Quando A Cegueira Deixa Ver | Atos De Discípulos (21)

“Enviados pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre. Chegando em Salamina, proclamaram a palavra de Deus nas sinagogas judaicas. João estava com eles como auxiliar. Viajaram por toda a ilha, até que chegaram a Pafos. Ali encontraram um judeu, chamado Barjesus, que praticava magia e era falso profeta. Ele era assessor do procônsul Sérgio Paulo. O procônsul, sendo homem culto, mandou chamar Barnabé e Saulo, porque queria ouvir a palavra de Deus. Mas Elimas, o mágico (esse é o significado do seu nome), opôs-se a eles e tentava desviar da fé o procônsul. Então Saulo, também chamado Paulo, cheio do Espírito Santo, olhou firmemente para Elimas e disse: “Filho do Diabo e inimigo de tudo o que é justo! Você está cheio de toda espécie de engano e maldade. Quando é que vai parar de perverter os retos caminhos do Senhor? Saiba agora que a mão do Senhor está contra você, e você ficará cego e incapaz de ver a luz do sol durante algum tempo”. Imediatamente vieram sobre ele névoa e escuridão, e ele, tateando, procurava quem o guiasse pela mão. O procônsul, vendo o que havia acontecido, creu, profundamente impressionado com o ensino do Senhor.”
Atos 13:4-12

Um dos mais tradicionais cânticos evangélicos, datado do século XIX é o inglês Amazing Grace (Graça Admirável), em cuja letra um verso afirma: “Eu estava cego, mas agora eu vejo”.

Deixamos Paulo e Barnabé saindo de Antioquia e agora os encontramos em Pafos, acompanhados por João Marcos, que os auxiliava. Nosso texto registra um enfrentamento espiritual cujo desdobramento é notável pelos contrastes que estabelece dentro da maravilhosa saga que envolve a práxis da Revelação na missão da Igreja. Porque sinaliza nesse conflito entre luz e trevas, o primeiro desafio na vida do cristão, a diferença entre ser cego e ter visão, aqui vistos no paradoxo entre cegueira perpetrada pelo diabo e a cegueira produzida por Deus, em caráter punitivo ou transformador. Vamos entender isso, emparelhando os textos de Atos 9, com II Coríntios 4 e este de Atos 13.

Comecemos por II Coríntios 4:4 – “O deus desta era cegou o entendimento dos descrentes, para que não vejam a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus.”
A ideia de um entendimento cegado pelo diabo para impedir que a luz do evangelho seja percebida, é lógica para nós no terreno da fé. Evidente que o diabo, o “pai da mentira”, não quer que alguém enxergue a verdade e creia. Logo, uma vez sabedores que o homem natural está cego pelo diabo em seu entendimento, presumimos que Deus inverte o processo para que esse homem enxergue e creia. É o que aponta a letra de “Amazing grace”.

Então lemos em Atos 9 que Saulo de Tarso, perseguidor da Igreja, é barrado na estrada para Damasco por uma visão de Cristo, e se converte. Ato contínuo, é cegado pela mesma luz que lhe destampou os olhos do entendimento que o diabo mantinha cegos. Deus o cegou temporariamente, até que após a imposição das mãos de Ananias, escamas caem-lhe dos olhos e ele volta a ver.

Temos agora nosso texto em apreço mostrando que Elimas é cegado pelo poder de Deus, através da palavra de Paulo. Evidente que a diferença sensível entre as cegueiras mencionadas reside no fato de que o diabo opera a cegueira no entendimento, e Deus, nestes dois relatos, a opera no terreno físico. Em Elimas, em caráter punitivo, ferindo-o com juízo. E quanto a Saulo de Tarso?

A mim parece que ocorre com Elimas o cumprimento do juízo previsto em Romanos capítulo 1, onde somos avisados que aos que insistiram em permanecer endurecidos de coração mesmo em face da verdade, Deus os entregou a uma disposição contrária à possibilidade de virem a crer. Isto é afirmado por três vezes (v.24;26 e 28). Aqui o homem que já vinha cego pelo diabo, no seu entendimento, por conta de sua procrastinação, fica impedido por Deus de ter os olhos do entendimento abertos para crer na verdade. A ação divina gerando uma cegueira real em Elimas, serve como convincente ilustração disto, para nós.

Mas a sabedoria de Deus é vista na cegueira temporária feita a Saulo, onde não é operado um juízo, mas ao que parece, a preservação da visão revelacional que fica retida em suas retinas até o encontro com Ananias, como relatado em Atos 9. Dependência, quebra de autonomia, geração de obediência irrestrita à ordem divina, tudo isso ocorre em consequência dessa cegueira temporária. Outro tanto, Ananias se depara com o feroz ex-perseguidor dentro de sua casa, incapacitado, alquebrado, sem inspirar medo ou ameaça alguma. Na alma de Saulo aquela cegueira física operou a necessidade de buscar a luz da revelação de Deus em total dependência do que Deus poderia trazer, longe de sua mente arguta, outrora escrava de uma religiosidade tirana e cruel. Ele teria de enxergar na alma por total e exclusiva ação divina, vazio de seus próprios recursos “visuais”, fortemente engendrados na vida, e até mesmo “aos pés de Gamaliel”. A cegueira pelo poder de Deus, lhe traria a necessidade de receber, tanto quanto visão física, visão espiritual exclusivamente divina, de tal forma que, passados anos, o agora Paulo poderia dizer com autoridade, quanto e de quanto abriu mão, em termos de suas vias “visuais”, para poder enxergar via Cristo, quando disse: “Mas o que para mim era lucro passei a considerar como perda, por causa de Cristo. Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por quem perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar Cristo e ser encontrado nele, não tendo a minha própria justiça que procede da Lei, mas a que vem mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus e se baseia na fé. Quero conhecer Cristo, o poder da sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte”. Filipenses 3:7-10.

Esta nítida e cristalina visão que o torna fascinado por Cristo e Sua glória, decorre de uma ação profunda do Espírito de Deus em seu coração. E me faz pensar que a cegueira por Deus operada nele no momento de sua conversão a Cristo, fechou-lhe para sempre os olhos para os atraentes e dispersivos brilhos deste mundo, que ficaram ofuscados diante de resplendor maior. Experiência que bem-vinda seria na vida de cada discípulo moderno, se se traduzisse na mesma proporção, em ter olhos ofuscados pela glória do Senhor, insensibilizados para se deixarem fascinar pelas luzes deste mundo tenebroso.

 

Carismas E Caráteres -2 | Atos De Discípulos (20)

Atos 13:2 – “…Separem-me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado”.

E aqui mais uma vez nos admiramos na constatação dessa leveza com que o Espírito de Deus manifesta-Se dentro da igreja de Antioquia.

Fomos informados que estes homens, Barnabé e Saulo, contavam junto a mais outros como profetas e mestres. Isso parece esclarecer a pronta resposta com que atendem à voz do Espírito que os cita e alude a um chamado que já parecia previamente sabido por todos. Pode ser que soubessem que dois dentre eles seriam escolhidos para uma grande viagem missionária, a primeira de Saulo, e agora ficaram sabendo quais dentre eles seriam. Ou ainda que já soubessem anteriormente tratar-se daqueles dois, não hesitam em prepará-los para partir. Eles haviam ficado um ano inteiro ministrando entre aqueles irmãos a quem tutelaram, e que agora continuariam por si mesmos na orientação da igreja.

Mas penso nessa forma de comunicação divina: O Espírito de Deus poderia ter falado com exclusividade aos dois envolvidos, cabendo a estes darem ciência aos demais quanto ao chamado feito. Mas não. O grupo todo recebe a comunicação diretamente do Espírito de Deus, e a forma como Ele a faz, é surpreendente. É uma ordem, com tom de acordo, orientação. Traduzindo melhor, soa como se o Espírito dissesse: “Eu chamo, vocês concordam e enviam”. Parece falar de mutualidade, parceria.

Não há por que pensarmos em padrão de vocação aqui, como um dogma de chamado missionário. Contudo é inevitável ver que o Espírito Santo estabelece um princípio que torna evidente essa cumplicidade entre o corpo de Cristo e seus membros, a comunidade de discípulos. Seria demais pensar que devemos ver aqui um princípio espiritual operante, lastro do bom êxito de realizações missionárias? Pois o vejo. Vejo como o princípio em que o Espírito de Deus decide, informa Seu propósito e escolha, e deixa a critério da Igreja obedecer com seu envolvimento, participação e preparo (aqui visto na imposição das mãos), tanto quanto a disponibilidade dos escolhidos para atender. Tudo pode ser resumido nesta formulação tão bem colocada por Ele: “Separem-me a esses dois para a obra a que os tenho chamado”. E a consequente imposição de mãos, seguida da ação registrada no verso seguinte: “…e os enviaram”. Parece-me resumir-se num eficaz binômio: Ao Senhor cabe chamar, e à Igreja, reconhecer e enviar.

A formulação “Separem-me, separem para mim” , outro tanto, é forte indicador de que o chamado que Dele vem, faz do escolhido um servo para Ele, com exclusividade.

Vale pontuar: Sua igreja está dentro desse santo parâmetro? O Espírito de Deus nela tem despertado alguma vida para sair por Ele? E ela tem enviado? Quando o Espírito de Deus tem liberdade na igreja, desperta visão missionária, e dá conteúdo a essa visão.

Carismas 3 Caráteres -1 | Atos De Discípulos (19)

“Na igreja de Antioquia havia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, chamado Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, que fora criado com Herodes, o tetrarca, e Saulo. Enquanto adoravam o Senhor e jejuavam, disse o Espírito Santo: “Separem-me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado”. Assim, depois de jejuar e orar, impuseram-lhes as mãos e os enviaram.”- Atos 13:1-3

A mim, causa admiração como um texto tão curto pode conter tanta riqueza de informação inusitada e tanto dinamismo espiritual.

A começar pela citação desse homem, Manaém, contado como um dos profetas ou mestres da igreja de Antioquia, aquela mesma que acabamos de ver anteriormente como o berço do título dos seguidores de Cristo. Talvez Manaém reunisse em sua pessoa os dois ministérios de uma vez: mestre e profeta, o que seria perfeito. Por que destacamos Manaém? Por conta da informação que Lucas acrescenta ao seu nome, com isso chamando a atenção para sua relevância no grupo. Ele foi criado como irmão adotivo de Herodes Agripa. Em Roma, desprezava-se a nova doutrina, reputando-a como religião de servos, escravos. Contrariando isso, só nesta relação de líderes de Antioquia temos Barnabé, o próspero; Saulo, o sábio; e agora somos informados de que Manaém era da casa do rei Herodes, tendo sido criado com ele.

Saber quem e como foi Herodes, e o texto de Atos anterior a este o descreve como o tirano assassino de cristãos, vazio de todo e qualquer temor a Deus -tendo por isso mesmo sofrido um fim nada invejável como consequência de juízo divino -acentua o valor de Manaém, que tendo vivido sob as mesmas influências do mesmo ambiente, não foi impedido de converter-se num destacado e carismático servo do Senhor Jesus. Manaém no palácio de Herodes, à semelhança de Moisés na corte de Faraó, a despeito de toda aquela opulência e luxúria, foi encontrado pelo Espírito de Deus que o chamou à fé em Cristo. Não somente foi convertido, quanto cresceu na graça de Deus. Seu nome era um correlato grego para o nome de Barnabé. Barnabé significando filho da consolação, em hebraico, ou filho do profeta, da exortação; e Manaém, consolação. Embora neste grupo fiquem em destaque Barnabé e Saulo, por certo Manaém estava nivelado a eles em valores espirituais.

Em seguida, somos informados de que Manaém se juntava a Saulo, Barnabé, Simeão Níger e Lúcio para adorar a Deus com jejum. Era prática corriqueira entre eles o jejum na oração, porque o Espírito de Deus comunica a eles Sua vontade enquanto o fazem, e depois de conhecê-la, voltam ao jejum e oração para cumpri-la. Caráter espiritual, acima de prática. O que distingue uma prática ensejada por um carisma como celebração que define caráter espiritual, é a perseverança de seu comprometimento.

Carisma sem caráter é possível, mas ele não prevalece, porque a perseverança é moral. O carisma sem caráter dura o tempo de um culto, como um êxtase ou uma crise emocional. Mas quando o caráter espiritual está formado, então há mais que um momento, mais que um culto. Há uma forma permanente de viver as realidades espirituais, daí aqueles homens aqui apontados como adoradores que jejuavam. Não o faziam para a busca de um acontecimento, pois o Espírito de Deus serviu-Se dessa busca para comunicar Sua decisão, com certeza surpreendendo o grupo. E uma vez conhecida, ela foi cumprida sob os mesmos parâmetros de sua prática de fé. Adorar, orar e jejuar, era-lhes rotineiro, houvesse manifestação carismática ou não. A leveza com que Lucas descreve o ambiente testifica disto.

Destaca-se como pilares desse caráter por dentro do carisma, disciplinas de pouco uso hoje, ou quase desuso: oração, adoração, jejum e imposição de mãos, esta como um ato de cumplicidade espiritual para cumprir a soberana vontade de Deus.

Acredito que discípulos hoje, sobre tais pilares, conheceriam a mesma manifestação carismática que o Espírito de Deus estaria à vontade para operar. Se Ele pôde encher a vida de um Manaém criado no nicho da mundaneidade e riqueza, quanto mais não faria com vidas simples como nós?

Quando o Sonho é Realidade | Atos de Discípulos (18)

Atos 12:1-18.

Se ouvíssemos a narrativa deste extraordinário milagre por boca do seu protagonista Pedro, e não pela pena de Lucas, penso que ouviríamos algo  próximo ao que segue:

Nós estávamos entristecidos com a prisão e morte de nosso amado irmão Tiago,   a quem Herodes mandou matar à espada como forma de nos intimidar e fazer recuar de nossa missão de fazer discípulos em cumprimento ao que o Mestre determinara. Nos dias da festa que precede a Páscoa, resolvi ir ao templo participar das reuniões festivas, tanto para encorajar os irmãos, quanto para  provar aos nossos líderes religiosos que nos perseguiam, que nós  não deixávamos de ser judeus por seguir ao Senhor. Mas, infelizmente, Herodes viu que o povo judeu o aprovou pela prisão e morte de um de nossos líderes, e resolveu prosseguir com esse plano. Então, de repente, fui surpreendido pelo tumulto que um grupo de soldados provocou, afastando as pessoas enquanto vinha na minha direção. Deram-me ordem de prisão. Consegui sinalar com a mão para que os irmãos que comigo estavam não se manifestassem e de longe eles  me sinalaram também que estariam orando por mim. Apontaram para minha irmã  e para Marcos, meu sobrinho, e entendi que se reuniriam em casa deles em oração.

Com muita grosseria a soldadesca me levou à presença do rei que procurou se assegurar de que eu era quem diziam ser. Confirmei e ele declarou que eu estaria trancado a ferros até cessarem as festividades para me levar a julgamento  público. Eu sabia o que isso significava: o povo ser alvoraçado e ouvido como júri, o que resultaria em inevitável sentença de morte. Mas, isso de imediato me remeteu à memória do julgamento público de nosso Senhor, e meu coração se encheu de alegria e paz, pelo privilégio de seguir Seus passos na morte. E foi com esses sentimentos que me vi algemado a ferros presos a uma parede, que me deixavam muito desconfortável. Estou velho, e as energias não são mais vigorosas, e essas algemas não me deixavam dormir. Dois guardas me ladeavam  e outro tanto não paravam de falar e de me achincalhar, mas acabei vencido por um torpor de cansaço que me fez variar entre dormir e acordar, até que cercado por intenso silêncio, percebi que os soldados e as demais sentinelas adormeceram e de fato, dormiam profundamente.

Pensei ter caído em sono profundo, porque pareceu de repente que o dia amanheceu, mas apenas dentro da cela em que me amarraram; e um homem começou a me fustigar o lado, repetidamente, até que abri os olhos contra a claridade e vi que não se tratava de nenhum dos dois guardas, que continuavam dormindo. Era uma pessoa de paz, de bem, que me disse à meia voz: “Depressa, levante-se!” Mal tive tempo de pensar em como me levantaria sob o peso das algemas desconfortáveis quando elas se desprenderam e caíram de meus  punhos. Fiquei aturdido, pensando comigo: “Estou sonhando, ou tendo  uma  visão, como em Jope? Lá eu também ouvia uma voz!” E de novo ouvi o homem luminoso dizer: “Calce suas sandálias e vista-se!”. E continuou: “Ponha sua capa   e me siga!”. Ele conhecia cada um dos meus pertences! Eu olhei os soldados e eles pareciam longe, em profundo sono. Foi aí que comecei a agir automaticamente, porque não entendia nada daquilo como real, mas como me parecia: uma visão que só afetava a mim. No entanto, o bendito ser andou adiante e eu o segui, e passamos pelo primeiro e pelo segundo guarda externos, que também dormiam. Eu andava agora como que atraído a ele e me deparei com o imenso e pesado portão de ferro que dava para a cidade. De repente o anjo (agora eu entendia que só podia ser um anjo) passou pelo portão que se abriu sozinho para mim. E lá me vi eu, em plena rua, madrugada alta, frio da noite e escuridão. O anjo desapareceu tão fácil quanto surgiu e eu então entendi que nada era visão ou sonho, mas realidade pura e clara: eu estava livre da cadeia e em plena rua da cidade, a alguns quarteirões da casa de Maria, minha irmã.

A primeira coisa que me ocorreu foi: “Parece que o Senhor ainda precisa de mim por aqui”. Ato contínuo, decidi seguir para a casa de Maria, já que não havia ninguém me perseguindo. E cheguei ali. Bati à porta, mas ninguém atendeu. Vi iluminação no interior e ouvi o que me pareceu o som de pessoas orando. No dia seguinte seria a páscoa, e eu lembrei que os irmãos disseram que  estariam orando ali. Prestei mais atenção; encostei o ouvido e ouvi que de fato havia um grupo de pessoas em oração. Oravam por mim! Então comecei a chamá-los, à meia voz: “Irmãos, sou eu! O Senhor me libertou! O Senhor ouviu suas orações!” Porque me cortava o coração ver que choravam por mim, ainda abalados com o martírio de Tiago, por certo entendendo que eu teria a mesma sorte. Como eles não me ouviam, nem me atendiam, resolvi me unir a eles em oração, pelo lado de fora, e ali mesmo, junto à porta, comecei a orar e agradecer. Percebi que alguém se aproximou da porta, interrompi a oração e saudei quem ali chegou. Mas a pessoa se afastou. Minutos depois a porta se abriu, e pelo lado de fora eu vi que na casa havia um grupo grande de irmãos que oravam. Todos ficaram surpresos, aturdidos. Alguém falou pelo grupo: “Pedíamos ao Senhor que enviasse um anjo

para libertar você da cadeia. Quando Rode nos disse que ouviu sua voz à porta, alguém achou que o anjo solicitado a Deus veio até nós, em lugar de ir a você. Mas Rode insistia em dizer que era mesmo você. E aí está! O Senhor seja engrandecido! Como isso aconteceu, Pedro?” Então tive que detalhar o milagre, mas decidi não entrar, caso alguém viesse me procurar e isso poderia comprometer tanta gente. Portanto lhes disse que informassem disso o líder da igreja e demais irmãos, e saí dali depressa, deixando atrás de mim um grupo nada pequeno de irmãos que se regozijavam no Senhor, e encontravam consolo da morte de Tiago no milagre de minha libertação.

A conclusão a que cheguei é que o Senhor que havia encerrado a carreira de Tiago, assim como a de Estêvão, em cujas mortes consentiu, ainda não havia concluído a minha. A mesma igreja que orava por mim, havia orado por Tiago. Essa mesma igreja orou consciente de que podia submeter sua oração à vontade de Deus Pai, tal como Jesus ensinou. E foi isso o que aconteceu.

Notícias de Discipulado | Atos De Discípulos (17)

Atos 11: 19-30.

Eu convido você a fazer a leitura desse texto, que não cabe em nosso espaço aqui.

Ele me parece como um noticiário de TV. Se você o ler sob esta ótica, poderá constatar que parece mesmo o enunciado de manchetes fascinantes que espicaçam os sentidos espirituais. Pense comigo num âncora de telejornal, se fosse possível àquela época, comunicando as notícias nestes termos:

Últimas Notícias do Mundo Religioso:

Há cerca de um ano grande perseguição seguiu-se contra os discípulos de Jesus Cristo em Jerusalém, culminando na morte de Estêvão, diácono da igreja que lá se formou. Por conta da perseguição perpetrada contra eles, bom número fugiu para as cidades de Fenícia, Chipre e Antioquia onde procuraram refúgio. Dentre os refugiados encontravam-se judeus seguidores do Crucificado que começaram a pregar a outros judeus, sua nova fé. Mas havia também entre eles discípulos cipriotas e cirineus que resolveram, por sua vez, ensinar sua fé aos gregos e como resultado, grande número de gregos aderiu à nova doutrina, de tal forma que esta notícia foi levada de volta a Jerusalém, onde ainda se encontravam autoridades anciãs desse Caminho.

As autoridades de Jerusalém enviaram como observador a Antioquia, um de seus líderes, homem afamado por seu testemunho de fé e bondade, conhecido como Barnabé, alcunha que ganhou por ser dado a consolar pessoas, conhecidas ou não.

Barnabé reconheceu que de fato os gregos se tornaram tais como eles, os de Jerusalém, e partiu para Tarso, a fim de trazer como reforço para sua missão de discipular esses novos convertidos, a Paulo, outrora um dos perseguidores desses devotos, que acabou mudando de lado e passou a defender o que antes combatia. Tornou-se líder de destaque entre os seguidores do Nazareno. Agora, decorrido um ano inteiro de intenso trabalho desses dois homens junto aos conversos de Antioquia, vem à luz uma surpreendente informação: todos esses seguidores do Crucificado de Jerusalém passaram a ser conhecidos e apontados como pequenos cristos, ou como se tornou popular entre nós, cristãos. Surpreende ainda mais o fato de saber que tal alcunha depreciativa está sendo fortemente bem recebida pelos discípulos, que a adotam, como se fosse título honorífico, ainda que saibamos que significa ser tido como igual ao condenado por Roma como sedicioso.

Os responsáveis por essa estranha adaptação parecem ser os dois citados líderes, Paulo e Barnabé, que tanto persuadiram os novos seguidores a respeito do caráter de seu líder supremo, que estes decidiram incorporar os atributos Dele, entendendo-se identificados com Ele a ponto de se sentirem novos crucificados fora da cruz. Afirmam que o apelido lhes significa que assumem parecer com Jesus Cristo, o Nazareno, até mesmo na ignomínia de sua morte na cruz. Afirmam, outro tanto, que Ele vive neles, e entendem provar essa máxima por conta da ocorrência de milagres em suas reuniões, semelhantes aos que Lhe eram atribuídos quando Ele vivia na Galileia. Chegou-nos de última hora a informação de que um desses discípulos, tido por profeta, de nome Ágabo, vindo de Jerusalém, anunciou que grande fome se abaterá sobre o povo da Judeia, e para espanto geral de observadores externos, tal mensagem produziu tamanha comoção entre os discípulos de Antioquia, que de imediato se desprenderam de bens e recursos para providenciar remessa de suporte e ajuda aos seus correligionários da Judeia. Este fato prova, terminantemente e para espanto geral, que essa gente assume ser, sem sombra de dúvida e sob todos os riscos, o que se diz a seu respeito: cristãos.

De Anjos e de Homens | Atos de Discípulos (16)

Havia em Cesaréia um homem chamado Cornélio, centurião do regimento conhecido como Italiano. Ele e toda a sua família eram religiosos e tementes a Deus; dava muitas esmolas ao povo e orava continuamente a Deus. Certo dia, por volta das três horas da tarde, ele teve uma visão. Viu claramente um anjo de Deus que se aproximava dele e dizia: “Cornélio!” Atemorizado, Cornélio olhou para ele e perguntou: “Que é, Senhor?” O anjo respondeu: “Suas orações e esmolas subiram como oferta memorial diante de Deus. Agora, mande alguns homens a Jope para trazerem um certo Simão, também conhecido como Pedro, que está hospedado  na casa de Simão, o curtidor de couro, que fica perto do mar”. Depois que o anjo que lhe falou se foi, Cornélio chamou dois dos seus servos e um soldado religioso dentre os seus auxiliares e, contando-lhes tudo o que tinha acontecido, enviou-os  a Jope.” … “Os homens responderam: “Viemos da parte do centurião Cornélio. Ele é um homem justo e temente a Deus, respeitado por todo o povo judeu. Um santo anjo lhe disse que o chamasse à sua casa, para que ele ouça o que você tem para dizer”…“Assim, mandei buscar-te imediatamente, e foi bom que tenhas vindo. Agora estamos todos aqui na presença de Deus, para ouvir tudo que o Senhor te mandou dizer-nos”. – Atos 10:1-8; 22;33.

Acredito que o ponto de maior destaque nesta narrativa reside no fato de um anjo dizer a Cornélio que suas orações estavam diante de Deus como um memorial, e que, portanto, deveria ele procurar por Pedro a fim de ouvir o que ele tinha para dizer-lhe.

Algumas situações impõem-se na forma de questões: Por que orações em memória? Por que o anjo de Deus que trazia o que parecia uma resposta, nada diz a Cornélio acerca das coisas que ele ouviu de Pedro, ou seja, a Pedro foi delegada tal tarefa?

Não pretendo especular. Mas pensar nesses eventos de forma direta, encarando- os tais como se nos são apresentados.

Quanto à primeira questão, o texto nos diz que Cornélio era temente a Deus, ele e toda a sua casa. Conhecedor dos ensinamentos do judaísmo. Interessante  a forma como ele traduz para Pedro a experiência que teve quando da visita do  anjo. O anjo lhe havia dito: “Tuas orações e esmolas subiram como oferta  memorial diante de Deus”, e ele reproduz a fala, dizendo: “Deus ouviu sua oração e lembrou-Se de suas esmolas”. Concordo que não há sensível alteração numa forma ou outra, mas persiste a questão do memorial.

Todos nós, num ou noutro momento temos a sensação de que nossa oração a Deus fica sem resposta, em especial aquela que fazemos investindo na urgência. Nem tudo o que dizemos ou pedimos a Deus está calcado na urgência, mas maioria das vezes, sim. Quando nos parece que a resposta não veio, optamos via de regra por decidir que Deus não ouviu. Esta decisão é responsável maior parte das vezes pela inconstância das orações ou mesmo seu desuso por parte de grande parcela de cristãos.

Algumas situações impõem-se sobre nossa fé neste quesito:

  • Deus nunca está comprometido quanto a nos responder segundo nossa expectativa, mas sempre nos ouve conforme Sua vontade que é boa, agradável e perfeita. Por isso mesmo confiou ao Espírito Santo o interceder por nós, traduzindo nosso clamor (Romanos 8:26);
  • O tempo de Deus quanto à nossa história pessoal e suas circunstâncias, não está comprometido com nosso calendário;
  • Deus jamais deixa de ouvir-nos. Sua Palavra afirma: “Ó, Tu que escutas as orações…” (Salmo 65:2); e mais: Ele Se comprometeu a sempre ouvir – “Estarão atentos os meus ouvidos à oração que se fizer neste ..” (II Crônicas 7:15).

Depois, temos por certo que o memorial que dizia respeito às orações de Cornélio também nos alcança quanto às nossas, porque a resposta divina passa sempre e invariavelmente pelos Seus meios, formas, mecanismos, recursos e veículos. Foi o caso de Cornélio. Não sabemos o teor do que ele pedia, mas na resposta divina podemos depreender que tinha a ver com sua sorte espiritual, e da sua casa, quanto à vida eterna. E é então que pensamos na segunda questão: Por que Pedro e não o anjo mesmo que foi enviado, é quem teve de ir pregar a salvação em Jesus a Cornélio e sua família? Qualquer de nós preferiria ouvir um anjo a Pedro. O fenômeno nos é mais fascinante. Mas Deus age por meio da Igreja que Jesus formou e onde Seu Espírito atua.

Homens são os instrumentos estabelecidos por Deus para falarem da experiência de salvação, libertação e esperança eterna. Homens nos são idênticos, pareiam conosco. Homens, e não anjos, são transformados pelo poder regenerador do Espírito Santo do Novo Nascimento em Cristo.

Deus nos alcança por meio de cordas humanas. Deus nos alcança e nos torna novas cordas por quem alcança outros. Para o Deus Eterno seria muito fácil usar o anjo, em lugar de Pedro. O Anjo teve apenas que ir a Cornélio. Já Pedro precisou de todo um preparo prévio, com visões e arrebatamento, a fim de aprender uma nova doutrina, quebrar suas resistências religiosas e preconceituosas. Isso ainda incluía o uso de mensageiros, distância no espaço físico e no tempo, e entre a fala do Anjo a Cornélio e a resposta da oração através de Pedro, passaram-se quatro dias. Porque os homens procrastinam sempre. Damos trabalho para obedecer. Ainda assim, é a homens que Deus usa para falar das coisas eternas.

Nós preferimos anjos; mas Deus prefere homens, para nos falar a Seu respeito. O ministério dos anjos é guardar-nos (Hebreus 1:14); o ministério da Igreja feita de homens, é ensinar-nos.

Que Ele nos use e também Se sirva de muitos para falar aos nossos corações. E saibamos aprender a esperar sempre, no tempo de Deus. Ele ouve. Responderá.

Espírito e o Discípulo | Atos De Discípulos (14)

“Os que haviam sido dispersos pregavam a palavra por onde quer que fossem. Indo Filipe para uma cidade de Samaria, ali lhes anunciava o Cristo. Quando a multidão ouviu Filipe e viu os sinais milagrosos que ele realizava, deu unânime atenção ao que ele dizia. Os espíritos imundos saíam de muitos, dando gritos, e muitos paralíticos e mancos foram curados. Assim, houve grande alegria naquela cidade…No entanto, quando Filipe lhes pregou as boas-novas do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo, creram nele e foram batizados, tanto homens como mulheres. O próprio Simão também creu e foi batizado, e seguia Filipe por toda parte, observando maravilhado os grandes sinais e milagres que eram realizados… Um anjo do Senhor disse a Filipe: “Vá para o sul, para a estrada deserta que  desce de Jerusalém a Gaza”. Ele se levantou e partiu. No caminho encontrou um eunuco etíope, um oficial importante, encarregado de todos os tesouros de Candace, rainha dos etíopes. Esse homem viera a Jerusalém para adorar a Deus e, de volta para casa, sentado em sua carruagem, lia o livro do profeta Isaías. E o Espírito disse a Filipe: “Aproxime-se dessa carruagem e acompanhe-a”…Quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou Filipe repentinamente. O eunuco não o viu mais e, cheio de alegria, seguiu o seu caminho. Filipe, porém, apareceu em Azoto e, indo para Cesareia, pregava o evangelho em todas as cidades pelas quais passava.”  Atos 8:4-8, 12-13, 26-29, 39-40

O ambiente de Atos é o cenário do Espírito Santo. Ele ocupa o centro das ações como o protagonista do livro, de tal forma que muitos estudiosos disseram que o livro deveria se chamar “Atos do Espírito Santo”, porque, de fato é esta Terceira Pessoa da Trindade Santa Quem Se destaca e age, desde que é citada em 1:8 até o final da narrativa. Ele opera a Igreja e na Igreja. Nós O vemos agindo incessantemente e criando uma familiaridade com os discípulos que parece cumprir literalmente a promessa: “E eu pedirei ao Pai, e ele dará a vocês outro Conselheiro para estar com vocês para sempre” – João 14:16. E aí está Ele, fazendo esta missão de estar com a Igreja em substituição ao Senhor.  Outro,  aqui, parece funcionar como “também Este”. Ele decide, Ele faz acontecer, determina, convoca, potencializa: realiza! E a Igreja comporta-se ciente de que  não pode passar sem Ele.

Entra em foco outro discípulo: Filipe. Já tínhamos visto seu nome na diaconia, distinguido como um dos escolhidos por ser reconhecidamente cheio do Espírito.  E as cenas que ele desenha com sua vida e serviço, frisam para nós o que pode e faz o Espírito na vida do discípulo.

Duas vezes a narrativa salienta que Filipe era usado pelo Espírito para operar sinais milagrosos com grande destaque para cura. Mas antes de apontar para este fato que chamava a atenção dos ouvintes, destaca que ele pregava, o povo o  ouvia e cria. Pregava o evangelho. Pregava, e batizava os que criam. E com isso a gente percebe que o serviço deste discípulo estava marcado por esse trinômio: pregação, batismo e sinais milagrosos. Nesta ordem. O Espírito realizava todas estas coisas em Filipe, por meio dele e com ele. Mas há outra coisa a apontar  aqui: a movimentação de Filipe. Começa com esta singular forma  de mostrar como literalmente se cumpria nele o que Jesus ordenou: “Indo, façam discípulos”. Veja o texto, de novo: “Indo Filipe para uma cidade de Samaria, ali lhes anunciava o Cristo”. Uma vez em Samaria, Filipe não ficava num mesmo lugar, pois o texto diz que ele era seguido “por toda parte”, por Simão, o mágico. Depois o vemos seguindo para Gaza, tendo recebido orientação de um anjo para dirigir-se até lá, e antes de chegar, onde nem mesmo entra, encontra um oficial da Etiópia, prega-lhe o Evangelho e o batiza. Foi o Espírito que disse no ouvido de Filipe que se chegasse ao etíope. Ato contínuo, arrebata-o e o faz aparecer em Azoto, onde não fica, mas segue para Cesárea, e ali, “pregava o evangelho em todas as cidades pelas quais passava”. Todas as cidades pelas quais passava. O homem não cessava. O que desponta é esse movimento contínuo, sempre soprado pelo Espírito, de forma até assombrosa. Vai abrindo frentes, por onde passam outros e vão consolidando o seu trabalho iniciado.

A ação do Espírito na vida de Filipe testifica e autentica de forma literal a Palavra que Jesus comunicou a Nicodemos, deixando claro que essa palavra é pertinente e caracteriza todo, toda, que é nascido do Alto: “O vento sopra onde quer. Você o escuta, mas não pode dizer de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espírito”.- João 3:8. Temos o mau hábito de ler este texto fazendo transferência de seu significado. Transferimos e o reduzimos como pertinente a crentes que têm um chamado ministerial ou missionário. Isto parece adequar-se mais à ideia de que para Deus somente algumas pessoas podem ser movidas, deslocadas de seus enraizamentos. Deixamos de nos conscientizar de que o título “ministerial” dado por Jesus àqueles que são deslocados pelo Espírito é “nascidos do Espírito”. No entanto, lemos, cremos e confessamos que

“nascidos do Espírito” é característica imprescindível e determinante para que alguém seja de Cristo, cristão genuíno, discípulo.

O Espírito está livre e expansivo como o vento na vida do discípulo, para soprar nele e movê-lo quando e para onde quiser. É assim que Ele nos faz cumprir a determinação do Senhor: “Indo, façam discípulos”. Com sinais ou sem eles, pregando as boas novas. À semelhança de Filipe, nosso “indo” não tem que necessariamente ser um lugar aqui, outro acolá. Na atualidade, dentro desta geração entre a qual vivemos, nosso “indo” ocorre todos os dias. Nos dias de Filipe, percorrer três, quatro quilômetros para chegar a um povoado ou encontrar uma carruagem para contatar seu usuário, requeria uma intervenção sobrenatural de Deus, arrebatamentos, e tais. Hoje, nossos veículos, ônibus, táxis, Uber, avião, nos levam a distâncias antes impensáveis no decurso de horas, apenas. E cada um desses movimentos representa nosso “indo”. Se neles há um discípulo, por certo há o Espírito. Para ser um Filipe, resta ouvir Paulo: “Deixem-se encher!” E então o mais Ele fará!

O Discípulo e o Espírito | Atos de Discípulos (13)

“Estêvão, homem cheio da graça e do poder de Deus, realizava grandes maravilhas e sinais no meio do povo. Contudo, levantou-se oposição dos  membros da chamada sinagoga dos Libertos, dos judeus de Cirene e de Alexandria, bem como das províncias da Cilícia e da Ásia. Esses homens começaram a discutir com Estêvão. Mas não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava…Olhando para ele, todos os que estavam sentados no Sinédrio viram que o seu rosto parecia o rosto de um anjo… Mas Estêvão, cheio  do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a glória de Deus, e Jesus em pé, à direita de Deus, e disse: “Vejo os céus abertos e o Filho do homem em pé, à direita de Deus”. Mas eles taparam os ouvidos e, dando fortes gritos, lançaram-se todos juntos contra ele, arrastaram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas deixaram seus mantos aos pés de um jovem chamado Saulo. Enquanto apedrejavam Estêvão, este orava: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”. Então caiu de joelhos e bradou: “Senhor, não os  consideres culpados deste pecado”. E, tendo dito isso, adormeceu.” – Atos 6:8,9,10, 15; 7: 55-60.

Tanto à força do relato do livro de Atos que registra as palavras de nosso Senhor estabelecendo a fonte do poder de nosso testemunho cristão, quanto pela doutrinação aprendida nas epístolas de Paulo, estamos convictos de que para sermos discípulos de Cristo, legitimamente, precisamos viver cheios do Seu Espírito Santo. Realça-se o texto exortativo de Gálatas 5:25 – “Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito.”

Mas essa terminologia, “ser cheio do Espírito”, acabou caindo para a formatação de um slogan técnico-piedoso, se me faço entender, e recebeu, por conta disso, vinculações de significado fantasioso, que a deixou longe de seu sentido e comprometimento real. Hoje, até há alguns que cobiçam uma “vida no Espírito”. E há ainda outros que a buscam, mas ou desistem no meio do caminho, ou se assustam e recuam quando se dão conta de que nem tudo flui magnífica ou fantasticamente como pretendido.

Estêvão, aquele mesmo visto anteriormente como escolhido para a diaconia por ser cheio do Espírito, de fé e de sabedoria, serve como ilustração real para nós, dos efeitos prováveis de uma vida na plenitude do Espírito Santo de Deus.

Podemos sinalar os efeitos ministeriais desse revestimento testemunhal: “Estêvão… realizava grandes maravilhas e sinais no meio do povo”.

Podemos sinalar evidências desse caráter sob o revestimento testemunhal: “Mas não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava…Olhando para ele, todos os que estavam sentados no Sinédrio viram que o seu rosto parecia o rosto de um anjo”.

Quem não quer, como cristão genuíno, discípulo comprometido, estar cheio do Espírito e viver em tais dimensões? Todavia, chama a nossa atenção uma palavra devidamente bem colocada por Lucas na descrição de seu texto, em 6:9, que não apontamos anteriormente. Após descrever os efeitos do poder de Deus através de Estêvão, Lucas diz: “Contudo…” e passa a falar da oposição que tal poder  desperta entre seus observadores hostis. “Contudo” significa: apesar de, a despeito de, embora… E mais especificamente quanto a Estêvão, contudo pode significar legitimamente “por causa disso”. Paulo, noutro tempo disse a Timóteo: “De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos.”- 2 Timóteo 3:12. À luz desta palavra já ouvi crentes darem graças por não serem cheios do Espírito. Impossível não pensar que a Palavra em Hebreus 11:16, “…Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles…” não lhes pertence.

O que queremos ressaltar é que um discipulado cheio do Espírito pode traduzir-se em frutos dignificantes, experiências sobrehumanas, e virtudes incomuns; mas também reserva espaço para perseguição e até sofrimento, porque vivemos no mundo tenebroso e pisamos num terreno que nos é hostil. Mas conquanto a vida no Espírito possa custar tão alto preço, é ainda mais atraente, e sublima tudo e qualquer coisa quando, por conta disso mesmo, os discípulos cheios do Espírito podem ser tomados da convicção de que tal como Estêvão, em algum momento podem dizer: “…cheio do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a  glória de Deus, e Jesus em pé, à direita de Deus, e disse: ‘Vejo os céus abertos e  o Filho do homem em pé, à direita de Deus”. Só por isso, e acima de tudo, compensa dar ouvidos à exortação paulina que diz: “…mas deixem-se encher pelo Espírito” – Efésios 5:18. Amém.

Liturgia de Servo | Atos de Discípulos (12)

Naqueles dias, crescendo o número de discípulos, os judeus de fala grega entre eles queixaram-se dos judeus de fala hebraica, porque suas viúvas estavam sendo esquecidas na distribuição diária de alimento. Por isso os Doze reuniram todos os discípulos e disseram: “Não é certo negligenciarmos o ministério da palavra de Deus, a fim de servir às mesas. Irmãos, escolham entre vocês sete homens de bom testemunho, cheios do Espírito e de sabedoria. Passaremos a eles essa tarefa e nos dedicaremos à oração e ao ministério da palavra”. Tal proposta agradou a todos. Então escolheram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, além de Filipe, Prócoro, Nicanor, Timom, Pármenas e Nicolau, um convertido ao judaísmo, proveniente de Antioquia. Apresentaram esses homens aos apóstolos, os quais oraram e lhes impuseram as mãos. Assim, a palavra de Deus se espalhava. Crescia rapidamente o número de discípulos em Jerusalém; também um grande número de sacerdotes obedecia à fé.” – Atos 6:1-7

Estêvão, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timon, Pármenas, Nicolau. Sete homens, para prestar serviço de assistência social a mais de cinco mil pessoas. Muito mais. Inauguraram o que padronizou-se e tradicionalizou-se nas igrejas no passar dos séculos, como diaconia, ou corpo de diáconos. Paulo mesmo, quando organizava as igrejas por ele inauguradas onde passava, preocupava-se a dar seguras orientações quanto a esse ministério que não podia faltar na igreja estabelecida.

Hoje encontramos igrejas com menos de duzentos participantes, no entorno de  um corpo diaconal formado muitas vezes por uma dezena de diáconos. Penso na objetividade do serviço na igreja de Jerusalém, fazendo inevitável comparação. Milhares de pessoas assistidas em suas necessidades diárias por sete homens apenas? Eles davam conta? Era bastante? O serviço era pouco? (Entre milhares…). O texto expõe que o trabalho deles era servir às mesas (está no plural) e para suprir as famílias em suas necessidades básicas. Diariamente.

Mas o que me chama a atenção é o critério adotado para eleger esses sete. E o fato de que dentre eles, dois sobressaíram e fizeram história na igreja através de seus testemunhos: Estêvão e Filipe.

A escolha seria feita pelo povo debaixo de um processo dedutivo de observação. Seria necessário nomear alguns (quantos? Eles delimitaram, e por isso o fruto da

observação resultou em sete nomes, apenas). E o que deveriam observar? Que para servir no corpo de Cristo, os homens só poderiam ser escolhidos dentre os que apresentassem este trinômio de virtudes: bom testemunho, cheios do Espírito e de sabedoria. Não bastava bom testemunho? Não. Impossível dar bom testemunho sem estar cheio do Espírito Santo, pois Jesus havia dito (Atos 1:8)  que para ser testemunha era necessário estar cheio do Espírito. Outro tanto, estar cheio do Espírito precisa estar cingido à sabedoria, porque o poder espiritual desprovido dela, transforma o carisma em mau caráter. E falta de sabedoria jamais atesta bom testemunho, logo o trinômio era um cordão de três dobras indissociáveis.

Isso tudo para servir às mesas. Penso no que a Igreja deveria esperar dos que para além destes, tinham de manter o encargo do “ministério da Palavra de Deus!” Penso comigo, com temor e sem sarcasmo, apenas compartilhando um pensamento, que se as igrejas desta geração pudessem guarnecer-se de ministradores da Palavra sob tais critérios, que tipo de diaconia elas teriam? Porque a mim parece que os valores para a liturgia foram estabelecidos nesta ordem: a partir daqueles para esses.

E que diáconos! Um morre como mártir, vendo o céu se abrir e contemplando ali o Senhor Jesus! O outro é visto tempos depois, sendo levado pelo Espírito de Deus como instrumento de um grande avivamento na cidade de Samaria, e em seguida descendo até Gaza onde batiza um ministro do governo da Etiópia. Imagino um homem desses em nossos púlpitos. Imagino os que por ele foram servidos às mesas, na comunidade de Jerusalém, que talvez sequer se apercebessem que naquele ofício simples de distribuir víveres, estava o embrião de um evangelista a quem Deus usaria para fazer… o quê?: Servir no ministério da Palavra de Deus.

Em resumo, penso com meus botões, que, o critério de escolha tinha de ser de tal quilate, porque tanto quanto nos ministrantes da Palavra estava a verve do servir, quanto no serviço diaconal estava a verve do ministrar a Palavra. Porque Deus vê os serviços no mesmo nível. É liturgia, serviço ao Corpo de Cristo. Porque o Espírito é o Mesmo. Quem muda é o homem.

Deus “Tateado” | Atos De Discípulos (11)

O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor dos céus e da terra e não habita em santuários feitos por mãos humanas. Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas. De um só fez ele todos os povos, para que povoassem toda a terra, tendo determinado os tempos anteriormente estabelecidos e os lugares exatos em que deveriam habitar. Deus fez isso para que os homens o buscassem e talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de nós. ‘Pois nele vivemos, nos movemos e existimos’, como disseram alguns dos poetas de vocês: ‘Também somos descendência dele’. “Assim, visto que somos descendência de Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante a uma escultura de ouro, prata ou pedra, feita pela arte e imaginação do homem. No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam. Pois estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio do homem que designou. E deu  provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os mortos”. – Atos 17:24-31

Este extraordinário discurso de Paulo no areópago de Atenas tem o valor de um credo, uma bula confessional. Há nele uma boa quantidade de assertivas, que revela a natureza e o propósito do Deus Eterno, capaz de admirar qualquer inquiridor sincero das coisas espirituais. Deter-nos sobre cada uma é atraente,  mas tarefa que exige muito espaço. Uma, no entanto, merece um destaque especial pelo que traz de incomum. Repare: “Deus fez isso para que os homens o buscassem e talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de nós”. Primeiro, importa salientar a que ele se refere por “Deus fez isso”. Ele afirmou: Deus fez o mundo e todos os povos a partir de um só, tendo determinado tempo e lugares exatos em que deveriam habitar. E então, depois de dizer o que Deus fez, afirma por que o fez: para que esses homens O buscassem. E nos surpreende com a sentença: “talvez, tateando, pudessem encontrá-Lo…”

Ora, importa considerar que o apóstolo não está afirmando que Deus possa ser encontrado por meio de um apalpar, tatear, como quem anda em trevas e não consegue ver o que procura. Pois afirma categoricamente que Deus está perto, à mão, para ser achado por quem O busque. O “talvez” ou “ainda que”, de que se serve o apóstolo, tem por finalidade que os buscadores de Deus podem ter tal pretensão, mas o Deus Eterno está acessível, não brinca de “esconde-esconde”.

É o homem, como aqueles curiosos filósofos de Atenas, quem opta por tatear, para estabelecer uma busca em seus próprios termos. Sabemos que o Deus Eterno nos enviou Seu Filho como o Caminho, e a Porta de livre acesso à Sua presença e glória. Mas em geral as pessoas preferem criar atalhos. Um adágio popular assume que “todos os caminhos levam a Roma”, para significar também que “todas as religiões levam a Deus”. Atalhos não aproximam ninguém de Deus. Antes afastam.

Por conta disso, destaco um fato histórico de uma buscadora, nos dias de Cristo que pretendeu se aproximar Dele, tateando. É a história narrada nos três primeiros evangelhos, a respeito da mulher que sofria havia doze anos, de uma hemorragia que nenhum médico curava. A narrativa do evangelho de Marcos diz que ela ouviu falar de Jesus, e decidiu que podia chegar até Ele, tocá-Lo, ser curada, e fazer tudo isso ocultamente, sem se expor. Decide que vai chegar por detrás Dele, tocar na orla de Suas vestes, lá nas franjas, abaixadinha, para não ser percebida. Tanto que o fez, e pensou ter saído incógnita. Ninguém a viu aproximar-se. Ela literalmente tateou até encostar em Sua roupa. Não tocou em nenhuma parte do Seu corpo. Na roupa, e no extremo dela. Mas isso foi suficiente para que Ele dissesse: “Alguém me tocou”. O que nos surpreende é que tal afirmação foi precedida de uma pergunta: “Quem me tocou?” O texto continua e afirma que a mulher ao ver que não podia manter-se escondida, se expôs. Ora, o Jesus que aqui pergunta “Quem?”, é o mesmo que diz a Natanael quando o encontra: “Eis aí um israelita sem dolo” e quando o moço se espanta perguntando: “De onde me conheces?” Como quem diz: “Nunca nos vimos antes”, Jesus o surpreende dizendo: “Antes que Felipe te achasse, eu te vi debaixo da figueira”.  É  este mesmo Jesus com tal poder onisciente, que agora questiona: “Quem me tocou?”. Somos de imediato levados a comparar esta cena com aquela dos primórdios, após a queda de Adão , em que o Deus Onisciente lhe pergunta: “Onde estás?”. Nosso conhecimento dos atributos divinos não nos permite ver conteúdo real para esta questão. Ela pretende provocar uma resposta. A mesma coisa se passa entre Jesus e aquela senhora enferma. Ele a força a expor-se, e feito isto, aproximar-Se. E mais: a partir do momento em que ela se apresenta, expõe-se, Ele tanto Se aproxima quanto a aproxima de Si, ao chamá-la carinhosamente de “filha”. Este é um termo raro no trato de Jesus com os Seus.

Este fato histórico ilustra para nós, minimamente, quanto é verdadeira a afirmação de Paulo de que o Senhor está perto dos que O buscam, mas os quer procurando-O abertamente, sem subterfúgios, sem terceirizar a busca, fora de seus termos racionais, mas segundo Seus meios revelacionais. Daí Ele não ter

deixado aquela mulher sair, levando sua cura, sob o risco de fundar uma nova  seita que apregoasse a possibilidade de achá-Lo e segui-Lo pelo tato, às apalpadelas, segundo seu imaginário ditando meios à força das necessidades, de forma a pretender que bastaria chegar escondida, tocar em uma relíquia que O represente, e sair incógnito, sem nenhum envolvimento pessoal e direto. Não. O Filho de Deus queria revelar àquela mulher que não basta chegar perto e se servir, e sair satisfeita com o resultado de suas tentativas de aproximação. Ele revelou  por fim, que Quem quer tocá-Lo deve vê-Lo de frente, expor-se, porque Seu propósito é fazer dos buscadores filhos diletos, numa relação pessoal e aberta  com Ele, onde se possa dizer, muito mais que “se tão somente eu tocar em Sua veste”, um “Aqui estou. Sou eu. Eu mesmo, que te busco e quero ser visto por Ti”. Sem tatear, mas diretamente, diálogo aberto e franco. Face a face, usando a mesma fé para dizer sem medo: Preciso de Ti.

Por fim, aprendemos que quem pretenda se achegar tocando naquilo que O representa, apenas tateia. Limita-se a ser visto por Ele como um pronome:  “quem”; “alguém”. Mas os que O buscam abertamente e a Ele se expõem, são surpreendidos por uma solene declaração: “Filho!”

Se Esta Obra For De Deus… | Atos De Discípulos (10)

Então o sumo sacerdote e todos os seus companheiros, membros do partido dos saduceus, ficaram cheios de inveja. Por isso, mandaram prender os apóstolos, colocando-os numa prisão pública. Mas durante a noite um anjo do Senhor abriu as portas do cárcere, levou-os para fora e disse: “Dirijam-se ao templo e relatem  ao povo toda a mensagem desta Vida”. Ao amanhecer, eles entraram no pátio do templo, como haviam sido instruídos, e começaram a ensinar o povo. Quando chegaram o sumo sacerdote e os seus companheiros, convocaram o Sinédrio— toda a assembleia dos líderes religiosos de Israel—e mandaram buscar os apóstolos na prisão. Todavia, ao chegarem à prisão, os guardas não os encontraram ali. Então, voltaram e relataram: “Encontramos a prisão trancada com toda a segurança, com os guardas diante das portas; mas, quando as abrimos   não havia ninguém”…Nesse momento chegou alguém e disse: “Os homens que os senhores puseram na prisão estão no pátio do templo, ensinando o povo”…Tendo levado os apóstolos, apresentaram-nos ao Sinédrio para serem interrogados pelo sumo sacerdote, que lhes disse: “Demos ordens expressas a vocês para que não ensinassem neste nome. Todavia, vocês encheram Jerusalém com sua doutrina e nos querem tornar culpados do sangue desse homem”. Pedro e os outros apóstolos responderam: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens! O Deus dos nossos antepassados ressuscitou Jesus, a quem os senhores mataram, suspendendo-o num madeiro. Deus o exaltou, elevando-o à sua direita como Príncipe e Salvador, para dar a Israel arrependimento e perdão de pecados. Nós somos testemunhas destas coisas, bem como o Espírito Santo, que Deus concedeu aos que lhe obedecem”. Ouvindo isso, eles ficaram furiosos e queriam matá-los. Mas um fariseu chamado Gamaliel, mestre da lei, respeitado por todo o povo, levantou-se no Sinédrio e pediu que os homens fossem retirados por um momento. Então lhes disse: “Israelitas, considerem cuidadosamente o que pretendem fazer a esses homens…Portanto, neste caso eu os aconselho: deixem esses homens em paz e soltem-nos. Se o propósito ou atividade deles for de origem humana, fracassará; se proceder de Deus, vocês não serão capazes de impedi-los, pois se acharão lutando contra Deus”. Eles foram convencidos pelo discurso de Gamaliel.”- Atos 5:17-18, 20-35, 38-42.

Este é o trecho em que somos pela primeira vez apresentados a Gamaliel. Vamos ouvir falar dele de novo, por Paulo, muitos anos mais tarde, quando o aponta  como seu principal mestre entre os fariseus, e o faz, enfatizando a honra usufruída

por ter sido seu discípulo (Atos 22:3). Neste quesito percebemos no entanto, que Paulo não foi bom aluno, pois a natureza e a filosofia de Gamaliel eram: “perseguição não”, e o Saulo que surge após os anos de aprendizado é o principal perseguidor da Igreja. Mas, felizmente, mau discípulo de Gamaliel como Saulo, agora como o Paulo, ele veio a tornar-se um dos melhores discípulos do Senhor Jesus.

Mas nossa ênfase está no poder do discurso de Gamaliel. Em que ele pode ser percebido como poderosamente persuasivo? No fato de dobrar a cerviz dos religiosos de Jerusalém, que estava endurecida por ódio maligno no coração. Algumas coisas extraordinárias aconteceram entre eles, milagres de impactante evidência, como a soltura misteriosa dos apóstolos, mas eles resistiram como cegos e surdos à manifestação do poder de Deus. Os apóstolos, uma vez postos no cárcere por aquela gente, e fortemente guardados e vigiados em sua prisão, são extraordinariamente libertos dela pelo agir de anjos. A cena chega mesmo a ter resquícios de humor quando a vemos em seus detalhes, porque as autoridades religiosas os mandaram prender e foram para casa, sob o compromisso de ter como primeira pauta de sua reunião na manhã seguinte, o confronto e julgamento dos presos. Enviam, por conseguinte, os guardas para buscarem os prisioneiros  na cadeia, que em lá chegando, ordenam às sentinelas que os retirem para levá- los ao Sinédrio. E as sentinelas voltam de mãos vazias. O relato é divertido: “As portas estavam trancadas; as sentinelas estavam em seus postos, mas do lado de dentro não havia ninguém.” Em outras palavras, presos mesmos eram os carcereiros que guardaram o cárcere vazio a noite inteira. Em meio ao relato chega alguém e diz: “Os presos estão soltos. E lá no templo, falando como ontem”.

Houve um interregno em que eles saindo da cadeia, passaram juntos a noite, esperando o dia amanhecer para cumprirem a ordem angélica de ir ao Templo  falar “as coisas desta Vida”. Acredito que juntos celebravam o milagre, ansiando pela manhã de serviço.

Feita esta digressão, atentemos ao fato de que o ódio no coração daquela gente “santa” os impediu de verem o milagre e temerem. Impediu-os de crer no  eloquente discurso de Pedro que lhes dizia: “O Deus dos nossos antepassados ressuscitou Jesus, a quem os senhores mataram, suspendendo-o num madeiro. Deus o exaltou, elevando-o à sua direita como Príncipe e Salvador, para dar a Israel arrependimento e perdão de pecados”. Gosto particularmente da ênfase: “Deus o exaltou…para dar a Israel arrependimento e perdão de pecados”. Acredito que Calvino se empolgou com esta ênfase aqui.

Mas aquela gente capitulou não ao milagre, nem à pregação de Pedro. Foi ao discurso simples de Gamaliel. O texto diz que eles ouviram e atenderam. O discurso se resumiu em dizer, trocando em miúdos: “Dêem um tempo para ver. Se for de Deus, prevalecerá. Se não for, cessará. Cuidado, porque se for de Deus, vocês descobrirão que lutaram contra ele”.

Aí está uma verdade que mais de dois mil anos de pregação cristã atestam. De grupos a indivíduos, tudo que procede de Deus, vence os desafios e o tempo. Medra, mesmo a partir de um único grão, e cresce. Algumas vezes a colheita é feita após longa data e por outros que não a semearam. De igual forma, em sua sabedoria Gamaliel afirmou outra assertiva: o que não foi por Deus estabelecido, perece, finda, cessa, antes de frutificar. Mas com as assertivas, o mestre fariseu também fez uma advertência: é possível lutar contra uma obra e obreiros de Deus. Todavia se a obra procede Dele, toda luta humana será achada contra Ele. Foi exatamente o que Saulo, discípulo dele, ouviu e experimentou em sua pele, quando indo a Damasco: “Por que me persegues?”.

Penso por fim, que Gamaliel deu seu sábio parecer, por ter feito a observação que o ódio religioso não deixou que os demais percebessem. Houve um livramento milagroso, logo Deus estava naquele negócio. Também acredito que Gamaliel atentou à pregação de Pedro, e temeu. Se assim foi, o Gamaliel que discursou após Pedro, já falou a favor do Reino. Você pensa como eu, que após ouvir a pregação ele possa ter crido? Sabemos, pelo menos, que seu discurso comprova- se como verdade: quando a obra procede de Deus, prevalece, porque é Deus Quem a realiza.

Sombra Eficaz | Atos De Discípulos (9)

Os apóstolos realizavam muitos sinais e maravilhas no meio do povo. Todos os que creram costumavam reunir-se no Pórtico de Salomão. Dos demais, ninguém ousava juntar-se a eles, embora o povo os tivesse em alto conceito. Em número cada vez maior, homens e mulheres criam no Senhor e lhes eram acrescentados, de modo que o povo também levava os doentes às ruas e os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns, enquanto ele passava. Afluíam também multidões das cidades próximas a Jerusalém, trazendo seus doentes e os que eram atormentados por espíritos imundos; e todos eram curados.” – Atos 5:12-16.

A narrativa de Lucas está cheia de evidente entusiasmo. Não era para menos. Havia um alvoroço benéfico, porque agora, os milagres antes concentrados na Pessoa de Jesus, multiplicavam-se através dos apóstolos de forma incessante e num crescendo contínuo. E então, tanto quanto nos dias de Jesus as multidões afluíam ávidas por se beneficiarem dos milagres de cura, agora não menos. Mas depressa alguns excessos são criados pelo povo, que não se comportou de forma semelhante nos dias de Cristo. O povo começava a criar suas próprias fantasias a respeito dos eventos incomuns que ocorriam. A ênfase estava no milagre das curas de enfermidades. É sui gêneris o relato: “O povo também levava os doentes às ruas e os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns, enquanto ele passava”.

Uma leitura menos atenta desta narrativa, pode levar alguém a concluir que essa proposta surtia efeito, que a pretendida cura ocorria por essa via. O texto não afirma isso. Antes faz recair sobre o povo e não sobre Pedro ou os demais apóstolos, a hipótese do benefício almejado. A conclusão do versículo 16 só se refere ao versículo 16. Não diz respeito ao v.15. O fato do povo pretender que a sombra de Pedro se projetasse sobre enfermos colocados em macas no entorno de sua passagem, não implica em resposta positiva ou benéfica para eles. Sequer o texto aventa essa possibilidade. Era uma superstição popular criada à força da necessidade e do entusiasmo. E a ênfase dessa expectativa correr em direção à pessoa de Pedro, o decano do grupo, só faz atestar que não passava de superstição popular ainda que forjada sob impulsos piedosos.

Lucas descobriu a motivação do povo, e eu penso no que sentiria Pedro ao ser informado de tal expectativa!

Mas, em contrapartida, sempre me sensibilizei por esse jogo de palavras que este único ponto da narrativa encerra. Quando Lucas escreve: “Ao menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns”, ocorre-me que aquele desejo popular aponta para um compromisso que envolve todos nós, discípulos da atualidade. A sombra projetada traduz a ideia de uma influência que alcança quem sob ela se coloca. Conquanto seja irreal a perspectiva de uma sombra física produzir cura, isso não impede que sua figuração, ou imagem figurada, seja eficaz. Todos nós projetamos sombra, se estamos sob a luz. E a Igreja que é luz, nas palavras de Cristo, luz do mundo, outro tanto o é, e só o é, porque está colocada debaixo dEle, que é a verdadeira luz: “Eu sou a luz do mundo” (João 8:12 e 9:5). E então, projetamos sombra. A sombra refrigera, e também delineia em seu espectro, a identificação do objeto real. Quanto mais próxima à luz, mais nítida e melhor definida ela é.

Nossa sombra projetada, figuradamente pode ser muito mais eficaz do que o pretendido pelo povo nas ruas de Jerusalém quanto à sombra física de Pedro. A sombra projeta-se de nós e cobre outros. Foi dito pelo Senhor que “o justo é um guia para o seu companheiro”, e é onde eu vejo nossa sombra projetando-se de forma positiva e eficaz sobre nossos circundantes, aqueles que interagem conosco no cotidiano.

É incomum sermos procurados pela possibilidade de uma influência eficaz, mas sempre que isso ocorre, o episódio narrado em Atos 5 se repete em nosso devir de discípulos do Senhor.

Foi Pedro quem nos recomendou que devemos estar sempre preparados para responder a qualquer que nos pedir a razão da esperança que há em nós. Com isso ele nos fala da possibilidade dessa busca consciente da parte de outros, pela projeção de nossa sombra sobre suas vidas. E toda vez que essa procura acontece, é bastante provável que nosso testemunho cristão esteja pontuando algo próximo àquilo que há de redundar na glória de Deus através de nossas vidas.

A Contra-Corrente | Atos De Discípulos (8)

José, um levita de Chipre a quem os apóstolos deram o nome de Barnabé, que significa “encorajador”, vendeu um campo que possuía, trouxe o dinheiro e o colocou aos pés dos apóstolos. –Atos 4:31(ARC)

Um homem chamado Ananias, com Safira, sua mulher, também vendeu uma propriedade. Ele reteve parte do dinheiro para si, sabendo disso também sua mulher; e o restante levou e colocou aos pés dos apóstolos. Então perguntou Pedro: “Ananias, como você permitiu que Satanás enchesse o seu coração, a ponto de você mentir ao Espírito Santo e guardar para você uma parte do dinheiro que recebeu pela propriedade? Ela não pertencia a você? E, depois de vendida, o dinheiro não estava em seu poder? O que o levou a pensar em fazer tal coisa? Você não mentiu aos homens, mas sim a Deus”. Ouvindo isso, Ananias caiu morto. Grande temor apoderou-se de todos os que ouviram o que tinha acontecido. Então os moços vieram, envolveram seu corpo, levaram-no para fora e o sepultaram. Cerca de três horas mais tarde, entrou sua mulher, sem saber o que havia acontecido. Pedro lhe perguntou: “Diga-me, foi esse o preço que vocês conseguiram pela propriedade?” Respondeu ela: “Sim, foi esse mesmo”. Pedro lhe disse: “Por que vocês entraram em acordo para tentar o Espírito do Senhor? Veja! Estão à porta os pés dos que sepultaram seu marido, e eles a levarão também”. Naquele mesmo instante, ela caiu morta aos pés dele. Então os moços entraram e, encontrando-a morta, levaram-na e a sepultaram ao lado de seu marido. E grande temor apoderou-se de toda a igreja e de todos os que ouviram falar desses acontecimentos.”- Atos 5:1-11 NVI

Um homem e um casal são postos em evidência para formarem contraste de comportamento e caráter: Barnabé e Ananias com sua esposa Safira. O nome de Barnabé é colocado no final da narrativa que registra o espírito e comportamento da igreja em seu nascedouro. Ele é destacado para ilustrar o que estava sendo  dito quanto ao desprendimento e generosidade do povo a favor de todo o Corpo,   a Igreja. Em contrapartida desponta-se o casal como uma célula maligna dentro daquele corpo, contrariando e quebrando todo o espírito. Indo na contramão do fluxo do Espírito, para produzir o culto aparente que destaca o cultuador, em lugar de Quem é cultuado.

Destacam-se também como promitentes doadores, mas a ação é denunciada como falsa, apenas uma aparência de piedade, e para se fazerem passar como

desprendidos, generosos e participativos, mentem, usam de engano. O juízo de Deus e a forma como ocorreu, surpreendem. Eles não foram apenas denunciados e repreendidos. Foram extirpados do grupo. A pergunta que se levanta hoje, quando temos tanta leniência no trato com comportamentos assemelhados na igreja é: o que a atitude do casal representou, de fato, que exigiu tão drástico juízo? O nome de Barnabé não entrou aqui à toa.

Pelo discurso de Pedro vemos que ninguém estava obrigado a contribuir, menos ainda a se desfazer de tudo a favor de todos. Era uma ação exclusiva do Espírito Santo nos corações, e isso se traduzia em unidade. Barnabé era rico e se desprendeu de tudo. O casal não era rico, mas foi miserável e enganador, quebrando a unidade. A unidade quebrada gera interrupção do fluxo do poder de Deus, contraria o espírito de Corpo que define a Igreja. Faz-nos pensar que Deus não tolera a falsa promessa, o falso voto.

Tentar entender ou achar uma justificativa plausível para a fatalidade ali ocorrida, pode nos levar a sérios equívocos ou a uma pretensa necessidade de justificar a ira divina. Sequer sabemos se os dois foram fulminados por efeito de ira divina. Pode ter sido a reação da justiça de Deus. Mas podemos alinhavar algumas coisas:

Tal punição numa mais ocorreu, mesmo em face de pecados escandalosos como  o descrito em I Coríntios 5:1. É significativo que essas mortes não colheram Pedro de surpresa. Após o incidente com Ananias, ele estava seguro de que o mesmo juízo ou ira, cairia sobre a mulher, Safira.

Também é significativo apontar que essas fulminações aconteceram nos mesmos moldes dos milagres anteriores, produzindo os mesmos efeitos: o temor, que o poder de Deus despertava.

Não menos curioso é o fato de que a morte vem como punição, num contexto em que até hoje parece contradizer nosso entendimento da graça: perdoadora  sempre. E os que vivem e pregam a graça barata, preferem entender que ela perdoa mesmo quando não há arrependimento. Ledo engano!

Penso, por fim, que a morte do casal foi emblemática: morreram os dois, não exatamente por conta do engano perpetrado, ou mentira ou pela hipocrisia espiritual. Não foi tanto a natureza do erro, mas seu significado: era um fogo estranho oferecido no altar, com a pretensão de ser o mesmo fogo que Deus havia acendido pelo Seu Espírito. Mas apenas fingia ser o fluxo natural do agir do Espírito Santo na Igreja. E tanto quanto os filhos de Arão no passado, eles  também foram fulminados, para que Deus advertisse os filhos da graça quanto a saber que, fogo estranho no serviço da fé, fruto de engano, estereótipo de  “piedade com eficácia negada”, recebe dEle fulminação. Fulminação que  se  traduz em mortes invisíveis, não percebidas nem sentidas de imediato, mas ainda assim por Ele operadas e para Ele visíveis e reais, e com desdobramento futuro, previsto por Jesus quando disse: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês que praticam o mal!”- Mateus 7:21-23.

E assim, o Senhor da Igreja continua cumprindo a Palavra do Salmo 101:7(ARC) – “O que usa de engano não ficará dentro da minha casa…”

A Voz que Opera por Dentro | Atos De Discípulos (7)

Depois de orarem, tremeu o lugar em que estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam corajosamente a palavra de Deus. Da multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração. Ninguém considerava unicamente sua coisa alguma que possuísse, mas compartilhavam tudo o que tinham. Com grande poder os apóstolos continuavam a testemunhar da ressurreição do Senhor Jesus, e grandiosa graça estava sobre todos eles. Não havia pessoas necessitadas entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o colocavam aos pés dos apóstolos, que o distribuíam segundo a necessidade de cada um.”- Atos 4:31-35.

Todos os que pretendem estabelecer pontos doutrinários ou dogmas sobre o texto de Atos dos Apóstolos (que não tem esse propósito), confundem-se ou cometem erros sérios. O livro tem o compromisso de ser um documento histórico, narrando a vida da igreja nos seus primeiros dias a partir de sua manifestação visível no contexto da sociedade da época. Por isso quando lemos textos como este acima, nós, militantes da Igreja de Cristo desta geração, sentimos uma sensação de vazio, de perda de posição no exercício da vida cristã em comunidade, porque nos comparamos ao comportamento daqueles irmãos e percebemos como estamos defasados não só da realização quanto da possibilidade dela em nosso contexto moderno. Por conta disso, houve alguns, e ainda os há, que tiveram a pretensão de reproduzir essa realidade da koinonia aqui descrita, tentando criar um equivalente a comunismo eclesiástico, ao qual deram nomes pomposos, sobre o que escreveram livros volumosos, em princípio atraentes, para provarem no fim das contas que o que faziam não passou de utopia desnecessária. E o fizeram com escopo doutrinário.

O equívoco se deu na forma, na tentativa de copiar a forma, que distante de nós no tempo, tornou-se inviável na práxis da igreja que explodiu em multidões confinadas em suntuosos espaços de culto, alguns reputados por catedrais, onde a prática evangélica assumiu um caráter piedoso, tipo sócio-cultural-religioso. Mas eficaz ainda, em sua proposta kerigmática. Tentar copiar aquela forma é minimamente infantil, e forçá-la é incorrer no falso, fora do texto que diz: “Não por força nem por violência, mas pelo Meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos”. A forma só se aplicava àqueles dias, e ainda à comunidade de discípulos que se organizou em Jerusalém.

A partir da diáspora dos discípulos, não mais; porque desnecessária se tornou a forma, mas eles levaram e semearam a sua essência. É bastante ler as cartas de Paulo, em especial a de I Coríntios capítulo 11, para constatar que a igreja passou a se reunir em casas diversas, ou como em Éfeso e em Corinto, em lugar reservado com dia marcado. Em Jerusalém eles ficaram por ali mesmo. Mudaram radicalmente sua situação social, movidos pela esperança de uma parousia iminente, mas o preço que pagaram, produziu a essência da unidade que Paulo depois exortou aos crentes de Éfeso e de Filipos, que deveria ser perseguida e mantida: “Façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.” – Efésios 4:3; “Se por estarmos em Cristo nós temos alguma motivação, alguma exortação de amor, alguma comunhão no Espírito, alguma profunda afeição e compaixão, completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude.”- Filipenses 2:1-2.

A unidade espiritual, tão propalada por Paulo em Efésios 4, e aqui em Filipenses bem detalhada, é a essência daquilo cuja forma atrai e tanto faz pensar aos crentes sinceros que observam questionáveis, comparando, a prática da igreja de Jerusalém dos primeiros dias. Jesus repetidamente a suplicou ao Pai quando orou pela igreja que se formaria a partir dos Seus discípulos: “Que todos sejam um”; “que sejam perfeitos em unidade”. Deixou claro que esse seria um eloquente testemunho da fé nEle, no coração crente, dizendo em João 17 que nessa unidade da igreja todos saberiam que Ele, o Senhor, tinha sido enviado pelo Pai (v.23).

Unidade não é ajuntamento, forma. Não representa nem se deixa representar por multidões em ajuntamento político-religioso fazendo marchas ou gritando palavras de ordem, nosso conhecido evangeliquês, pelas ruas. A começar pelo fato de que por unidade não devemos entender proximidade física, localidade. A unidade só pode ocorrer, e continua a sê-la a despeito de distâncias geográficas (pensemos em missionários em campos distantes, cobertos pela oração e sustento de suas igrejas mantenedoras) quando se traduz nas demais manifestações essenciais apontadas pelo apóstolo, como vimos no texto acima: “mesmo modo de pensar, mesmo amor, um só espírito e uma só atitude”, e deixa claro que isso só é possível se “estivermos em Cristo e isso for para nós motivação, exortação de amor, comunhão no Espírito, profunda afeição e compaixão”.

É interessante notar no texto histórico, que a narrativa de Lucas quanto a essa unidade da igreja que se revelou tão explícita e factual, foi colocada entre algumas expressões superlativas: “cheios do Espírito Santo” eles pregavam, e o que isso produzia era “da multidão dos que creram, uma só mente e um só coração”. E continua com os superlativos: “Com grande poder os apóstolos continuavam a testemunhar” e “grandiosa graça estava sobre todos eles”. O agir do Espírito de Deus, o lugar dado a Ele na práxis da fé, criava tais resultados, a essência que se manifestava em unidade, que por ser profunda e tão real, resulta em familiaridades, envolvimentos, entregas voluntárias e interrelacionamento intenso, cuja forma visível é só confirmação externa, consequente, do que está sendo operado por dentro.

Não se produz unidade com agendas e programas. Ou há lugar e busca do Espírito de Deus para que Ele o faça, ou o resultado é um arremedo que exige um esforço tremendo, e via de regra inócuo da parte de líderes, que o melhor que podem produzir é ajuntamento temporário e temático, sem vida longa, ou com um curto fôlego, do tamanho do entusiasmo de um momento. Mas se o Espírito de Deus age na igreja, Ele produz a unidade que vem do Alto (do contrário Jesus não a teria pedido ao Pai). Sem dúvida que, à luz das exortações paulinas, devemos entender que há um imbricamento de causa e resultado, ou uma vivência espiritual retro-alimentadora, onde a consciência da necessidade de unidade gera uma busca, diretamente ao Espírito de Deus, que encontrando corações dispostos, a produz e a mantém. Quando percebo que cristãos sinceros e operosos vivem inclinados a reconhecer e amar seus irmãos em Cristo, aí discirno o gérmen da unidade espiritual que viabiliza um testemunho eficaz, fazendo da prática da vida da igreja a verdade anunciada por Salomão: “Há amigo mais que chegado que irmão”, para dizer, num paradoxo, que para além de laços consanguíneos (o irmão aqui descrito) há irmãos na fé a quem podemos amar mais intensamente, mais achegados, mais próximos, mais entregues, porque em sua essência, preservam a mesma mente e o mesmo coração, ainda que nunca tenham sido aparentados entre si.

Faz Outra Vez! | Atos de Discípulos (6)

Ao verem a intrepidez de Pedro e João, sabendo que eram homens iletrados e incultos, admiraram-se; e reconheceram que haviam eles estado com Jesus… Uma vez soltos, procuraram os irmãos e lhes contaram quantas coisas lhes  haviam dito os principais sacerdotes e os anciãos. Ouvindo isto, unânimes, levantaram a voz a Deus e disseram: Tu, Soberano Senhor, que fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há; que disseste por intermédio do Espírito Santo, por boca de Davi, nosso pai, teu servo: Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram coisas vãs?…agora, Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que anunciem com toda a intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para fazer curas, sinais e prodígios por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus. Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus.” – Atos 4:13, 23-31.

Depois do milagre da cura do homem aleijado, Pedro e João foram presos pelas autoridades religiosas judaicas que tentaram intimidá-los e os proibiram de continuar a pregar a fé em Cristo Jesus. Eles declararam que não se calariam, porque não podiam deixar de falar daquilo que tinham visto e ouvido.

Esta narrativa sempre me entusiasmou por conta de enfatizar a palavra ousadia, aqui traduzida por intrepidez (4:13;30). Ousadia foi o resultado visível e contrastante quando o Espírito Santo encheu os discípulos, como recordamos anteriormente (Atos de Discípulos 2). De medrosos, que se escondiam dos judeus, levantaram-se ousados, discursando abertamente, confrontando autoridades e exortando o povo ao arrependimento, com palavras fortes de advertência. Jesus havia dito que eles estariam revestidos de poder para serem testemunhas. E poder foi o resultado daquele revestimento do Alto.

Mas é de singular notoriedade o que vemos descrito neste capítulo 4. Após o confronto com as autoridades de Jerusalém, Pedro e João juntam-se à igreja e com ela reunidos, oram. Dão graças pelos milagres realizados neles (ousadia), nos outros (a cura); pela bênção da perseguição sofrida; e fazem uma súplica, vertida em significativas palavras, cuja resposta de Deus é imediata. A súplica dizia: “agora, Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que anunciem com toda a intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para  fazer curas, sinais e prodígios por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus”.

E a resposta divina imediata foi: “Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus.” Exatamente o que pediram!

Qual a relevância disso para nós? Não tinham eles sido cheios do Espírito Santo, como visto em Atos 2 e isso produziu a intrepidez necessária ao testemunho, aqui vista como poder? Não estavam cheios dessa intrepidez, então, quando foram ao templo onde o milagre aconteceu? O verso 13 deste capítulo 4 não salienta que   foi com intrepidez (ousadia, poder) que Pedro resistiu às autoridades de Jerusalém, representadas por Anás, Caifás e auxiliares? Como lemos então que a resposta àquela oração da igreja reunida foi: “todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez…”?. Em Atos 2 lemos que eles haviam sido cheios do Espírito Santo. A nós parece que bastou o evento ali acontecido e eles estariam para sempre potencializados para fazer e acontecer. De fato, a narrativa de Atos 3 e 4 provam que estavam. No entanto, podemos traduzir a oração que fizeram posteriormente como “faz outra vez!”, ou, pelo menos: “continue fazendo!”. A resposta foi Deus renovando o revestimento de poder, como se tudo estivesse acontecendo pela primeira vez!

Duas coisas despontam para nós, discípulos da atualidade: Não devemos nos acomodar às experiências do passado como se por elas estivéssemos prontos e habilitados para sempre. A lenha queimada vira cinza, no altar. A cinza precisa ser removida para que o fogo continue a crepitar. E: necessitamos ser revestidos de novo, sempre. Ser cheios do Espírito, numa busca continuada, é o que se impõe sobre os discípulos, conforme a recomendação de Paulo em Efésios 5:18, que se traduz melhor como sendo: “deixem-se encher”.

Cabe-nos reabastecer-nos diligentemente na Fonte, rogando ao Senhor da seara, que sempre “faça de novo”, que sempre “faça outra vez”. Ele faz!

A Práxis Da Voz | Atos De Discípulos (5)

Certo dia Pedro e João estavam subindo ao templo na hora da oração, às três horas da tarde. Estava sendo levado para a porta do templo chamada Formosa um aleijado de nascença, que ali era colocado todos os dias para pedir esmolas aos que entravam no templo. Vendo que Pedro e João iam entrar no pátio do templo, pediu-lhes esmola. Pedro e João olharam bem para ele e, então, Pedro disse: “Olhe para nós!” O homem olhou para eles com atenção, esperando receber deles alguma coisa. Disse Pedro: “Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho, isto lhe dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, ande”. Segurando-o pela mão direita, ajudou-o a levantar-se, e imediatamente os pés e os tornozelos do homem ficaram firmes. E de um salto pôs-se em pé e começou a andar. Depois entrou com eles no pátio do templo, andando, saltando e louvando a Deus…apegando-se o mendigo a Pedro e João…”- Atos 3:1-8,11.

A voz continua marcando presença na vida dos discípulos. Este monumental milagre narra mais que um fenômeno. Registra um agir que caracterizava os primeiros movimentos da igreja, aqui vista nas pessoas de Pedro e João. Começa pelo fato de nos mostrar para onde se dirigiam aqueles dois, que caminhavam unidos pelo propósito. Juntos, para o templo. Iam orar ali. Uma reunião de oração tradicional acontecia naquele horário. Há anos. Havia funções no templo o dia todo. Parece que três da tarde era exclusiva para oração. Homens interrompiam suas atividades comuns para se reunirem para orar. Um mendigo era colocado à entrada do local naquele horário apropriado, pois quem sabe, seria mais fácil alcançar misericórdia da parte de quem estava indo buscar para si a misericórdia de Deus.

Mas, por mais elevada fosse a tarefa, e por mais lugar comum fosse passar por um mendigo ali esmolando, a voz do Evangelho pulsava dentro da igreja pelos dois representada. E ela vê no esmoler um desafio. E como reage a ele?

É minimamente tocante ler Lucas registrando: “olharam bem para ele”. A voz de Deus move a Igreja à atenção, a olhar para baixo. E vai além: “Olhe para nós!”. Era necessário? Era importante! O contato visual de ida e volta, falava de interesse e provocava no pedinte a devolutiva da atenção, como a dizer: “Nós lhe vemos como gente, e você nos pode ver como gente, mais do que ao que pretende de nós”. Ponto de contato que a atenção realiza. Provoca familiaridade, pois a igreja é isso, é visibilidade do outro, é o olho no olho, contato, percepção interpessoal, pois significa mais que um lugar, um evento, ou um espaço; significa identificação, percepção de pessoalidade singular. E ato contínuo, produz envolvimento, participação e transferência de conteúdos, vistos na sequência da voz: “mas o que tenho, isto lhe dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, ande”.

 De quanto significado se reveste esta fala por seguir-se à informação de que algo poderia e deveria ser dado, ainda que não exatamente o pretendido e esperado pelo pedinte! Pedro assumiu não ter o que o homem esperava dele. Mas também assumiu ter um acesso, recurso espiritual que o outro sequer supunha possível ou que lhe faltasse. E dá-lhe (oferece?) seu Cristo, e o poder do Seu Nome. Creio que Pedro não mentiu. Se tivesse prata daria a prata mas também a cura. O milagre não substituia nem servia de desculpa para não saciar a necessidade existencial. O milagre, como tudo mais que o Nome de Jesus produz, suprimia a carência causal, trazia superação, mas não faria vista grossa à necessidade imediata e aparente. Dar a prata, se houvesse, seria usar uma das dimensões da Voz. Dar o poder, era ir além. Não era substituir uma ação pela outra. Porque a Voz ensina aos discípulos que a fé tem compromisso com obras (Tiago 2:17).

E como a práxis da Voz não se reduz a verbalizações, o que se segue é tão surpreendente quanto o discurso (ou mais!), pois ao mesmo tempo em que proclama a bênção, Pedro age, e toma o aleijado pela mão e o põe de pé. É aqui onde temos a prova de que se o discípulo tivesse prata, ele a daria tanto quanto a cura, pois ele evoca a bênção de Deus para que ponha o homem de pé, e outro tanto ele se envolve para também pôr o homem de pé. Que imagem sublime, revestida de significado muito eloquente, como se dissesse: “O Nazareno te põe de pé, e quero tanto que isso ocorra que eu também vou te por de pé!” Deus e o homem juntos, na mesma ação que é movida pelo mesmo propósito!

A Igreja decididamente cooperadora de Deus. Indo além da fala, do discurso, da citação, para o envolvimento participativo, pessoal e direto. Algo que nos faz traduzir o ato como quem o ouvisse dizer: “Quero tanto que meu Deus o abençoe, que eu também vou abençoar você.”

E sobre a cena, levanta-se um outro pensamento inquiridor: em qual momento agiu o poder do Alto? No ato da proclamação, ou no ato da ação do discípulo? Qual voz foi ouvida primeiro? A que discursou, ou a que transformou o discurso em ação?

E a sublimação da cena não poderia ter outro desfecho: para muito além da cura física, foi a cura moral, a aniquilação da desonra, pois a Lei decidia que aleijados estavam proibidos de entrar no templo. Pelo menos aquele ex-aleijado aprendeu que Deus não estava no templo, onde a vida toda ele foi impedido de entrar. Deus estava na igreja, e ele O encontrou do lado de fora. Ele se levanta um adorador, e entra no templo, porque a igreja, ali representada, manifestou a essência da Voz que tanto restaura quanto faz inclusão do marginalizado. Efetiva sua participação.

Uma última visão dessa esplêndida cena: Era aquela, com certeza, a primeira vez em sua vida que aquele homem adentrou ao suntuoso templo dos judeus, que Herodes reergueu com pompas. Mas descobriu Deus na Igreja, e foi a ela,  representada pelos dois discípulos, que ele se apegou. Não ao templo. Aprendeu bem cedo, que “casa de Deus somos nós” (Hebreus 3:6).

Efeitos Da Voz | Atos De Discípulos (4)

Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Todos os dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em casa e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos.” – Atos 2:42-47.

A Voz continua falando. Muitas vezes fala pelas formas, os milagres, e quando o faz, ainda cumpre sua função exclusiva: atrair para Cristo e Sua obra. Mas aqui damo-nos conta de que o Espírito Se serve da Voz para conduzir a igreja, a vida e os atos dos discípulos. Ela é a motivação, o ponto de partida e a sustentação de tudo. O registro é claro: “Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos”. Era a Voz. A Voz que alimenta a fé, que realiza a igreja. Porque havia a Voz, os resultados se seguiam em ordem: comunhão, partir do pão e orações. Temor nos corações; maravilhas e sinais; alegria, sinceridade de coração, louvor a Deus, simpatia pública e acréscimo de vidas eleitas. Tanta coisa, todas juntas e isso é a igreja, a comunidade dos discípulos.

Havendo a voz, ela produz os efeitos. Eles não necessitam ser inventados ou provocados. Compõem, não deformam nem machucam: acrescentam. Havendo a voz, podemos colher e conviver com seus frutos. Ela é prioridade absoluta. Não pode ser substituída nem copiada. A comunidade dos discípulos é a comunidade unida pela Voz, a fala de Deus, que é a Sua Palavra ensinada e outro tanto, aprendida e obedecida.

Gosto da força do verbo empregado: “Eles se dedicavam ao ensino…” Dedicar é o verbo. O ensino era o segmento que cumpria o que a dedicação apontava. Dedicados ao ensino, fala mais que o mero exercício de uma função, como o cumprimento de um programa de agenda de igreja. Fala de algo que transita proximamente à orientação de Paulo a Timóteo quando diz: “Medita estas coisas e nelas sê diligente, para que o teu progresso a todos seja manifesto.” – 1Timóteo 4:15 (ARA).

Quando a Voz se faz ouvir na igreja, faz-se ouvir na fé, no coração e vida de cada um, e os frutos que vertem daí, sinalizam comunhão que tem forma visível, notoriedade em partilhar e busca de Deus, que por Sua vez tem espaço aberto para agir, conduzindo a vida de discípulos a um testemunho eficaz de seguidores do Senhor, o que traduz alegria, corações sinceros, louvor espontâneo, e acaba por conquistar simpatia daqueles que navegam em seu entorno.

Nenhum ajuntamento cristão, digno de respeito, pode pretender menos do que esta radiografia que este texto expõe para nós. Conforta saber que o segredo nos está revelado: a primazia da Voz que tudo realiza.

“Ouve, povo meu, quero exortar-te. Ó Israel, se me escutasses!”

-Salmos 81:8 (ARA).

A Voz Na Fala | Atos De Discípulos (3)

Então Pedro levantou-se com os Onze e, em alta voz, dirigiu-se à multidão: “Homens da Judeia e todos os que vivem em Jerusalém, deixem-me explicar isto! Ouçam com atenção: estes homens não estão bêbados, como vocês supõem. Ainda são nove horas da manhã! Ao contrário, isto é o que foi predito pelo profeta Joel: “ ‘Nos últimos dias, diz Deus, derramarei do meu Espírito sobre todos os povos. Os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os jovens terão visões, os velhos terão sonhos. Sobre os meus servos e as minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e eles profetizarão. Mostrarei maravilhas em cima, no céu, e sinais em baixo, na terra: sangue, fogo e nuvens de fumaça. O sol se tornará em trevas e a lua em sangue, antes que venha o grande e glorioso dia do Senhor. E todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo!’” – Atos 2:14-21.

É significativo perceber os movimentos que se seguem ao milagre da incursão fenomenal das línguas de fogo. Primeiro há o despertamento da curiosidade do povo que afluiu em multidão ao local onde os discípulos estavam reunidos. Depois, não menos surpreendente é ver Pedro se levantar, acompanhado dos demais onze, e começar a discursar. Em seu discurso, revela uma autoridade que contrasta acentuadamente com a cena vivenciada passados mais de quarenta dias (João 20:19): “Ao cair da tarde daquele primeiro dia da semana, estando os discípulos reunidos a portas trancadas, por medo dos judeus…” E aqui, de pé, discursa em altos brados. A pergunta que fica é: o som dos louvores em outras línguas, cessou? Pelo sim, pelo não, resta agora a Voz que sobressai na fala. Então, como já foi dito, nela se evidencia autoridade. Depois, objetividade, porque Pedro começa a explicar o que se passa e contextualiza com a profecia de Joel.

Ato contínuo a mensagem que a voz traduz, aponta de imediato para Jesus e Sua obra. Ou seja, começa servindo-se do milagre, mas usa-o para alcançar o seu propósito que é revelar Jesus, e a partir daí concentra-se Nele e Sua obra, e para tanto continua servindo-se das Escrituras (Salmo 16: 8-11). O foco não é mais o milagre ocorrido, mas Quem e porquê o realizou. A ênfase transita do efeito para a Causa.

Posto isto, a voz se dirige à consciência dos ouvintes, com a mesma intrepidez e ainda aqui servindo-se das Escrituras (Atos 2:34-36; Salmo 110:1). E o resultado é uma compulsão geral, operando irresistível arrependimento e tomada de posição, naquilo que representou o primeiro e um dos maiores movimentos evangelísticos da Igreja primitiva.

Temos muito a aprender com os movimentos do Espírito na vida dos discípulos, como descritos aqui. Começando com o fato de que todo o agir começa e depende Dele. Depois, o operar incontrolável através dos recursos de que Se serve para alcançar o Seu propósito: revelar Jesus, Sua obra e razão dela; conquistar vidas para cerrarem fileira nessa obra. Para isso, parte do milagre para chegar à Sua razão, e desde então se foca na razão, na causa. Não mais no milagre, e o faz, dando Voz àquela fala e a Voz põe as Escrituras na fala, e produz como resultado arrependimento nos corações que a ouvem.

Os discípulos têm uma fala. Esta fala tem uma voz. Esta voz tem uma autoridade e propósito. A fala é fenômeno, efeito. A voz é razão, propósito. A voz na fala aponta uma única direção: Cristo, como dizem as Escrituras. A voz da fala é a Palavra de Deus.

 

A Fala | Atos de Discípulos (2)

Chegando o dia de Pentecoste, estavam todos reunidos num só lugar. De repente veio do céu um som, como de um vento muito forte, e encheu toda a casa na qual estavam assentados. E viram o que parecia línguas de fogo, que se separaram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito os capacitava. Havia em Jerusalém judeus, devotos a Deus, vindos de todas as nações do mundo. Ouvindo-se o som, ajuntou-se uma multidão que ficou perplexa, pois cada um os ouvia falar em sua própria língua. Atônitos e maravilhados, eles perguntavam: “Acaso não são galileus todos estes homens que estão falando? Então, como os ouvimos, cada um de nós, em nossa própria língua materna?…Nós os ouvimos declarar as maravilhas de Deus em nossa própria língua!” – Atos 2:1-11

Quase que invariavelmente olhamos esta narrativa admirados e atraídos pelas imagens descritas do fenômeno, à semelhança dos homens que tiveram o privilégio de assisti-lo naquele dia distante de nós por mais de 2000 anos. E também quase que invariavelmente nos esquecemos de acompanhar os detalhes por eles observados quanto ao propósito e significação do milagre. Milagre que ocorreu em cumprimento à promessa que o Senhor havia feito alguns dias antes e que vimos narrada no capítulo anterior, onde Ele afirmou que eles todos receberiam poder pelo Espírito Santo para serem Suas testemunhas até os confins da terra. Passado o momento de efusão, Pedro se levanta e discursa afirmando que ali estava o cumprimento de uma promessa feita por Deus através do profeta Joel, a qual seria para todos eles e para todos os demais a quem Deus viesse chamar, “até os confins da terra”.

Quais são os detalhes que ultrapassam a forma vista e os movimentos que a seguiram?

Havia ruído como da ventania de uma tempestade e uma algaravia de sons que se mesclavam na forma de idiomas. Havia figuras etéreas de fogo como pequenas labaredas que pousavam sobre as cabeças dos que se punham a falar em alto som, porque prorrompiam em proclamação de louvores que adoravam a Deus. Essas eram as formas, ou as figuras da forma. Mas qual a essência? O que o milagre comunicava? A fala. A fala dos discípulos. O novo idioma que a igreja recebia por ação sobrenatural do Espírito Santo de Deus. Literalmente: “conforme o Espírito os capacitava”.

Muito tempo depois, doutrinando a Igreja, o apóstolo Paulo disse que “ninguém pode dizer:…Jesus é Senhor, a não ser pelo Espírito Santo.” – 1 Coríntios 12:3. E isto explica o propósito da dotação ocorrida ali. Poder para ser testemunha é algo que excede o fenômeno. É um milagre que ultrapassa a forma; que está pleno de objetividade santa e eficaz.

Não compactuo com aqueles que desprezam o fenômeno do falar em línguas espirituais, divisor de águas na igreja ainda nestes nossos dias em que já deveríamos ter crescido tanto. Mas, outro tanto, não posso reduzir o plano de Deus ao fenômeno por si só, sem objetivo prático, geral e kerigmático, de que ele se reveste. Naquele dia de pentecostes, os discípulos foram revestidos da capacidade de receber uma fala que é do Reino, um idioma só seu. Muito além de algaravias ou do “evangeliquês” pelo qual tantos querem se fazer conhecidos. Também muito além dessa mescla de fala mundana e espiritual, que funciona como um sotaque, um falar “meio asdodita”, onde o prolador parece transitar entre dois mundos ou num limbo que o espiritualiza.

Quando o som se fez ouvir, o que nos mostra o texto em apreço? A fala de discípulo, o idioma da igreja, que proclama as grandezas de Deus. É ouvida mesmo pelos zombadores, porque soa altissonante. É compreendida dentro da capacidade íntima que cada ouvinte tem de perceber os sons e traduzi-los para si de forma inteligível, por mais estranho pareça seu princípio de assimilar as comunicações interpessoais. E quando a atenção a essa fala é devidamente dada, corações se compungem, abrem-se, querem saber mais, e o espaço vira palco para ensino e proclamação do plano redentor de Deus, revelado através de Sua obra por meio de Seu Filho Jesus. Funciona como a capacidade que o Espírito dá de falarmos a língua que abre o entendimento do outro, que o atrai para o conhecimento do Deus engrandecido pela fala do adorador, até que esse outro possa ouvir tudo quanto mais nós, discípulos, podemos e devemos dizer. É o que os fatos descritos no texto em apreço proclamam para nós, desde que a Igreja peregrina na terra.

O Espírito nos dá um idioma que o mundo não tem, mas que discursa de maneira que ele pode compreender. Num primeiro momento parece apenas ruído, mesmo assim atrai, chama a atenção. E indo na contramão do que aconteceu em Babel, milênios antes, – aproxima, une, faz-se entender e esclarece, abrindo espaço para a mensagem que recomenda o arrependimento pessoal. Em outras palavras, a fala do discípulo, o idioma da Igreja, anuncia Deus aos homens, e os convida para a Ele pertencerem.

 

Os Dias no Tempo | Atos de Discípulos (1)

Depois do seu sofrimento, Jesus apresentou-se a eles e deu-lhes muitas provas indiscutíveis de que estava vivo. Apareceu-lhes por um período de quarenta dias falando-lhes acerca do Reino de Deus. Certa ocasião, enquanto comia com eles, deu-lhes esta ordem: “Não saiam de Jerusalém, mas esperem pela promessa de meu Pai, da qual falei a vocês. Pois João batizou com água, mas dentro de poucos dias vocês serão batizados com o Espírito Santo”. Então os que estavam reunidos lhe perguntaram: “Senhor, é neste tempo que vais restaurar o reino a Israel?” Ele lhes respondeu: “Não compete a vocês saber os tempos ou as datas que o Pai estabeleceu pela sua própria autoridade. Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra”.  – Atos 1:3-8

Um contraste de interesses denunciado pelo contraste de atenção. Jesus fala aos discípulos por 40 dias sobre o Reino de Deus. Encerra Seu discurso durante uma refeição e é surpreendido por um questionamento na contramão do discurso: “É neste tempo que vais restaurar o reino a Israel?”

Ele fala de céu e eles pensam na terra. Eles falam de ações de Cristo (“tu vais restaurar…?”) e Ele remete a ação à soberania do Pai. Eles pensam em seu chão, Jesus continua falando do Reino de Deus; acima e envolvendo o dos homens. E ao responder, ensina-nos coisas solenes que pertencem ao mundo dos discípulos.

Começa por mostrar que a questão por eles levantada não tem relevância para Ele. Em Sua resposta Ele não entra, explicitamente, no argumento “restaurar o reino a Israel”. Ele não Se prende ao tema época, ocasião, tempo. Ele estava falando de coisas do Alto para acontecerem dentro de poucos dias: a vinda do Espírito Santo. Eles se fixaram no argumento “poucos dias” e deram à promessa do batismo com o Espírito Santo o pressuposto de uma realização temporal. Era seu anseio como povo, perpassando séculos. Jesus pontua que eles estão preocupados com tempos e estações, o que não lhes compete. “Tempos e épocas”, diz Ele, “pertencem à competência do Pai em Sua soberania”.

E nós, discípulos na atualidade, continuamos assim: aferrados ao tempo cronológico e ocupados em trazer das coisas transcendentais, traduções temporais para dentro de nossas aspirações terrenas. Mas continua sendo verdade que mesmo o tempo cronológico aponta para futuro, que não temos como nem porque controlar, por mais que pretendamos. E ainda continua sendo verdade que Deus é o único Senhor do tempo e que dele Se serve para o Seu propósito e não para o nosso. Foi assim na história pessoal de Abraão, de Moisés, de Jacó, de Cornélio de Cesareia. É interessante observar que segundo o registro original de Lucas, Jesus falou em tempos e dias, como sendo da competência da autoridade de Deus. Quão confortante é saber que o Pai cuida do tempo até mesmo quanto aos dias, que costumamos contabilizar com inquietante vigilância!

Outro tanto temos o Filho de Deus sublimando a expectativa temporal dos discípulos com a promessa de serem testemunhas Dele desde Jerusalém até aos confins da terra. Numa só ideia Ele abarca o tempo distante, que nos alcança hoje visto na expressão “confins da terra”, e ainda o fato de que o envolvimento com o Reino de Deus na condição de testemunhas de Seu Filho, pulveriza o tempo; absorve os dias; sublima os anseios temporais e tem na sua consecução a satisfação de todos os anseios. Porque no “ser testemunhas até os confins da terra”, eles estariam tornando ativa a restauração do reino de Israel, dentro do plano de Deus para transformação do ser humano em Cristo, como foi dito em Romanos 11:26 – “E assim todo o Israel será salvo”. E isto acaba sendo a resposta necessária, ainda que não compreendida.

Discípulos foram chamados para abrirem mão de suas  expectativas temporais, deixando-as absorvidas na soberania dAquele que controla e dá conta do tempo, por ser Eterno.