Aromas

A memória olfativa é um processo fisiológico muito atraente. As pessoas mais suscetíveis a ela geralmente se vêem remontadas a episódios registrados na infância.

 

Nosso cérebro se serve da memória olfativa quase que por inevitabilidade. O processo ocorre a partir de um fato marcante que aconteça num ambiente ou contexto onde um odor mais destacado esteja prevalecendo. Também pode ser diretamente ligado a uma pessoa cujo perfume tresanda enquanto é protagonista de um fato que nos marca. O aroma, percebido pelas células olfativas, é registrado pela amígdala no sistema límbico, também responsável por nossas emoções. Se num outro momento, próximo ou distante, o mesmo aroma for percebido, será o estímulo certo para que o sistema límbico libere a memória de um evento correspondente a esse estímulo que o cérebro reconheceu.

 

Entendo que particularmente eu tenho um olfato privilegiado, se comparado à maioria dos que me circundam, e outro tanto, sou sensível à memória olfativa.

 

Hoje, caminhando ao longo da avenida de uma cidade litorânea, encontrei no auge de sua florescência um pequeno arbusto próprio da região, e de imediato me vi de volta ao tempo em que esses arbustos povoaram minha infância, quando em brincadeiras com coleguinhas e primos em nossas ruas livres. Enchi a mão de sementinhas e as levei ao nariz para recordar seu aroma discreto e distante, e de imediato me vi de volta ao tempo em que as minúsculas sementes vermelhas nos atraiam e as apanhávamos para fazer competições. Vencia quem contabilizava o maior número delas na mão. Os meninos quase sempre se serviam delas para amassar e usar o caldo vermelho para sujar paredes ou pintarem-se uns aos outros. As meninas teciam colares com linhas.

 

O cheirinho das sementes é tão leve e discreto que passa desapercebido ao menos atento. Na verdade, é necessário chegá-las ao rosto para que se sinta o aroma. Mas para mim, é bastante percebê-lo, ainda que tão suave, para reacender na memória imagens vivas e fortes de uma infância feliz.

 

Inevitável também, ao colher as sementinhas vermelhas, foi lembrar a mensagem do apóstolo Paulo em II Coríntios 2:15 quando diz: “Porque para Deus somos o aroma de Cristo…”

 

A analogia nos leva a imaginar que Deus nos vê e aspira um aroma que expõe ante Seus olhos a presença de Seu Filho em Seu sacrifício substitutivo a nosso favor, na Cruz. Mesmo quanto àqueles dentre nós que se sentem como fraco aroma. Abuso da analogia para me permitir pensar que, quanto a esses, Deus os aproxima ainda mais, para que perceba o suave odor.

 

Deus “sente o cheiro”, e fica satisfeito, porque esse bom aroma aponta a redenção que custou ao preço da vida de Cristo Jesus, nosso perdão e a nossa eternidade com Ele.