Os apóstolos realizavam muitos sinais e maravilhas no meio do povo. Todos os que creram costumavam reunir-se no Pórtico de Salomão. Dos demais, ninguém ousava juntar-se a eles, embora o povo os tivesse em alto conceito. Em número cada vez maior, homens e mulheres criam no Senhor e lhes eram acrescentados, de modo que o povo também levava os doentes às ruas e os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns, enquanto ele passava. Afluíam também multidões das cidades próximas a Jerusalém, trazendo seus doentes e os que eram atormentados por espíritos imundos; e todos eram curados.” – Atos 5:12-16.
A narrativa de Lucas está cheia de evidente entusiasmo. Não era para menos. Havia um alvoroço benéfico, porque agora, os milagres antes concentrados na Pessoa de Jesus, multiplicavam-se através dos apóstolos de forma incessante e num crescendo contínuo. E então, tanto quanto nos dias de Jesus as multidões afluíam ávidas por se beneficiarem dos milagres de cura, agora não menos. Mas depressa alguns excessos são criados pelo povo, que não se comportou de forma semelhante nos dias de Cristo. O povo começava a criar suas próprias fantasias a respeito dos eventos incomuns que ocorriam. A ênfase estava no milagre das curas de enfermidades. É sui gêneris o relato: “O povo também levava os doentes às ruas e os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns, enquanto ele passava”.
Uma leitura menos atenta desta narrativa, pode levar alguém a concluir que essa proposta surtia efeito, que a pretendida cura ocorria por essa via. O texto não afirma isso. Antes faz recair sobre o povo e não sobre Pedro ou os demais apóstolos, a hipótese do benefício almejado. A conclusão do versículo 16 só se refere ao versículo 16. Não diz respeito ao v.15. O fato do povo pretender que a sombra de Pedro se projetasse sobre enfermos colocados em macas no entorno de sua passagem, não implica em resposta positiva ou benéfica para eles. Sequer o texto aventa essa possibilidade. Era uma superstição popular criada à força da necessidade e do entusiasmo. E a ênfase dessa expectativa correr em direção à pessoa de Pedro, o decano do grupo, só faz atestar que não passava de superstição popular ainda que forjada sob impulsos piedosos.
Lucas descobriu a motivação do povo, e eu penso no que sentiria Pedro ao ser informado de tal expectativa!
Mas, em contrapartida, sempre me sensibilizei por esse jogo de palavras que este único ponto da narrativa encerra. Quando Lucas escreve: “Ao menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns”, ocorre-me que aquele desejo popular aponta para um compromisso que envolve todos nós, discípulos da atualidade. A sombra projetada traduz a ideia de uma influência que alcança quem sob ela se coloca. Conquanto seja irreal a perspectiva de uma sombra física produzir cura, isso não impede que sua figuração, ou imagem figurada, seja eficaz. Todos nós projetamos sombra, se estamos sob a luz. E a Igreja que é luz, nas palavras de Cristo, luz do mundo, outro tanto o é, e só o é, porque está colocada debaixo dEle, que é a verdadeira luz: “Eu sou a luz do mundo” (João 8:12 e 9:5). E então, projetamos sombra. A sombra refrigera, e também delineia em seu espectro, a identificação do objeto real. Quanto mais próxima à luz, mais nítida e melhor definida ela é.
Nossa sombra projetada, figuradamente pode ser muito mais eficaz do que o pretendido pelo povo nas ruas de Jerusalém quanto à sombra física de Pedro. A sombra projeta-se de nós e cobre outros. Foi dito pelo Senhor que “o justo é um guia para o seu companheiro”, e é onde eu vejo nossa sombra projetando-se de forma positiva e eficaz sobre nossos circundantes, aqueles que interagem conosco no cotidiano.
É incomum sermos procurados pela possibilidade de uma influência eficaz, mas sempre que isso ocorre, o episódio narrado em Atos 5 se repete em nosso devir de discípulos do Senhor.
Foi Pedro quem nos recomendou que devemos estar sempre preparados para responder a qualquer que nos pedir a razão da esperança que há em nós. Com isso ele nos fala da possibilidade dessa busca consciente da parte de outros, pela projeção de nossa sombra sobre suas vidas. E toda vez que essa procura acontece, é bastante provável que nosso testemunho cristão esteja pontuando algo próximo àquilo que há de redundar na glória de Deus através de nossas vidas.