Ele Faz de Novo

 Esta é a palavra que veio a Jeremias da parte do Senhor: “Vá à casa do oleiro, e ali você ouvirá a minha mensagem”. Então fui à casa do oleiro, e o vi trabalhando com a roda. Mas o vaso de barro que ele estava formando estragou-se em suas mãos; e ele o refez, moldando outro vaso de acordo com a sua vontade. Então o Senhor dirigiu-me a palavra: “Ó comunidade de Israel, será que eu não posso agir com vocês como fez o oleiro?”, pergunta o Senhor. “Como barro nas mãos do oleiro, assim são vocês nas minhas mãos, ó comunidade de Israel.”   – Jeremias 18:1-6.

Este clássico texto do profeta Jeremias, inspirador de incontáveis números de sermões e livros, é muito rico em toda a sua extensão. Via de regra é lido e aplicado até o verso 6. Nós reduziremos nossa aplicação dele até o verso 4, porque nosso propósito é extrair dele um tema que ele fundamenta e que é importante para a edificação de nossa fé em Cristo.

Poderíamos pensar nos aplicativos possíveis da linha que mostra o oleiro entregue à sua obra, mas pretendo apenas salientar o que além disso o profeta viu na olaria e no trabalho do oleiro, para o que também Deus chamou sua atenção.

Muitas vezes o Senhor Se serviu de imagens simbólicas para comunicar uma palavra profética, geralmente usando o próprio profeta como sinal da Palavra, caso de Isaias e de Ezequiel. E aqui, o sinal era um oleiro em sua oficina de trabalho, e este cenário continha a mensagem que o profeta teria de ouvir. Então chamo sua atenção para esse trocadilho divino: Jeremias entraria na olaria para ouvir uma mensagem. Qualquer de nós se prepararia para deparar-se com um outro profeta, um mensageiro verbalizando um discurso divino. Provavelmente Jeremias também esperava por isso. No entanto entra ali e nada acontece. Se houve algum som, era o da roda do oleiro e do atrito de sua mão na massa de barro enquanto moldava um vaso. Deus esperou que ele observasse tudo em seus detalhes pormenorizados. E o profeta assim fez. Viu que o oleiro estava tão ocupado, “entregue à obra de suas mãos “, que provavelmente não se apercebeu dele por ali. Viu que ele estava moldando um vaso, e se surpreendeu quando a tarefa foi bruscamente interrompida porque a peça se deformou ainda nas mãos do artesão. Jeremias continuou silenciosamente esperando a mensagem que lhe seria entregue. Possivelmente pensou: “Estamos só nós dois aqui. Certamente agora que seu trabalho se perdeu, esse homem vai se virar para mim e me dizer o que Deus me mandou ouvir aqui”. Mas nada disso aconteceu. Ainda sem se voltar, sem cessar o que fazia, o oleiro tomou a massa disforme do vaso, e com ela foi refazendo o vaso, dando um novo formato sobre o tipo anterior. Até que o terminou por completo.

E então, para surpresa do profeta, Ele ouve a voz divina, ali, no pé do seu ouvido ou dentro do seu coração: “…será que eu não posso agir com vocês como fez o oleiro?”, pergunta o Senhor. “Como barro nas mãos do oleiro, assim são vocês nas minhas mãos…”

E Jeremias entendeu a mensagem que tinha agora nas mãos. Era um recado para a comunidade do povo de Deus. Será que nós a temos entendido hoje? Porque o povo de Deus continua sendo barro em Suas mãos, desde o dia em que Ele formou Adão do barro da terra.

Deus estava comunicando verdades que precisavam ser fixadas nas mentes com tamanha eloquência que requeriam um áudiovisual. Não bastava Jeremias chegar e dizer ao povo que Deus avisava que podia fazer com ele como faz um oleiro com o barro em suas mãos. Era necessário que Jeremias visse a Palavra sendo montada, para que a anunciasse com as cores vivas do efeito que as imagens produziram em seu ser inteiro.

E até onde tais verdades nos alcançam hoje?

Primeiramente é importante lembrar que Deus continua sendo o mesmo Deus dos dias de Jeremias.

Depois, também é importante considerar o indiscutível fato de que continuamos a ser esse elemento da terra, matéria prima de nossa estrutura biológica: barro.

Ainda importa dar-nos conta de uma declaração divina que nos é pertinente: somos barro em Suas mãos. Mesmo que nos esqueçamos disso vezes sem conta, o fato imutável é que estamos em Suas mãos. Esperneamos muitas vezes, querendo sacudir esse jugo de sobre nossos ombros, alguns se escondem num veredito humanista: “recebemos o livre-arbítrio”, para pretenderem uma autossuficiência que no fim sempre se prova frustrante ou fatal. Mas o fato é que, para nossa segurança, quer esperneemos ou não, somos barro em Suas mãos.

Há ainda que avaliar o desdobramento dessa declaração feita pelo próprio Senhor, na forma de uma ampliada metáfora. Não somente barro em Suas mãos, mas tal como o barro nas mãos do oleiro. E é neste particular que faz sentido Jeremias ter de entrar naquele olaria para entender a dimensão e o alcance desta palavra. O que Deus queria que Jeremias visse para nos comunicar? Que o oleiro refazia o vaso a partir de sua deterioração.

Foi este o ponto em questão. Era só o que o Senhor pretendia que fosse visto. Foi justamente o que impressionou o profeta. Se o vaso não tivesse se estragado e o oleiro assumir refaze-lo, sem jogar fora a massa que já vinha sendo trabalhada, a visita à olaria nenhuma mensagem teria para Jeremias.

Algumas importantes nuances de sentido se desenham aqui para nós: o vaso, ainda que sendo trabalhado pelo oleiro ocupado com ele, seguro em Suas mãos, se estragou. O verbo usado originalmente , também traduz “se corrompeu”, “se arruinou”. Isto nos diz respeito muito de perto. O fato de estarmos sendo formados no propósito divino, não impede que percamos a forma, que nos estraguemos, ou nos corrompamos. Às vezes uma pequenina pedra na massa, e toda a estrutura se estraga. Foi assim com Daví. Um grande e valioso vaso. Mas se estragou várias vezes. Foi assim com Jonas, profeta.  Foi assim com Pedro, apóstolo. Foi assim com Tomé. É assim comigo e com você.

Mas o que mais Jeremias ouviu? Que Deus nos comunicava que fazia conosco como fez o oleiro. Sempre olhei este texto, com o constrangimento de pensar que o Deus soberano estaria pedindo autorização para agir em nossas vidas como o oleiro fez. Isso me confundia, porque é um paradoxo quanto à soberania divina. Até que me dei conta que Deus não estava pedindo permissão ao barro para poder mudar a forma do vaso. Ele não disse que somos como o vaso na mão do oleiro, mas como o barro. O vaso é o produto final, o resultado da obra do oleiro no barro, o propósito desse trabalho. Logo, Deus estava apenas informando ao povo o Seu jeito de agir. Seria como dizer em outras palavras: “Não se incomodem, não estranhem o que ocorre em suas vidas. Estou fazendo como o oleiro quando torna a fazer outro vaso a partir do estrago do primeiro. Eu não poderia? Ora, vocês são barro em minhas mãos “.

E então vem a magna lição da mensagem profética: Deus refaz sempre. Ele não remenda.

Ele refez, não desistiu, quando o vaso Daví se estragou. Refez Jonas; Pedro; Tomé.

Ele sempre faz de novo. Novos céus e nova terra; nova criatura; novo nascimento; nova vida em Cristo; novo começo. Sempre. Até que o vaso atinja o formato próprio ao propósito de nosso supremo Oleiro.

Sabedores desta verdade comunicada, o que nos cabe? Qual deve ser o nosso procedimento?

Primeiro: entender que neste barro de que somos formados, Deus constrói o vaso para cujo propósito nos chamou em Cristo.

Em segundo lugar: que nos estragamos muitas vezes, pelo simples fato de sermos barro e não metal sólido ou rocha. A rocha é Cristo.

Terceiro: que de igual forma, Deus toma a Seu cargo reconstruir em nós o que se deteriora. É um processo, e muitas vezes voltamos ao ponto de partida nele.

Quarto: Só Ele é o oleiro, e uma vez em Suas mãos, não nos cabe pretender arbitrar livremente a forma de nossa vida, mas aceitarmos com humildade e temor Sua Palavra que nos posiciona dizendo: “Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? “Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’ ” – Romanos 9:20.

Importa trazer ao coração a confiança na vontade de Deus que é boa, agradável e perfeita, lembrando o que também em Jeremias (29:11), Ele nos assegurou: “Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês’, diz o Senhor, ‘planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro.” Louvado seja Seu santo Nome. Sua vontade seja feita e nada mais.