Ressurreição

Falamos coisas espirituais com os espirituais” – I Coríntios 2:13.

A magna esperança da fé cristã está sendo celebrada. De longe é a mais extraordinária bênção que marcou o cristianismo bíblico como a mais intensa, apaixonante e revolucionária experiência espiritual na história da humanidade. Nenhuma outra confissão ou proposta de comunicação transcendental  se compara a ela. Mas nem mesmo cristãos professos, em sua maioria, têm noção exata da glória desta doutrina e das implicações desta proposta. Até mesmo em funerais, ou lápides de cemitérios cujas sepulturas trazem como epitáfio o  versículo da promessa tal como Jesus a anunciou: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que esteja morto viverá” conseguem abarcar a dimensão de sua proposta. Geralmente os enlutados a ouvem como o resumo de que aquele seu morto não ficará morto para sempre. Ora, para boa parcela da cristandade, saber que seu morto crente está vivendo na presença de Deus, é um fato tal que a promessa da ressurreição parece perder sentido.

Lembremos o poder da ressurreição no seu efeito sobre a Igreja em seu nascedouro: os discípulos, depois que Jesus morreu, esconderam-se com medo dos judeus. Quem eram eles? Aqueles que haviam privado com Jesus mais de  três anos, sendo testemunhas e veículos de milagres em proporções e abundância incontáveis (João 21:25). Foram milagres impactantes, e todos cobertos pelo ensino do Senhor de viva voz. Morto Jesus, escondem-se aterrados. E eis que o Senhor redivivo manifesta-Se entre eles, e passa com eles 40 dias conversando, convivendo, comendo e ensinando, e até operando milagre de novo, como havia feito nos últimos três anos e meio. E Jesus Se despede deles, e eles de fato, finalmente ficam sem Sua presença física. Mas, revestidos do poder do Espírito de Deus, são imbuídos de uma ousadia que contrasta com o medo vivido há 50 dias passados, e dali em diante correm mundo testemunhando da ressurreição, ao custo de seu próprio sangue. Quarenta dias do Senhor Ressurreto, deram-lhes a convicção e paixão, que mais de três anos de milagres não conseguiram operar. E o poder da ressurreição veio consolidar tudo o que haviam aprendido com Ele naqueles três anos anteriores.

Mas e a força desta promessa?

Quando Adão caiu em pecado de desobediência, ganhou uma natureza condenada por Deus à morte, que Sua justiça santa impôs, tal como Ele antes advertira, e Adão transferiu essa natureza pecaminosa e seu consequente castigo de mortalidade a toda sua descendência. Os filhos de Adão adquirem um corpo que morre. Mas o juízo divino sobre o pecado não implicou apenas na morte  física, também na morte espiritual, que se traduziu por banimento eterno da presença de Deus. De forma que a equação formada ficava assim: a morte física separava o homem de sua vida na história, em sociedade, morto para os outros homens; a morte espiritual separava esse homem morto no corpo, de Deus.

Quando Jesus veio como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, Ele matou com Sua morte na cruz, a morte adâmica, porque Sua morte de entrega voluntária em lugar de todos, diante de Deus e para Deus, satisfez a justiça divina e assumiu sobre Si a ira de Deus e o juízo consequente sobre os filhos de Adão. Jesus morria na cruz como o Último Adão (I Coríntios 15:45), o último a morrer a morte espiritual, o banimento eterno. E ressuscita três dias depois dessa morte, levantando-Se da sepultura como o Segundo Homem (I Coríntios 15:47), ou seja,  o cabeça de uma nova raça, a raça dos filhos de Deus que não morreriam mais eternamente. Todavia, esses filhos de Deus, ou seja, os que passavam a crer em Cristo, o Filho Unigênito e aceitavam seu sacrifício e sua justiça dele decorrente, pela fé nEle, em seu lugar diante do justo Deus, continuam habitando no corpo condenado a morrer em Adão. O espírito fica vivificado, mas o corpo continua mortal. A morte de Cristo garantiu a cessação da morte espiritual, mas, e quanto ao triunfo da morte física sobre a vida, fazendo cessar a história pessoal e o convívio entre seus pares? A ressurreição de Jesus veio confirmar a promessa de Deus da vitória sobre a morte, de forma que a ressurreição se tornou a solução do problema da morte do corpo adâmico. Paulo explica que todos nós aguardamos a redenção de nosso corpo (Romanos 8:23), como Jesus viveu a Sua própria. A ressurreição, em forma de promessa, foi confirmada na ressurreição do Filho de Deus, a “primícia” dentre os que dormem, para garantir que o corpo que foi semeado em carne e pecado, ressuscitará em glória e poder, reassumindo seu lugar no convívio entre seus pares; reassumindo o espaço do qual a morte o roubou. Evidente que esse corpo glorificado, necessita de um lugar apropriado para nele habitar, uma vez que o espaço adâmico foi com ele condenado à destruição. Esse novo lugar, a Palavra de Deus chama de Paraíso, e Pedro o descreve como sendo “os novos céus e a nova terra, nos quais habita a justiça” não mais deterioráveis, nem mais perecíveis, mas eternos, na presença de Deus, cujo sangue de Cristo nos garantiu, a vivermos e esperarmos pela fé. Eis por que  o Filho de Deus  assumiu:  “Quem  crê  em  mim,  ainda  que  esteja  morto,  viverá” (João 11:25). Aleluia!

Faz Outra Vez! | Atos de Discípulos (6)

Ao verem a intrepidez de Pedro e João, sabendo que eram homens iletrados e incultos, admiraram-se; e reconheceram que haviam eles estado com Jesus… Uma vez soltos, procuraram os irmãos e lhes contaram quantas coisas lhes  haviam dito os principais sacerdotes e os anciãos. Ouvindo isto, unânimes, levantaram a voz a Deus e disseram: Tu, Soberano Senhor, que fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há; que disseste por intermédio do Espírito Santo, por boca de Davi, nosso pai, teu servo: Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram coisas vãs?…agora, Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que anunciem com toda a intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para fazer curas, sinais e prodígios por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus. Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus.” – Atos 4:13, 23-31.

Depois do milagre da cura do homem aleijado, Pedro e João foram presos pelas autoridades religiosas judaicas que tentaram intimidá-los e os proibiram de continuar a pregar a fé em Cristo Jesus. Eles declararam que não se calariam, porque não podiam deixar de falar daquilo que tinham visto e ouvido.

Esta narrativa sempre me entusiasmou por conta de enfatizar a palavra ousadia, aqui traduzida por intrepidez (4:13;30). Ousadia foi o resultado visível e contrastante quando o Espírito Santo encheu os discípulos, como recordamos anteriormente (Atos de Discípulos 2). De medrosos, que se escondiam dos judeus, levantaram-se ousados, discursando abertamente, confrontando autoridades e exortando o povo ao arrependimento, com palavras fortes de advertência. Jesus havia dito que eles estariam revestidos de poder para serem testemunhas. E poder foi o resultado daquele revestimento do Alto.

Mas é de singular notoriedade o que vemos descrito neste capítulo 4. Após o confronto com as autoridades de Jerusalém, Pedro e João juntam-se à igreja e com ela reunidos, oram. Dão graças pelos milagres realizados neles (ousadia), nos outros (a cura); pela bênção da perseguição sofrida; e fazem uma súplica, vertida em significativas palavras, cuja resposta de Deus é imediata. A súplica dizia: “agora, Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que anunciem com toda a intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para  fazer curas, sinais e prodígios por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus”.

E a resposta divina imediata foi: “Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus.” Exatamente o que pediram!

Qual a relevância disso para nós? Não tinham eles sido cheios do Espírito Santo, como visto em Atos 2 e isso produziu a intrepidez necessária ao testemunho, aqui vista como poder? Não estavam cheios dessa intrepidez, então, quando foram ao templo onde o milagre aconteceu? O verso 13 deste capítulo 4 não salienta que   foi com intrepidez (ousadia, poder) que Pedro resistiu às autoridades de Jerusalém, representadas por Anás, Caifás e auxiliares? Como lemos então que a resposta àquela oração da igreja reunida foi: “todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez…”?. Em Atos 2 lemos que eles haviam sido cheios do Espírito Santo. A nós parece que bastou o evento ali acontecido e eles estariam para sempre potencializados para fazer e acontecer. De fato, a narrativa de Atos 3 e 4 provam que estavam. No entanto, podemos traduzir a oração que fizeram posteriormente como “faz outra vez!”, ou, pelo menos: “continue fazendo!”. A resposta foi Deus renovando o revestimento de poder, como se tudo estivesse acontecendo pela primeira vez!

Duas coisas despontam para nós, discípulos da atualidade: Não devemos nos acomodar às experiências do passado como se por elas estivéssemos prontos e habilitados para sempre. A lenha queimada vira cinza, no altar. A cinza precisa ser removida para que o fogo continue a crepitar. E: necessitamos ser revestidos de novo, sempre. Ser cheios do Espírito, numa busca continuada, é o que se impõe sobre os discípulos, conforme a recomendação de Paulo em Efésios 5:18, que se traduz melhor como sendo: “deixem-se encher”.

Cabe-nos reabastecer-nos diligentemente na Fonte, rogando ao Senhor da seara, que sempre “faça de novo”, que sempre “faça outra vez”. Ele faz!

Metamorfose

Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade.”    – Efésios 4:22-24.

Há pouco tempo estive ministrando em uma igreja aqui no interior, formada por irmãos muito queridos e espiritualmente zelosos. Encontrei no seu boletim uma citação atribuída a John Wesley, fundador do movimento de santidade na Inglaterra do século XVIII que influenciou poderosamente a igreja cristã no mundo inteiro. Disse Wesley: “A conversão tira o cristão do mundo e a santificação tira o mundo do cristão”.

Nada mais verdadeiro.

A doutrina da santificação perdeu lugar na experiência da práxis evangélica em nossa geração, de forma quase generalizada. O limiar que separa o crente do mundo ficou tão invisível quanto a insensibilidade a ele o tornou imperceptível, mesmo ausente. A mensagem da santificação converteu-se numa ideologia do fracasso ou passou a ser vista como religiosidade, legalismo ou estoicismo, na melhor das hipóteses. Para escapar de sua realidade missiológica, pretendeu-se que ela é ato interior operado pelo Espírito Santo no momento da conversão e que não se traduz em formas, ações ou comportamentos. Com isso criou-se uma conveniente filosofia que rapidamente tomou dimensão generalizada de conceito, onde santificação ficou reduzida à prática de serviços cúlticos, como ir à igreja, ler Bíblia, orar. Tais práticas piedosas seriam a resposta humana ao compromisso com a santidade pessoal. E como ainda há os que traduzem santidade por observações legalistas no terreno do “é proibido”, tão repulsivo e carnal quanto seu oposto que é o liberalismo com nuances de libertinagem, quanto mais distante de critérios e renúncias pessoais estiver o crente, melhor lhe parecerá.

Todavia uma clara distinção existe entre ser crente e ser mundano. E o fiel da balança que vai distinguir o compromisso e comportamento entre uma maneira e outra de ser, é a consciência de temor de Deus no coração. Pois à medida que cresce nosso conhecimento da santidade divina e dEle mais nos aproximamos, mais tementes a Ele nos tornamos e mais distantes do mundo com seus modismos, apelativos, comportamentos, filosofias, compromissos e sentimentos, ficamos.

Santificação é uma resposta consciente do crente ao que foi feito nele por Deus, em direção contrária ao mundo e seus valores, no qual ele vivia; e a favor do Reino de Deus, na proporção de inimizade com um, e amizade com o outro; de forma que santificar-se, expressão tantas vezes repetida na Palavra de Deus, torna-se a nossa medida pessoal de separação que tem parâmetro na Revelação divina, e uma vez pessoal, não pode nem deve servir para mensurar a forma alheia de viver. Por se tratar de uma consciência de temor a Deus, torna-se nosso culto pessoal de reverência a Ele. E o temor vem, na mesma medida em que entendemos a clara linguagem que diz: “Aquele que se faz amigo do mundo, torna-se inimigo de Deus”, que é o correto entendimento sobre o texto de Tiago 4:4 e II Coríntios 1:12, que diz: “Este é o nosso orgulho: A nossa consciência dá testemunho de que nos temos conduzido no mundo, especialmente em nosso relacionamento com vocês, com santidade e sinceridade provenientes de Deus, não de acordo com a sabedoria do mundo, mas de acordo com a graça de Deus.”

Posto isto, é interessante revendo o texto acima, de Efésios 4: 22 a 24, perceber que o apóstolo ensina que a decisão pessoal e consciente por santificar-nos a nós mesmos, está diretamente ligada à “renovação do nosso entendimento”, expressão de que ele se serve de novo em Romanos 12:2, abordando o mesmo assunto, lugar onde diz que a mudança de forma conta na santificação, com o nome de metamorfose, a forma ultrapassada ou superada pelo crente, quando corre num mundo no qual está inserido. De forma clara ele nos faz saber que santificação é uma resposta racional que damos, positivamente, à mudança de nosso entendimento, ao que vamos aprendendo pela Palavra de Deus e ao agir do Espírito Santo a quem devemos dar espaço, na medida em que crescemos na “graça e conhecimento” de nosso Senhor Jesus Cristo.

Como a própria conversão implica numa mudança de mente, a santificação revela que a mente que dita a forma de ser e viver neste mundo, mudou, ou seja, passou a ser “mente de Cristo” em nós, na linguagem de I Coríntios 2:16.

Santificação implica em ser separado do que é comum a todos os outros. Ser diferente no pensar, sentir e consequentemente no comportar-se. E a Palavra de Deus define essa diferença em termos claros, aqui em Efésios colocados como troca de andrajos por roupas, despir-se e vestir-se, e noutros textos, sem metáfora:  “Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatria e feitiçaria; ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez, orgias e coisas semelhantes. Eu os advirto, como antes já os adverti: Aqueles que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deus.” – Gálatas 5:19-21. A lista é grande. Não se trata, no entanto, de conhecer uma lista, mas viver na dimensão do que vai além da lista, que por ser tão grande, Paulo, acrescenta a expressão: “e coisas semelhantes”.

Equivocam-se gravemente aqueles que pretendem que, copiar os valores e formas do mundo dando-lhes um verniz ou ambiência evangélica, do tipo vivenciar tais coisas dentro de um culto, na igreja ou na companhia de crentes, anula seu caráter de inimizade com Deus, tendendo à aprovação divina. Isso é reduzir a mente do Deus três vezes Santo à cabeça de mito religioso.

A santificação pessoal está diretamente ligada à forma como o crente vive sua relação individual com o Espírito Santo de Deus, que depois de dizer que em nós Ele tem ciúmes, adverte-nos quanto a não entristecê-Lo (Efésios 4:30), nem apagá-Lo (I Tessalonicenses 5:19).

Certa vez eu ministrava num Retiro em Campinas e fui interrompido por um irmão que disse: “Ora, pastor. Sou grato a Deus por ter sido chamado como sou. Não fui chamado para ser como Paulo, João, Daví, Pedro ou mesmo Moisés”. Ao que eu lhe respondi: “É fato, irmão. De acordo com Efésios 4:12 e I Pedro 2:21, você foi chamado para ser como Jesus”.

Por último, voltando a Wesley e seu ditado, convém acrescentar que só busca se santificar quem não perdeu a noção bíblica de pecado. Este quer uma forma superior de ser, reagir e viver: metamorfose.