Sabe o que ocorreria com nosso corpo se ele fosse insensível a dores quando acontecessem contusões, ou riscos de lesão por corte ou queimadura? Nós estaríamos sujeitos a nos desintegrarmos fisicamente ao vivo e a cores, para dizer o mínimo. As palavras cautela, segurança, escape, evitação, seriam mera retórica, lírica sem conteúdo ou sentido de realidade. E outro tanto inaptas para produzir comportamentos positivos de senso de autoproteção.
Isso quanto ao corpo físico, e não estou falando de sinais, sinalizações sintomáticas indicadoras de algum processo interno danoso para o organismo, que por sua vez também contam como eloquentes apelos à atenção e cuidado com vistas à saúde. Mas vai além do físico. Há dores morais que nos protegem, como humilhação, tristeza, ansiedade, ira, e até mesmo afetos positivos como alegria, prazer, deleite e semelhantes. Tanto que, se nos deparamos com um indivíduo que sinaliza embotamento de sentidos ou de afetos, ou distorção aperceptiva de estímulos, decidimos que estamos diante de uma mente patologizada, que precisa de intervenção e tratamento.
Lembremos a igreja em Laodicéia apontada por Jesus em Apocalipse 3: 14-18. Ela passava por um grave problema do qual não se apercebia. Vivia tão bem consigo mesma, tão cheia de conquistas e vitórias que chegou ao ponto de declarar: “Não preciso de nada!” E seu problema começava exatamente nesse ponto em que havia decidido pautar suas articulações existenciais sobre bases de necessidades ou desejos. Ela se entendia próspera, e o Senhor lhe faz saber a verdadeira realidade de sua situação: “você é miserável, cega e nua”. E por estar cega não tinha noção real de que a riqueza de que se jactava era uma miséria espiritual profunda. A igreja em Laodicéia sequer tinha visão de si mesma. O que teria ocorrido com ela? Certamente investiu toda a sua perspectiva transcendental com nome de fé e espiritualidade no prazer e na conquista temporais, para estar o mais distante possível das dores e sofrimentos. Investiu sua fé no não sofrer; não-perder; não-chorar, como se fosse possível ser crente, ser igreja, alheio a dores, angústias, tristezas e sofrimentos como se num mundo de dores e aflições fosse verdade que a igreja como um gueto ou arca de privilegiados pudesse oferecer um espaço de insensibilidade e escape, via a fé, dos infortúnios da existência humana, tão longe da verdade proclamada pelo Autor de sua fé, quando avisou: “No mundo vocês terão aflições”.
Por não dar ouvidos a isso, e pretender viver sem dores, Laodicéia não se apercebeu de um sorrateiro resfriamento que a foi envolvendo, engolindo pouco a pouco, até chegar à mornidão, ou ponto neutro, onde a insensibilidade dita as regras de visão da vida.
Aconteceu com Laodicéia a tragédia que pouco a pouco vai tomando vulto entre algumas comunidades evangélicas proclamadoras de um falso evangelho, ensinando a doutrina da síndrome da avestruz, que enfia a cabeça no chão para não ver o perigo, e assim, não vendo a dor ou aflição, assume-se protegida, enquanto na verdade, se encontra totalmente exposta e sem resposta para a fatalidade, que cedo ou tarde sempre vem.
Vale lembrar a palavra sábia de Eliú: “Ao aflito livra da sua aflição, e na opressão se revela aos seus ouvidos” – Jó 36:15. Pois disse Deus: “…Eu te provei na fornalha da aflição”- Isaías 48:10.