Intolerância

A intolerância é a arma dos insatisfeitos e frustrados, com a qual procuram ferir o outro ou repudiar o que não compreendem. A principal característica da intolerância é a incapacidade de transigir com a opinião contrária ou com aquilo que se mostra diferente dos padrões previamente estabelecidos e valores adquiridos. Ela parece desafiadoramente em moda ou em ritmo de generalização em nossos dias. Desafiadoramente porque sua manifestação cada vez com maior visibilidade parece desdenhar de todos os argumentos de conscientização de que se servem os meios de comunicação, impondo-se no comportamento dos indivíduos. E generalizadamente, porque contra um tempo em que ela parecia confinada a um só construto, conhecido como intolerância religiosa, hoje ela ampliou fronteiras, invadindo muitas outras áreas, a começar pela intolerância nos lares e ambientes de formação acadêmica. O uso da intolerância está presente em tudo que possa representar um pseudo conceito de liberdade pessoal e de opinião. Erram, contudo, seriamente, os que confundem crítica, direito de opinar e possibilidade de ser contrariado com intolerância. Erram os que usam da intolerância quando não atendidos em suas expectativas ou diante da frustração de suas perspectivas.

E o comportamento ditado pela intolerância assume matizes muito diversificados, que vão desde a saída abrupta de um ambiente, encerrando com o silêncio que agride alguma discussão, até à agressão verbal ou mesmo física. Torna-se visível com todos os riscos temerários que acarreta, no trânsito, acobertada pela pressa ou com a desculpa da desatenção.

Desce ao nível do desrespeito com os mais frágeis, como crianças, idosos e até animais. Às vezes confunde-se com impaciência, mas vai além porque a impaciência desemboca na desistência, mas a intolerância sempre parte para a estupidez, a grosseria, servindo-se da impaciência grande parte das vezes em que ocorre.

Mas poucos se dão conta de que um comportamento marcado pela intolerância tem compromisso com enfermidades como estresse, hipertensão ou psicossomatizações que desorganizam a saúde física, às vezes de maneira irreversível. O intolerante é fadado a desenvolver cardiopatias e distúrbios do sistema digestório, entre outras coisas. Mas seu maior problema é de âmbito interrelacional, pois acaba por gerar desafetos nos ambientes em que interage com aqueles com quem interage.

A intolerância só pode e até deve ser admitida diante da injustiça concretizada ou quando em nível ameaçador, e mesmo aí, salvaguardados os limites da coerência no reagir.

Evidentemente que a observar-se um crescendo da manifestação da intolerância, há que questionar-se o que poderia estar ditando este fenômeno comportamental. E algumas respostas possíveis podem ser elencadas.

Vivemos um tempo em tudo e por tudo diferente daquele que caracterizou a geração de nossos pais. Este é o tempo da pressa, do imediatismo ditando os movimentos de todas as ordens de serviços e do devir. Esta é a era do fastfood, dos deliveris, da informática que oferece resposta pronta em frações de segundos. A mente e toda a estrutura psíquica do ser humano está intensamente bombardeada pela noção de pressa, tipo: “a fila está correndo e você será atropelado”. Esse ritmo frenético que permeia hoje até o uso das ferramentas do cotidiano, como máquinas que ficam em stand by, controle remoto que aciona tudo em qualquer espaço; veículos turbinados; luzes fotoelétricas; microondas, etc; influencia de forma invasiva e sem filtros a visão e o pensamento, canalizados para o comportamento. Tudo e qualquer coisa que ponha em risco o ritmo e sua resposta satisfatória, espicaça a intolerância no convívio com o outro.

Outro tanto, essa mesma cosmovisão de uma corrida desenfreada semeia a ilusão da necessidade de uma superação insaciável que acaba por fomentar egos inflados, que precisam obter e realizar com superação contínua. Em contrapartida, tudo que puder ameaçar essa perspectiva de avanço ininterrupto, não pode ser tolerado. Então na estrutura intrapsíquica parece formar-se a equação do tipo: “rejeitar tudo e todos que me possam impedir, contrariar, contradizer, frustrar, atrapalhar e atrasar”.

E frustração ou a ameaça dela, real ou imaginária, é a causa maior da intolerância, porque o nível do homem moderno de tolerância à frustração está quase inexistente, pois se coloca no centro de tudo com a pretensão de ser a medida e o propósito único de todas as coisas.

O resultado dessa generalização da intolerância é guerra. Guerra doméstica (vista na ruptura de relações com uma adesividade cada vez maior); guerra urbana, nos embates de rua; guerra no trânsito, marcada por ultrapassagens sem lógica e prenhes de insensatez, afoiteza, chegando a fatalidades atrozes, e até mesmo guerra autodirecionada, quando a intolerância do indivíduo contra si próprio o leva à autodestruição, vista no elevado índice de suicídios.

Isso pode ser freado?

Toda a disfuncionalidade comportamental, seja no nível pessoal ou coletivo, pode ser freada a partir de uma tomada de consciência, e esta é uma boa notícia. Somente a partir de uma percepção autocrítica de suas próprias disfuncionalidades é que a pessoa pode tornar-se apta a buscar formas de ajuda, ou mesmo decidindo por se impor limites tanto quanto se vê apta a aderir a programas que regulam alimentação e treinamento diário em busca de melhor forma física. A performance comportamental precisa de atenção. É possível e bem-vinda. Com urgência necessitamos gerar uma sociedade que celebre a contemplação e se reeduque em direção a ser mais respeitável, mais reflexiva e sensível ao belo e nobre. A pressa, força motriz da intolerância, é inimiga da arte e da beleza. Daí a preconipreconização sábia do profeta: “…no sossego e na confiança estaria a vossa força…” (Isaías 30:15).