O Obelisco e a Torre

Entre um obelisco e uma torre, basicamente a diferença é estabelecida pela aplicação. Dependendo do formato e altura, o obelisco pode lembrar uma torre e vice-versa. Às vezes dá para confundir. Porém, a diferença essencial é vista no aplicativo: o obelisco serve como marco histórico, símbolo de honra, memorial. A torre, e me refiro às históricas, sempre esteve ligada à idéia de defesa, mais comum no mundo antigo por ser o local mais elevado que servia como ponto de vigilância sobre muralhas para defesa das cidadelas. Hoje constroem-se arranha-céus com o título de torre porque serve de homenagem à empresa que os construiu.

Em Gênesis 11, encontramos o relato da pretensão humana de construir uma torre que lhes fosse por obelisco. A Torre de Babel, construída na planície de Sinear, tanto atendia ao propósito de ser um memorial de registro do poderio humano, como uma torre de vigia quanto aos atos de Deus. Seus construtores pensaram: “Ergamos uma torre tão alta que toque o céu”. Deus destruiu a torre dos homens infundindo-lhes perturbações cognitivas. Sem se entenderem mutuamente, dispersaram-se por toda a terra, na direção inversa do seu propósito que era tornarem-se independentes de Deus, centralizados em torno de si mesmos, autossuficientes. E ao mesmo tempo, na dispersão, atenderam ao propósito divino estabelecido nos primórdios: “Povoem a terra!” Sempre o intento divino correu nessa direção: Todos! Não só vocês! Espalhem-se, distribuam-se! Doem-se!

O pensamento humano não mudou muito desde então. Há uma tendência inata ao homem, filho de Adão, quanto a precaver-se, garantir-se, reservar-se, sempre fazendo tudo em torno de si e dos seus. Os outros são excluídos.

Deus vira a página da história, literalmente a narrativa do capítulo 11 do Gênesis para o 12, com o chamado de Abraão, a quem desafia a independer de si e dos seus, contrariando a direção carnal da vontade humana em Gênesis 11, para depender dEle integralmente e assim, construir sua bênção na direção de “todas as famílias da terra”. E nesse propósito Abraão estaria erguendo seu obelisco, o memorial de ser uma bênção, em lugar da torre do egoísmo, ganância e particularidade.

Penso que em todas as épocas e lugares os homens continuam a construir suas torres a partir de promitentes obeliscos. Torres da vaidade, soberba, para fazer-lhes nome na terra. Mesmo na Igreja, na construção de alguns ministérios é notório o fato de que os homens começam com o obelisco, o memorial que aponta para Deus, e logo o transformam em torre que reduz a proposta na fama, no louvor do próprio nome. Em alguns segmentos da fé cristã isso é ainda mais visível, como na mídia evangélica com o apodo de “gospel”. Vemos as torres da fama, descaradamente sendo “santificadas” no intento de serem testemunho de vidas abençoadas, por conta de terem sido bem sucedidas (especialmente em papel-moeda).

Mas, no geral, o obelisco da busca da bênção começa sempre a ser forjado no investimento pessoal em orações, cultos, reuniões, participações e realizações cúlticas que parecem atestar uma espiritualidade em alta. Nem bem começam resultados pretendidos e o “adorador” transforma o obelisco da bênção (via de regra de escopo material, secular) em torre de apropriação de independência e garantia pessoal.

Penso também se não estaria ainda hoje Deus “desconstruindo” essas torres nas vidas dos que as levantam para si mesmos.

Examinando a História na antigüidade é fácil perceber que desde os eventos de Gênesis 11 Ele continua “descendo e confundindo” os construtores de torres, as torres da soberba pessoal e coletiva. É fácil também dar-se conta de que cada torre erguida pela pretensão humana de independer-se de Deus será derrubada a seu tempo. É só uma questão de tempo. E dou-me conta de que o processo é sempre o mesmo: a confusão do cognitivo. E o homem se esvazia na fé.

O que você está erguendo a partir de sua vida? Obelisco ou torre? Em que direção e a favor de quem está levando sua vida? É como você obtém sua resposta.

Se Voltares…Para Mim Voltarás – Jeremias 4:1

Pensamos, nós crentes, que o voltar-se para Deus, a conversão, é um ato e experiência únicos na caminhada da vida; ou então decidimos que há nova conversão após o destino de uma apostasia, abandono.

A verdade é que há um só Caminho, do qual contrariando a exortação de Isaías 30: 21 – quer você se volte para a direita, quer para a esquerda, uma voz atrás de você dirá: este é o caminho, siga-o, nós nos desviamos diariamente. Não me refiro àquela apostasia que nos leva a dar as costas a Deus e ao corolário de nossos dogmas evangélicos. Pelo contrário, estamos mais aferrados a eles do que queremos admitir. Falo, porém, dos desvios da consciência do Seu amor, do Seu companheirismo; falo das vezes tantas em que sem nos apercebermos fazemos substituições sérias e graves de Sua presença e Pessoa por coisas ou outros, sonhos, desejos e planos que correm para longe dEle ou que se interpõem facilmente entre nós e Ele, como substitutos mesmo, que buscamos, mais visíveis, mais perceptíveis ou levianamente mais imediatos do que Ele é para nós e do lugar que ocupa em nossos pensamentos e sentimentos.

Tanto pior isso é para aquela classe de cristãos para quem a gloriosa promessa de ser Ele para conosco o Companheiro chegado quando Se disse Emanuel (Deus Conosco) não passa de retórica bíblica significando no máximo um momento devocional num culto, numa leitura da Bíblia, ou num átimo de ações de graças. E depois disso é o mundo e seus apelos.

Mas a magna revelação do Deus Encarnado descortinou para nós a possibilidade de uma experiência inusitada: a companhia secreta e íntima da Presença Divina, que não está, apenas, mas é sempre, sem lugar ou hora demarcados. Percebida no íntimo do ser. Plena na consciência e nas regiões mais profundas da sensibilidade humana. À mão quando o coração crente apenas balbucia: Senhor!

Junto, porque apaixonado por pecadores a quem Se deu por amor.

DEle nos desviamos sempre. Mas nos desvios da caminhada diária nós O reencontramos sempre quando nos damos conta desses desvios e a Ele retornamos. Ele está sempre à espera, receptivo, como o Pai do filho perdulário que abandonou o lar. Por isso diz: ” Se você voltar, volte para Mim”.

Como a dizer: “Não volte às paixões pessoais que Me substituem dentro do seu peito. Não ponha ninguém ou nada entre nós dois. Volte para Mim.”

A verdade é que jamais outro ou qualquer coisa, fruto de nossas procuras ou cobiças viciadas neste mundo visível e temporal pode nos dar o que Ele é e dá. Sua Presença restaura a alma, satisfaz. Quando Ele é substituído por qualquer outra paixão, há desvio, desatino, insatisfação, frustração que cresce e amarga doentiamente no final.

A cada momento em que nos desviamos de Sua busca e paixão, nos perdemos. Para cada perda há a proposta de reencontro, retorno. Quando diz: “Volte para Mim”, Ele diz: ” Somente Eu. Nem mesmo Minhas coisas, ou o que Me lembra ou representa. Não. Eu só. Nem o Meu culto, Minha obra, Meus símbolos, Minha Igreja, mas, Eu somente.”

É voltar para Ele sempre, crente, em todo o tempo.

Ele e só Ele entre você e Ele. Nem mesmo seus sonhos a respeito dEle. Não os seus desejos nem os motivos de suas orações. Não suas necessidades ou carência de coisas ou de intervenções. Mas Ele.

Você já se deu conta das escadas que usou até agora para chegar a Ele, e que sempre ficaram entre você e Ele? As escadas são os objetos, conteúdos de sua oração. Plenamente razoáveis e justificados para você como para a maioria de nós, porque são conhecidos como filhos, doenças, emprego, relacionamentos, ministérios, desejos, etc. Mas quer tentar voltar-se a Ele sem usar essas escadas?

Sabe por que a maioria de nós usa escadas para chegar-se a Ele, até chorando? Medo de ficar a sós com Ele, sem nada. Porque nós somos ou nos entendemos um amontoado de coisas. E com isso desconhecemos quem somos, e preferimos assim porque temos medo de nos vermos, descobrirmo-nos como somos de fato, sem as coisas.

No entanto, é o que somos de fato que Ele vê e ama em nós.

Assuma este propósito: voltar-se para Ele levando você só, como fez Jacó no vau do Jaboque. Nem os seus, nem o que quer, nem suas coisas. Sem escadas. Só você, e assim possibilitar a Ele que ache sua vida, despida, real, tal como Ele quer.

Experimente voltar-se para Ele, como nunca antes.

Fio e Desafio

Pretendo não desafiar sua mente com elucubrações espúrias, mas é um desafio enfrentar a provocação da ambiguidade de sentidos que o termo desafio provoca, e me levam a incorrer em algum trocadilho.

Podemos ir por suas bifurcações: desafiar, no sentido de ir contra a fé (sabia que esse é o sentido na etimologia do termo? (“Des- afidare”, desatar da fé ou ir contra a fé) ou: cortar o fio, desfazer o fio. Vou optar pelo sentido popular em nossa semântica: confrontar, enfrentar, provocar, que acaba assumindo em si os dois sentidos etimológicos. E o faço a partir do pensamento que a associação dos dois termos inspira: fio e desafio. Faço isso sobre os textos procedentes da sabedoria de Salomão: “Há caminho que parece certo ao homem, mas no final conduz à morte.” – (Provérbios 14:12) e: “Em seu coração o homem planeja o seu caminho, mas o Senhor determina os seus passos” – (Provérbios 16:9), para dizer que nossos planos, o fio que traçamos segundo nosso entendimento e desejo, muitas vezes são um desafio, uma provocação ao pensamento divino. Mas ainda que nessa direção, prevalece a idéia de que traçamos o fio e Deus, cuja vontade é “boa, agradável e perfeita” o desafia, para cumprir a Palavra com que Se comprometeu dizendo: “Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês’, diz o Senhor, ‘planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro”- (Jeremias 29:11). E cremos que o Deus que pensou-nos em nossos dias, não nos proíbe nem impede de fiarmos nossa história, traçarmos seu fio. Mas dá-Se o direito por nos amar, de fazer o desafio para aperfeiçoar nosso caminho, segundo Sua santa vontade.

Inevitavelmente pensamos no fio de nossa caminhada existencial como um rio retilíneo que corre sem desvios nem ondulações; como um fio comprido estendendo-se definidamente em direção ao mar. Mas tal rio não existe. Se existisse, seria um rio egoísta, pouco útil, pois somente as terras às suas margens seriam beneficiadas por ele. Por mais reto que corra um rio, há que serpentear, fazer curvas, deitar-se por sobre precipícios em belas cascatas sobre vales fundos, e dessa forma, irriga muitas terras no seu percurso, e abre-se para criar afluentes. Daí o fio, assemelhado ao rio, precisar de contorções.

Portanto, não estranhemos os desafios. Eles não são ameaça nem risco de destruição. Não. Na vida do crente que confia em Jesus, os desafios são as “arrumações” de Deus, pelas quais Ele desambaraça o novelo de fios que embolamos em nossa ansiedade e precipitações.

Podemos concluir pensando que nós traçamos o fio, e Deus desafia.

A Um Nível Mais Profundo

“Então, que farei? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento.” – 1 Coríntios 14:15

Já há algum tempo surgiu entre nós um cântico que em forma de súplica diz: “Leva-me além: a um nível mais profundo de intimidade Contigo, ó Senhor”. Belo no propósito e na proposta. Sempre que o ouço ou o entoo, inevitavelmente penso na profecia de Ezequiel 47, em que via a si mesmo seguindo um homem que entrava pelas águas e avançava a níveis mais profundos a cada 500 metros de caminhada; e isso vezes sem conta me provocou uma associação com a vida cristã, em que podemos e devemos desejar ir a um nível mais profundo. Daí o texto quem encima esta reflexão, pois que ele nos diz que há um nível mais profundo.

Durante décadas batalhas hermenêuticas e apologéticas foram travadas entre líderes cristãos e teólogos sobre o texto de I Coríntios 14 onde o apóstolo ocupa-se em por ordem no culto da igreja de Corinto quanto ao uso das manifestações espirituais, e sobre estes argumentos apostólicos dividiu-se a igreja na aplicação textual ou desapropriação textual dos temas de I Coríntios, na tríade formada pelos capítulos 12, 13 e 14.

Posicionaram-se em trincheiras bélicas pentecostais e não-pentecostais para afirmarem suas conceituações.

Hoje me volto ao texto para pensar no fato que, com ou sem manifestações espirituais nele pretendidas, sejam elas a validade ou invalidade de línguas espirituais (o assunto em questão), Paulo nos aponta um exercício da fé, eivada em culto, que transita por níveis mais profundos. Qualquer que seja nossa forma de ver a contemporaneidade ou não dos fenômenos apontados nesta carta apostólica, imperioso é dar-nos conta de que neste argumento conclusivo de seu pensamento, o apóstolo aponta dois níveis de espiritualidade prática, que diferem, os quais chama de “com o espírito” e “com o entendimento”. Qualquer que seja a atribuição que façamos ao lugar que um ou outro ocupa, deparamo-nos com o fato inegável de dois níveis possíveis e diferenciados.

Isto posto, podemos partir para opções particularizadas conforme as tendências e exercícios da fé, por cada um, mas jamais conseguiremos invalidar esta premissa: há níveis diferenciados, onde um se sobrepõe ao outro, e se jungem para formar uma espiritualidade sadia e aprovada.

Então resulta que nosso coração deve atender a essa proposta: orar e cantar com o espírito e com o entendimento. Volto a dizer: não obstante a interpretação que atribuamos a uma ou outra forma de cultuar ou adorar ao Senhor,estamos em face de dois níveis diferenciados, e por força do argumento exortativo do apóstolo, convém darmos espaço a eles em nosso serviço de fé.

Fica então a questão: por onde vai nossa vida espiritual no tocante a orar e cantar ao Senhor? Em que nível estamos situados? Se o fazemos com o entendimento; quando o fazemos com o espírito? Se o fazemos com o espírito; quando o fazemos com o entendimento? Perceba: a questão levantada não se prende ao “como” mas “quando”.

E se devemos pautar toda nossa vocação cristã por essas duas vias, em quais áreas elas se fazem sentir, perceber? Em que nível estamos servindo? Em que nível você tem servido? Em que nível estamos vivendo nosso cotidiano de filhos de Deus?

Leve isso, com sinceridade, diante do Senhor de sua vida. Há um nível mais profundo, onde devemos entrar e permanecer nesta carreira com Cristo.