Chegando o dia de Pentecoste, estavam todos reunidos num só lugar. De repente veio do céu um som, como de um vento muito forte, e encheu toda a casa na qual estavam assentados. E viram o que parecia línguas de fogo, que se separaram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito os capacitava. Havia em Jerusalém judeus, devotos a Deus, vindos de todas as nações do mundo. Ouvindo-se o som, ajuntou-se uma multidão que ficou perplexa, pois cada um os ouvia falar em sua própria língua. Atônitos e maravilhados, eles perguntavam: “Acaso não são galileus todos estes homens que estão falando? Então, como os ouvimos, cada um de nós, em nossa própria língua materna?…Nós os ouvimos declarar as maravilhas de Deus em nossa própria língua!” – Atos 2:1-11
Quase que invariavelmente olhamos esta narrativa admirados e atraídos pelas imagens descritas do fenômeno, à semelhança dos homens que tiveram o privilégio de assisti-lo naquele dia distante de nós por mais de 2000 anos. E também quase que invariavelmente nos esquecemos de acompanhar os detalhes por eles observados quanto ao propósito e significação do milagre. Milagre que ocorreu em cumprimento à promessa que o Senhor havia feito alguns dias antes e que vimos narrada no capítulo anterior, onde Ele afirmou que eles todos receberiam poder pelo Espírito Santo para serem Suas testemunhas até os confins da terra. Passado o momento de efusão, Pedro se levanta e discursa afirmando que ali estava o cumprimento de uma promessa feita por Deus através do profeta Joel, a qual seria para todos eles e para todos os demais a quem Deus viesse chamar, “até os confins da terra”.
Quais são os detalhes que ultrapassam a forma vista e os movimentos que a seguiram?
Havia ruído como da ventania de uma tempestade e uma algaravia de sons que se mesclavam na forma de idiomas. Havia figuras etéreas de fogo como pequenas labaredas que pousavam sobre as cabeças dos que se punham a falar em alto som, porque prorrompiam em proclamação de louvores que adoravam a Deus. Essas eram as formas, ou as figuras da forma. Mas qual a essência? O que o milagre comunicava? A fala. A fala dos discípulos. O novo idioma que a igreja recebia por ação sobrenatural do Espírito Santo de Deus. Literalmente: “conforme o Espírito os capacitava”.
Muito tempo depois, doutrinando a Igreja, o apóstolo Paulo disse que “ninguém pode dizer:…Jesus é Senhor, a não ser pelo Espírito Santo.” – 1 Coríntios 12:3. E isto explica o propósito da dotação ocorrida ali. Poder para ser testemunha é algo que excede o fenômeno. É um milagre que ultrapassa a forma; que está pleno de objetividade santa e eficaz.
Não compactuo com aqueles que desprezam o fenômeno do falar em línguas espirituais, divisor de águas na igreja ainda nestes nossos dias em que já deveríamos ter crescido tanto. Mas, outro tanto, não posso reduzir o plano de Deus ao fenômeno por si só, sem objetivo prático, geral e kerigmático, de que ele se reveste. Naquele dia de pentecostes, os discípulos foram revestidos da capacidade de receber uma fala que é do Reino, um idioma só seu. Muito além de algaravias ou do “evangeliquês” pelo qual tantos querem se fazer conhecidos. Também muito além dessa mescla de fala mundana e espiritual, que funciona como um sotaque, um falar “meio asdodita”, onde o prolador parece transitar entre dois mundos ou num limbo que o espiritualiza.
Quando o som se fez ouvir, o que nos mostra o texto em apreço? A fala de discípulo, o idioma da igreja, que proclama as grandezas de Deus. É ouvida mesmo pelos zombadores, porque soa altissonante. É compreendida dentro da capacidade íntima que cada ouvinte tem de perceber os sons e traduzi-los para si de forma inteligível, por mais estranho pareça seu princípio de assimilar as comunicações interpessoais. E quando a atenção a essa fala é devidamente dada, corações se compungem, abrem-se, querem saber mais, e o espaço vira palco para ensino e proclamação do plano redentor de Deus, revelado através de Sua obra por meio de Seu Filho Jesus. Funciona como a capacidade que o Espírito dá de falarmos a língua que abre o entendimento do outro, que o atrai para o conhecimento do Deus engrandecido pela fala do adorador, até que esse outro possa ouvir tudo quanto mais nós, discípulos, podemos e devemos dizer. É o que os fatos descritos no texto em apreço proclamam para nós, desde que a Igreja peregrina na terra.
O Espírito nos dá um idioma que o mundo não tem, mas que discursa de maneira que ele pode compreender. Num primeiro momento parece apenas ruído, mesmo assim atrai, chama a atenção. E indo na contramão do que aconteceu em Babel, milênios antes, – aproxima, une, faz-se entender e esclarece, abrindo espaço para a mensagem que recomenda o arrependimento pessoal. Em outras palavras, a fala do discípulo, o idioma da Igreja, anuncia Deus aos homens, e os convida para a Ele pertencerem.