue na morte que vai lavar a todos para sempre.

Um homem mortal, e apenas um corpus pilatus. O Homem divino, e o Corpus Christi. Um homem e a dor e a morte. O Homem e a graça e o dom da vida eterna.

Casa Reformada

Um vizinho nosso, sr. Simplício, vivia com sua família em uma casa muito grande e antiga, por várias décadas. Ao longo dos anos, a casa foi desgastando e exigindo reformas. Além disso, uma empresa veterana na área de construções e reformas, de serviços ampla e vastamente alardeados por marketing poderoso, ofereceu-se para assumir a contratação da reforma geral. Ele aquiesceu, também porque não lhe parecia restar outra alternativa. Em pouco tempo, em lugar de lhe devolverem uma casa reformada e nova, destruiram a que ele tinha, da forma mais desastrosa possível. Acrescentaram ao mal da incompetência, a tragédia, e um incêndio destruiu parte da casa em reforma.

Fomos consolá-lo. Perguntei o que ele esperava fazer, uma vez que não tinha a casa no seguro. Procurei saber se ele tinha outra alternativa, se insistiria com aquela empresa construtora a fim de que dessem conta do desastre perpetrado. Ele me interrompeu e disse: Meu nome é Simplício, meu senhor, e meu sobrenome é Inteligente. Jamais quero ver aquela gente sequer perto do que restou do meu patrimônio. Vou procurar outra empresa que tenha novos técnicos a me oferecer.

Ele está absolutamente certo. Seria inconsequência e falta de inteligência insistir com uma empresa que não só o arruinou quanto provou ser incompetente pela pior via, a do desastre total.

Em outubro deste ano, nós teremos a mesma oportunidade do sr. Simplício, de mudar de “técnicos” para a reforma do país que foi levado ao caos. Não podemos mudar de empresa, como ele (só temos um Congresso, um Senado, um Planalto e os palácios de governo), mas podemos mudar os “técnicos” que lá dentro estão, dando lugar à esperança que toma o aval da inteligência. É hora de demitir os que nos arruinam, e pretender “empregar” pelo voto inteligente, qualquer que possa nos levar a crer que poderá trabalhar melhor que os outros. É hora de demitir essa gente. Vote inteligente. Vote como crente!