“Enviados pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre. Chegando em Salamina, proclamaram a palavra de Deus nas sinagogas judaicas. João estava com eles como auxiliar. Viajaram por toda a ilha, até que chegaram a Pafos. Ali encontraram um judeu, chamado Barjesus, que praticava magia e era falso profeta. Ele era assessor do procônsul Sérgio Paulo. O procônsul, sendo homem culto, mandou chamar Barnabé e Saulo, porque queria ouvir a palavra de Deus. Mas Elimas, o mágico (esse é o significado do seu nome), opôs-se a eles e tentava desviar da fé o procônsul. Então Saulo, também chamado Paulo, cheio do Espírito Santo, olhou firmemente para Elimas e disse: “Filho do Diabo e inimigo de tudo o que é justo! Você está cheio de toda espécie de engano e maldade. Quando é que vai parar de perverter os retos caminhos do Senhor? Saiba agora que a mão do Senhor está contra você, e você ficará cego e incapaz de ver a luz do sol durante algum tempo”. Imediatamente vieram sobre ele névoa e escuridão, e ele, tateando, procurava quem o guiasse pela mão. O procônsul, vendo o que havia acontecido, creu, profundamente impressionado com o ensino do Senhor.”
Atos 13:4-12
Um dos mais tradicionais cânticos evangélicos, datado do século XIX é o inglês Amazing Grace (Graça Admirável), em cuja letra um verso afirma: “Eu estava cego, mas agora eu vejo”.
Deixamos Paulo e Barnabé saindo de Antioquia e agora os encontramos em Pafos, acompanhados por João Marcos, que os auxiliava. Nosso texto registra um enfrentamento espiritual cujo desdobramento é notável pelos contrastes que estabelece dentro da maravilhosa saga que envolve a práxis da Revelação na missão da Igreja. Porque sinaliza nesse conflito entre luz e trevas, o primeiro desafio na vida do cristão, a diferença entre ser cego e ter visão, aqui vistos no paradoxo entre cegueira perpetrada pelo diabo e a cegueira produzida por Deus, em caráter punitivo ou transformador. Vamos entender isso, emparelhando os textos de Atos 9, com II Coríntios 4 e este de Atos 13.
Comecemos por II Coríntios 4:4 – “O deus desta era cegou o entendimento dos descrentes, para que não vejam a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus.”
A ideia de um entendimento cegado pelo diabo para impedir que a luz do evangelho seja percebida, é lógica para nós no terreno da fé. Evidente que o diabo, o “pai da mentira”, não quer que alguém enxergue a verdade e creia. Logo, uma vez sabedores que o homem natural está cego pelo diabo em seu entendimento, presumimos que Deus inverte o processo para que esse homem enxergue e creia. É o que aponta a letra de “Amazing grace”.
Então lemos em Atos 9 que Saulo de Tarso, perseguidor da Igreja, é barrado na estrada para Damasco por uma visão de Cristo, e se converte. Ato contínuo, é cegado pela mesma luz que lhe destampou os olhos do entendimento que o diabo mantinha cegos. Deus o cegou temporariamente, até que após a imposição das mãos de Ananias, escamas caem-lhe dos olhos e ele volta a ver.
Temos agora nosso texto em apreço mostrando que Elimas é cegado pelo poder de Deus, através da palavra de Paulo. Evidente que a diferença sensível entre as cegueiras mencionadas reside no fato de que o diabo opera a cegueira no entendimento, e Deus, nestes dois relatos, a opera no terreno físico. Em Elimas, em caráter punitivo, ferindo-o com juízo. E quanto a Saulo de Tarso?
A mim parece que ocorre com Elimas o cumprimento do juízo previsto em Romanos capítulo 1, onde somos avisados que aos que insistiram em permanecer endurecidos de coração mesmo em face da verdade, Deus os entregou a uma disposição contrária à possibilidade de virem a crer. Isto é afirmado por três vezes (v.24;26 e 28). Aqui o homem que já vinha cego pelo diabo, no seu entendimento, por conta de sua procrastinação, fica impedido por Deus de ter os olhos do entendimento abertos para crer na verdade. A ação divina gerando uma cegueira real em Elimas, serve como convincente ilustração disto, para nós.
Mas a sabedoria de Deus é vista na cegueira temporária feita a Saulo, onde não é operado um juízo, mas ao que parece, a preservação da visão revelacional que fica retida em suas retinas até o encontro com Ananias, como relatado em Atos 9. Dependência, quebra de autonomia, geração de obediência irrestrita à ordem divina, tudo isso ocorre em consequência dessa cegueira temporária. Outro tanto, Ananias se depara com o feroz ex-perseguidor dentro de sua casa, incapacitado, alquebrado, sem inspirar medo ou ameaça alguma. Na alma de Saulo aquela cegueira física operou a necessidade de buscar a luz da revelação de Deus em total dependência do que Deus poderia trazer, longe de sua mente arguta, outrora escrava de uma religiosidade tirana e cruel. Ele teria de enxergar na alma por total e exclusiva ação divina, vazio de seus próprios recursos “visuais”, fortemente engendrados na vida, e até mesmo “aos pés de Gamaliel”. A cegueira pelo poder de Deus, lhe traria a necessidade de receber, tanto quanto visão física, visão espiritual exclusivamente divina, de tal forma que, passados anos, o agora Paulo poderia dizer com autoridade, quanto e de quanto abriu mão, em termos de suas vias “visuais”, para poder enxergar via Cristo, quando disse: “Mas o que para mim era lucro passei a considerar como perda, por causa de Cristo. Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por quem perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar Cristo e ser encontrado nele, não tendo a minha própria justiça que procede da Lei, mas a que vem mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus e se baseia na fé. Quero conhecer Cristo, o poder da sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte”. Filipenses 3:7-10.
Esta nítida e cristalina visão que o torna fascinado por Cristo e Sua glória, decorre de uma ação profunda do Espírito de Deus em seu coração. E me faz pensar que a cegueira por Deus operada nele no momento de sua conversão a Cristo, fechou-lhe para sempre os olhos para os atraentes e dispersivos brilhos deste mundo, que ficaram ofuscados diante de resplendor maior. Experiência que bem-vinda seria na vida de cada discípulo moderno, se se traduzisse na mesma proporção, em ter olhos ofuscados pela glória do Senhor, insensibilizados para se deixarem fascinar pelas luzes deste mundo tenebroso.