Quando o Sonho é Realidade | Atos de Discípulos (18)

Atos 12:1-18.

Se ouvíssemos a narrativa deste extraordinário milagre por boca do seu protagonista Pedro, e não pela pena de Lucas, penso que ouviríamos algo  próximo ao que segue:

Nós estávamos entristecidos com a prisão e morte de nosso amado irmão Tiago,   a quem Herodes mandou matar à espada como forma de nos intimidar e fazer recuar de nossa missão de fazer discípulos em cumprimento ao que o Mestre determinara. Nos dias da festa que precede a Páscoa, resolvi ir ao templo participar das reuniões festivas, tanto para encorajar os irmãos, quanto para  provar aos nossos líderes religiosos que nos perseguiam, que nós  não deixávamos de ser judeus por seguir ao Senhor. Mas, infelizmente, Herodes viu que o povo judeu o aprovou pela prisão e morte de um de nossos líderes, e resolveu prosseguir com esse plano. Então, de repente, fui surpreendido pelo tumulto que um grupo de soldados provocou, afastando as pessoas enquanto vinha na minha direção. Deram-me ordem de prisão. Consegui sinalar com a mão para que os irmãos que comigo estavam não se manifestassem e de longe eles  me sinalaram também que estariam orando por mim. Apontaram para minha irmã  e para Marcos, meu sobrinho, e entendi que se reuniriam em casa deles em oração.

Com muita grosseria a soldadesca me levou à presença do rei que procurou se assegurar de que eu era quem diziam ser. Confirmei e ele declarou que eu estaria trancado a ferros até cessarem as festividades para me levar a julgamento  público. Eu sabia o que isso significava: o povo ser alvoraçado e ouvido como júri, o que resultaria em inevitável sentença de morte. Mas, isso de imediato me remeteu à memória do julgamento público de nosso Senhor, e meu coração se encheu de alegria e paz, pelo privilégio de seguir Seus passos na morte. E foi com esses sentimentos que me vi algemado a ferros presos a uma parede, que me deixavam muito desconfortável. Estou velho, e as energias não são mais vigorosas, e essas algemas não me deixavam dormir. Dois guardas me ladeavam  e outro tanto não paravam de falar e de me achincalhar, mas acabei vencido por um torpor de cansaço que me fez variar entre dormir e acordar, até que cercado por intenso silêncio, percebi que os soldados e as demais sentinelas adormeceram e de fato, dormiam profundamente.

Pensei ter caído em sono profundo, porque pareceu de repente que o dia amanheceu, mas apenas dentro da cela em que me amarraram; e um homem começou a me fustigar o lado, repetidamente, até que abri os olhos contra a claridade e vi que não se tratava de nenhum dos dois guardas, que continuavam dormindo. Era uma pessoa de paz, de bem, que me disse à meia voz: “Depressa, levante-se!” Mal tive tempo de pensar em como me levantaria sob o peso das algemas desconfortáveis quando elas se desprenderam e caíram de meus  punhos. Fiquei aturdido, pensando comigo: “Estou sonhando, ou tendo  uma  visão, como em Jope? Lá eu também ouvia uma voz!” E de novo ouvi o homem luminoso dizer: “Calce suas sandálias e vista-se!”. E continuou: “Ponha sua capa   e me siga!”. Ele conhecia cada um dos meus pertences! Eu olhei os soldados e eles pareciam longe, em profundo sono. Foi aí que comecei a agir automaticamente, porque não entendia nada daquilo como real, mas como me parecia: uma visão que só afetava a mim. No entanto, o bendito ser andou adiante e eu o segui, e passamos pelo primeiro e pelo segundo guarda externos, que também dormiam. Eu andava agora como que atraído a ele e me deparei com o imenso e pesado portão de ferro que dava para a cidade. De repente o anjo (agora eu entendia que só podia ser um anjo) passou pelo portão que se abriu sozinho para mim. E lá me vi eu, em plena rua, madrugada alta, frio da noite e escuridão. O anjo desapareceu tão fácil quanto surgiu e eu então entendi que nada era visão ou sonho, mas realidade pura e clara: eu estava livre da cadeia e em plena rua da cidade, a alguns quarteirões da casa de Maria, minha irmã.

A primeira coisa que me ocorreu foi: “Parece que o Senhor ainda precisa de mim por aqui”. Ato contínuo, decidi seguir para a casa de Maria, já que não havia ninguém me perseguindo. E cheguei ali. Bati à porta, mas ninguém atendeu. Vi iluminação no interior e ouvi o que me pareceu o som de pessoas orando. No dia seguinte seria a páscoa, e eu lembrei que os irmãos disseram que  estariam orando ali. Prestei mais atenção; encostei o ouvido e ouvi que de fato havia um grupo de pessoas em oração. Oravam por mim! Então comecei a chamá-los, à meia voz: “Irmãos, sou eu! O Senhor me libertou! O Senhor ouviu suas orações!” Porque me cortava o coração ver que choravam por mim, ainda abalados com o martírio de Tiago, por certo entendendo que eu teria a mesma sorte. Como eles não me ouviam, nem me atendiam, resolvi me unir a eles em oração, pelo lado de fora, e ali mesmo, junto à porta, comecei a orar e agradecer. Percebi que alguém se aproximou da porta, interrompi a oração e saudei quem ali chegou. Mas a pessoa se afastou. Minutos depois a porta se abriu, e pelo lado de fora eu vi que na casa havia um grupo grande de irmãos que oravam. Todos ficaram surpresos, aturdidos. Alguém falou pelo grupo: “Pedíamos ao Senhor que enviasse um anjo

para libertar você da cadeia. Quando Rode nos disse que ouviu sua voz à porta, alguém achou que o anjo solicitado a Deus veio até nós, em lugar de ir a você. Mas Rode insistia em dizer que era mesmo você. E aí está! O Senhor seja engrandecido! Como isso aconteceu, Pedro?” Então tive que detalhar o milagre, mas decidi não entrar, caso alguém viesse me procurar e isso poderia comprometer tanta gente. Portanto lhes disse que informassem disso o líder da igreja e demais irmãos, e saí dali depressa, deixando atrás de mim um grupo nada pequeno de irmãos que se regozijavam no Senhor, e encontravam consolo da morte de Tiago no milagre de minha libertação.

A conclusão a que cheguei é que o Senhor que havia encerrado a carreira de Tiago, assim como a de Estêvão, em cujas mortes consentiu, ainda não havia concluído a minha. A mesma igreja que orava por mim, havia orado por Tiago. Essa mesma igreja orou consciente de que podia submeter sua oração à vontade de Deus Pai, tal como Jesus ensinou. E foi isso o que aconteceu.