Esta palavra marca nosso cotidiano. Com raras exceções, e estas, vias de mensuração de níveis de educação no trato interpessoal, ela fica ausente.
Foi o que nos sobrou e se popularizou como derivativo de um gesto em que se pode expressar gratidão por conta de algum tipo de favor ou serviço recebido.
Mas ela apresenta-se como tônica no exercício da fé cristã; como um tipo de liturgia devolutiva na relação do homem com Deus por conta de ser objeto de Seu favor, este sempre imerecido. Até mesmo impõe-se sobre nós, na forma de um imperativo apostólico. É bastante ler I Tessalonicenses 5:18.
Nas relações humanas, agradecer é um gesto que expressa educação, gentileza, reconhecimento a outro diante de favores grandes ou pequenos. Quase invariavelmente se reduz à verbalização. Mas na relação homem-Deus, ser grato, expressar gratidão, assume um caráter confessional que ultrapassa o gesto que registra educação ou gentileza. Render graças, “dar graças”, verteu-se para nossa língua como “ações de graça”, expressão de que se servem nossos tradutores para nos transmitir a força do vocábulo grego “eucharistia”, popularmente lido “eucaristia”. Conquanto na Igreja Católica eucaristia assuma a designação que marca um ritual, o mais alto em significado dentro daquele cenário litúrgico, biblicamente eucaristia aponta para um movimento gratulatório, daí nossos tradutores pensarem em “ação de graças”. É neste aspecto que dizemos que impõe-se sobre nós, no imperativo apostólico como um culto, eu diria mesmo, num sentido pleno, litúrgico. Em outras palavras, ir além de verbalizar “obrigado”, mas mostrar-se grato, dar evidências factíveis de gratidão.
Eucaristia, na interpretação ou inclusão do termo como prática, pela Igreja Católica, indica o ato litúrgico em que o pão e o vinho são recebidos como o corpo de Cristo. Pensando em termos de uma diacronia do termo, entendemos que aquela igreja viu na oferta de Cristo a “ação” da graça de Deus e procurou dar visibilidade a isto, com este nome, para cumprir o memorial determinado por Jesus. Nossa leitura evangélica do texto bíblico nos leva a entender que nos foi requerido agir como quem se doa, como quem faz uma entrega pessoal e assim registra ou faz valer sua gratidão a Deus, indo muito além de um ritual, a uma forma de viver pautada pela entrega, por doar-se. Eucaristia, à luz do significado textual não implica em receber, mas em doar.
O apóstolo Paulo afirma que render graças é expressa vontade de Deus: “Deem graças em todas as circunstâncias, pois esta é a vontade de Deus para vocês em Cristo Jesus.” (1 Tessalonicenses 5:18). A palavra empregada neste texto, como nos demais, é uma variante verbal do substantivo eucaristia. Imagine este significado desdobrado em sua proposta: algo semelhante a “assumir atos de gratidão ou prestar culto movido por gratidão” diante de todas as circunstâncias. “Todas?” Perguntaríamos assustados, nós os que estamos sempre atraídos a atentar às circunstâncias que nos pontuam a vida. “Sim, todas”, responderia o apóstolo Paulo. Tornaríamos a perguntar: “Mas por que em todas?” E por certo ele nos responderia outra vez: “Porque Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que O amam” (Romanos 8:28).
A partir daí, podemos pensar sempre que nós, alcançados pela oferta gratuita de Deus em Cristo Jesus, devemos viver “eucarísticamente”, a tempo e fora de tempo. Abusando um pouco dessas associações de idéias e conceitos, podemos pensar que viver eucarísticamente atende ao preceito: “De graça recebestes, de graça dai”, pois verbalizar “obrigado” diante de Deus, fica longe de incorporar a eucaristia em que Ele deu Seu precioso Filho a nosso favor. Mas, com certeza, será de fato eucarístico ser grato a Deus, derramando ações de graças na vida dos Seus filhos.