A Práxis Da Voz | Atos De Discípulos (5)

Certo dia Pedro e João estavam subindo ao templo na hora da oração, às três horas da tarde. Estava sendo levado para a porta do templo chamada Formosa um aleijado de nascença, que ali era colocado todos os dias para pedir esmolas aos que entravam no templo. Vendo que Pedro e João iam entrar no pátio do templo, pediu-lhes esmola. Pedro e João olharam bem para ele e, então, Pedro disse: “Olhe para nós!” O homem olhou para eles com atenção, esperando receber deles alguma coisa. Disse Pedro: “Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho, isto lhe dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, ande”. Segurando-o pela mão direita, ajudou-o a levantar-se, e imediatamente os pés e os tornozelos do homem ficaram firmes. E de um salto pôs-se em pé e começou a andar. Depois entrou com eles no pátio do templo, andando, saltando e louvando a Deus…apegando-se o mendigo a Pedro e João…”- Atos 3:1-8,11.

A voz continua marcando presença na vida dos discípulos. Este monumental milagre narra mais que um fenômeno. Registra um agir que caracterizava os primeiros movimentos da igreja, aqui vista nas pessoas de Pedro e João. Começa pelo fato de nos mostrar para onde se dirigiam aqueles dois, que caminhavam unidos pelo propósito. Juntos, para o templo. Iam orar ali. Uma reunião de oração tradicional acontecia naquele horário. Há anos. Havia funções no templo o dia todo. Parece que três da tarde era exclusiva para oração. Homens interrompiam suas atividades comuns para se reunirem para orar. Um mendigo era colocado à entrada do local naquele horário apropriado, pois quem sabe, seria mais fácil alcançar misericórdia da parte de quem estava indo buscar para si a misericórdia de Deus.

Mas, por mais elevada fosse a tarefa, e por mais lugar comum fosse passar por um mendigo ali esmolando, a voz do Evangelho pulsava dentro da igreja pelos dois representada. E ela vê no esmoler um desafio. E como reage a ele?

É minimamente tocante ler Lucas registrando: “olharam bem para ele”. A voz de Deus move a Igreja à atenção, a olhar para baixo. E vai além: “Olhe para nós!”. Era necessário? Era importante! O contato visual de ida e volta, falava de interesse e provocava no pedinte a devolutiva da atenção, como a dizer: “Nós lhe vemos como gente, e você nos pode ver como gente, mais do que ao que pretende de nós”. Ponto de contato que a atenção realiza. Provoca familiaridade, pois a igreja é isso, é visibilidade do outro, é o olho no olho, contato, percepção interpessoal, pois significa mais que um lugar, um evento, ou um espaço; significa identificação, percepção de pessoalidade singular. E ato contínuo, produz envolvimento, participação e transferência de conteúdos, vistos na sequência da voz: “mas o que tenho, isto lhe dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, ande”.

 De quanto significado se reveste esta fala por seguir-se à informação de que algo poderia e deveria ser dado, ainda que não exatamente o pretendido e esperado pelo pedinte! Pedro assumiu não ter o que o homem esperava dele. Mas também assumiu ter um acesso, recurso espiritual que o outro sequer supunha possível ou que lhe faltasse. E dá-lhe (oferece?) seu Cristo, e o poder do Seu Nome. Creio que Pedro não mentiu. Se tivesse prata daria a prata mas também a cura. O milagre não substituia nem servia de desculpa para não saciar a necessidade existencial. O milagre, como tudo mais que o Nome de Jesus produz, suprimia a carência causal, trazia superação, mas não faria vista grossa à necessidade imediata e aparente. Dar a prata, se houvesse, seria usar uma das dimensões da Voz. Dar o poder, era ir além. Não era substituir uma ação pela outra. Porque a Voz ensina aos discípulos que a fé tem compromisso com obras (Tiago 2:17).

E como a práxis da Voz não se reduz a verbalizações, o que se segue é tão surpreendente quanto o discurso (ou mais!), pois ao mesmo tempo em que proclama a bênção, Pedro age, e toma o aleijado pela mão e o põe de pé. É aqui onde temos a prova de que se o discípulo tivesse prata, ele a daria tanto quanto a cura, pois ele evoca a bênção de Deus para que ponha o homem de pé, e outro tanto ele se envolve para também pôr o homem de pé. Que imagem sublime, revestida de significado muito eloquente, como se dissesse: “O Nazareno te põe de pé, e quero tanto que isso ocorra que eu também vou te por de pé!” Deus e o homem juntos, na mesma ação que é movida pelo mesmo propósito!

A Igreja decididamente cooperadora de Deus. Indo além da fala, do discurso, da citação, para o envolvimento participativo, pessoal e direto. Algo que nos faz traduzir o ato como quem o ouvisse dizer: “Quero tanto que meu Deus o abençoe, que eu também vou abençoar você.”

E sobre a cena, levanta-se um outro pensamento inquiridor: em qual momento agiu o poder do Alto? No ato da proclamação, ou no ato da ação do discípulo? Qual voz foi ouvida primeiro? A que discursou, ou a que transformou o discurso em ação?

E a sublimação da cena não poderia ter outro desfecho: para muito além da cura física, foi a cura moral, a aniquilação da desonra, pois a Lei decidia que aleijados estavam proibidos de entrar no templo. Pelo menos aquele ex-aleijado aprendeu que Deus não estava no templo, onde a vida toda ele foi impedido de entrar. Deus estava na igreja, e ele O encontrou do lado de fora. Ele se levanta um adorador, e entra no templo, porque a igreja, ali representada, manifestou a essência da Voz que tanto restaura quanto faz inclusão do marginalizado. Efetiva sua participação.

Uma última visão dessa esplêndida cena: Era aquela, com certeza, a primeira vez em sua vida que aquele homem adentrou ao suntuoso templo dos judeus, que Herodes reergueu com pompas. Mas descobriu Deus na Igreja, e foi a ela,  representada pelos dois discípulos, que ele se apegou. Não ao templo. Aprendeu bem cedo, que “casa de Deus somos nós” (Hebreus 3:6).