Há um momento tenso em que o Senhor Jesus é levado pela segunda vez à presença do procurador romano Pôncio Pilatos. Jesus já havia sido questionado pelo procurador, e depois de muita insistência da parte dos líderes judeus para que fosse castigado, Ele é entregue aos soldados que o açoitam, esbofeteiam e achincalham, colocando um manto púrpura em seus ombros e uma coroa tecida de espinhos sobre sua fronte.
O rosto edemaciado, as costas lanhadas, sangrando, testa ferida, a figura que Jesus aparenta deveria ser minimamente chocante. Era o próprio retrato do flagelo humano. É sob tal aparência e circunstâncias que Pilatos O vê pela segunda vez. E tudo o que consegue dizer é: “Ecce Homo”. “Eis o homem!” Quanta verdade tal expressão continha! Ali estava Pilatos diante da visão mais humana possível do “Corpus Christi”, conforme seu idioma nativo.
Paro sobre esta cena. Quão longe estava daquele romano pagão saber que tinha diante de si a representação mais completa e indispensável; a mais desesperadoramente necessária incorporação da humanidade decaída numa única pessoa. De fato, ali estava o homem. O único.
Naquele momento Jesus era mais que um homem ou um flagelo humano. Era o homem. O homem de Deus, ferido por Deus e a favor dos homens. Era a humanidade encarnada. E mais: o homem perfeito, o homem são, embora despedaçado. O homem inocente. Nesta condição, o homem-cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Naquele momento Jesus exprimia o sentido mais superlativo do significado de Filho do Homem. Era o Homem que tomava sobre Si o pecado de todos os demais, incluindo aquele um homem que diante dEle estava: Pilatos.
E quem era Pilatos? Um homem. Apenas. Porque apenas um homem, não podia compreender o alcance universal e eterno da presença do Homem diante dele, para receber a condenação que sobre Si caindo, propiciava a libertação dele, de Barrabás, a nossa, e a do povo que vociferava clamando por Sua morte.
Porque Pilatos era apenas um homem, nenhum legado deixou na história mais que os momentos registrados pelo evangelho, de quando esteve e teve nas mãos o Filho de Deus, Príncipe da Paz e Pai da Eternidade. Tão perto chegou, e o perdeu para sempre.
Tira-se um homem de um livro, como Pilatos, e ele desaparece. O Homem Jesus dentro e fora do livro, vivo está; inesquecível; adorado, amado, seguido por mais de dois anos por milhões de legiões de discípulos adoradores.
Um homem, como Pilatos, por mais que discurse, morre sem fala (a História diz que ele cometeu suicídio numa região distante de Roma para onde foi banido). Os evangelhos registram 28 vezes os discursos de Pilatos. Tirando as reedições, ele teria falado 14 vezes diante de Jesus e ao povo. Desses 14 discursos de um homem, o Homem Jesus falou apenas 3! Mas tudo o que disse, jamais foi esquecido. Um homem diante do Homem, sentindo-se poderosos e sagaz.
O homem diante de um homem, sendo apenas o substituto silencioso do culpado, para pagar-lhe as penas.
Um homem, e o pecado; o Homem, e o perdão. Um homem e a soberba do poder transitório; o Homem e a serena e perene autoridade. Um homem e as suas dúvidas; o Homem e a Verdade encarnada. Um homem e sua tensão; o Homem e Sua paz em meio ao caos.
Um homem segue vivendo de mãos lavadas do compromisso com a justiça. O Homem segue na morte que vai lavar a todos para sempre.
Um homem mortal, e apenas um corpus pilatus. O Homem divino, e o Corpus Christi. Um homem e a dor e a morte. O Homem e a graça e o dom da vida eterna.