A Força da Fraqueza

“…da fraqueza tiraram força”… – Hebreus 11: 34

Certa vez ministrava eu entre líderes, e os levei a pensar no poder da mensagem de Paulo aos coríntios quando disse que de boa vontade mais se gloriaria em suas fraquezas, porque nelas ele sabia que o poder de Deus se tornava perfeito. Chamei isto de a teologia da fraqueza, e lembro como reagiu mal a isso um dos líderes que, sendo psicólogo e habituado a ver o mundo pela equação “skinneriana” do estímulo-resposta- consequência, não podia conceber como um ser humano poderia comprazer-se em se saber fraco.

Esquecia-se aquele querido irmão, que Deus opera no mundo através de Sua sabedoria, antes do Seu poder. E na sabedoria de Deus, Ele escolhe os fracos, os que nada são; aqueles que por nada terem, estão abertos a se deixar usar pelo poder de Deus sem oferecer resistência ou concorrência alguma. Na história do trato divino com os homens, ao dar curso ao Seu propósito eterno, vêmo-Lo sempre entre o forte e o fraco, optando pelo segundo.

Quando chama Abraão, a quem escolhe para construir através dele um reino sacerdotal, não escolhe um Melquizedeque, seu contemporâneo e já sacerdote do Deus Vivo. Não. Escolheu o Abrão obscuro, pagão entre um povo pagão, um caldeu.

Quando chama Moisés, o grande legislador e líder de Israel, não Se detém em Sua escolha, a despeito de toda a argumentação deste quanto a ser incapaz, não saber falar, etc. Ele poderia ter escolhido Arão, o capaz.

Escolhe Jacó, usurpador, frágil, sempre dentro de casa, à sombra de Rebeca, sua mãe, em lugar do valente caçador Esaú.

Escolhe Gideão, que aflito grita para Ele: “Mas eu sou o menor da casa de meu pai.” E Deus lhe diz: “Vai nesta tua força”, que o próprio Gideão assumiu como fraqueza ou coisa de pouca monta.

Escolhe Débora, esposa, mãe, dona de casa, para comandar exércitos contra Sísera; no lugar do guerreiro Baraque, autoridade do povo.

Alguém diria: Mas Sansão era um guerreiro valente. Sim? Sem a força do Senhor temia até mesmo morrer de sede (Juízes 15:18). E tão fraco era que a sedução de uma mulher pagã deu-lhe cabo de sua valentia e força.

E lembremos o pequeno Daví, escolhido em lugar de seus irmãos guerreiros, altos e fortes.

Lembram o “colégio” apostólico? Um Tomé vacilante; um Judas traiçoeiro; um Mateus vil aos olhos do seu povo; um Pedro claudicante… E foi o próprio Jesus quem disse não ter vindo para chamar sãos ou justos. Chama um Zaqueu, uma Madalena, uma samaritana sem nome. Virtuoses? Longe disso! Quem se atreveria a formar um exército de virtudes a partir de tais caracteres!?

E Paulo? Ele próprio pasmo, verteu em gratidão a admiração por ter sido chamado de dentro de um contexto em que se vestia de perseguidor da Igreja, blasfemo, insolente e tal, para ser feito apóstolo e o mais solene doutrinador da Igreja que antes perseguiu.

Isto nunca mudou. Por isso mesmo com autoridade o apóstolo disse: “Deus escolheu o que para o mundo é loucura para envergonhar os sábios e o que para o mundo é fraqueza para envergonhar o que é forte” (I Coríntios 1:27).

Ele continua usando os fracos; os que nada têm, nada são; os que parecem menos preparados e aptos. Ele os transforma pelo Seu poder. Isto explica grande parte da escolha que nos fez. Todos os que Deus escolhe questionam em seu íntimo, como Moisés, a razão por que Ele não preferiu os “Arãos” conhecidos e melhor preparados. Já temos a resposta.

Não se surpreenda por Ele usar sua vida. É assim que Ele faz.

A Magia do Olhar

Os olhos falam. De maneira impressionante. São tão eloquentes quanto persuasivos. Falam mais que as palavras, muita vez antecipando-se ao discurso verbal, dando-lhe mais reforço ou servindo de referendo conclusivo a ele. Os olhos sorriem; repreendem; intimidam; refrigeram; traduzem alertas, sinalizam; transmitem alegria ou tristeza. “Os meus olhos se consomem de tristeza; fraquejam por causa dos meus adversários”. É a voz que o salmista dá ao seu olhar, no Salmo 6:7. Um pensamento popular afirma que eles são as janelas da alma. Na verdade os olhos expressam a personalidade. São de tal ordem identificadores dela que alguns os encobrem quando precisam passar desapercebidos sob certas circunstâncias. Ou, eles são expostos por peritos quando necessitam da identificação de um indigente por um amigo ou parente em caso de fatalidades.

Sem nos apercebermos tanto, passamos a vida conversando com os olhos alheios. Sempre procuramos contato visual quando nos aproximamos de alguém. Até os animais o fazem. Os seres vivos, em especial o ser humano, se comunicam inter-olhos, em todo o tempo. E quando alguns evitam contato visual no trato interpessoal, alguma coisa, via de regra, não vai bem. É o primeiro sinalizador que um terapeuta aponta num processo terapêutico: o contato visual. Mesmo quando estamos diante de um cego, nós nos dirigimos aos seus olhos sem luz, quando nos comunicamos com ele. E geralmente, se o ouvimos, temos a impressão de que ele fala por esses mesmos olhos sem brilho, ou fechados. Certa vez ouvi uma senhora, em sessão terapêutica, referir-se à severidade do seu pai, dizendo: “Ele nos batia com o olhar”.

Não sabemos qual fala teve o olhar de Jesus ao fixar os olhos do jovem rico, como narrado em Mateus 10:21, mas sabemos que foi suficientemente convincente para que seu observador dissesse: “Jesus, olhando para ele, o amou”.

Penso em qual mensagem Pedro ouviu, pelo olhar que Jesus deitou sobre ele, após havê-Lo negado três vezes! “Pedro respondeu: ‘Homem, não sei do que você está falando!’ Falava ele ainda, quando o galo cantou. O Senhor voltou-Se e olhou diretamente para Pedro” (Lucas 22:60,61). Acredito que seja uma impressão semelhante a de tantos outros homens e mulheres de Deus que a Bíblia revela terem vivido a sensação de estarem sob os olhos de Deus. A maioria deles testificando do conforto advindo desse olhar. A fé nos leva a olhar nos olhos de nosso Pai Celeste, e outro tanto a sentirmos sobre nós, o Seu olhar. Por isso um dia Agar, a escrava egípcia de Abraão, disse DEle: “Tu és o Deus que me vê” (Gênesis 16:13).

Nossos olhos são o primeiro veículo de percepção de estímulos externos, de que nos servimos, e é por meio deles, do que captam ao redor, que organizamos nossas respostas psico-físicas, respostas sensoriais. Acredito que seja por conta disso que a Palavra de Deus nos recomenda: “Não porei coisa injusta  diante de meus olhos” (Salmo 101:3) e ainda: “Os olhos são a candeia do corpo. Se seus olhos forem bons, todo o seu corpo será cheio de luz” (Mateus 6:22), disse o Senhor Jesus.

Onde fixarmos nossos olhos, é para lá que nos dirigiremos. Daí a suprema importância de deixarmo-nos guiar pelos olhos da fé, como a Palavra de Deus nos lembra: “Porque vivemos por fé, e não pelo que vemos” (II Coríntios 5:7).

Ensaio: Essência do Testemunho

“Vocês são minhas testemunhas, declara o Senhor…Vocês são testemunhas de que eu sou Deus, declara o Senhor” (Isaías 43: 10 e 12).

“Ele lhes respondeu: ‘Não compete a vocês saber os tempos ou as datas que o Pai estabeleceu pela Sua própria autoridade. Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas…” (Atos 1:8).

Desde os dias de Isaías Deus pretendeu ter no Seu povo um corpo completo de testemunhas de Sua divindade, diante de todas as nações. Em Isaías 49:6 Ele determinou que o Seu povo iria funcionar como luz em meio a um povo em trevas: “Também farei de você uma luz para os gentios, para que você leve a minha salvação até os confins da terra”.

Os dois conceitos se fundem e se completam num mesmo propósito (testemunhas e luz) para evidenciarem a funcionalidade desse testificar de um povo a respeito de Deus, entre os demais povos. Quando o Filho de Deus vem estabelecer a era da graça e sua manifestação entre o povo da graça, a Igreja, Ele reitera esse plano divino e o estabelece através dos Seus seguidores, os crentes, em termos mais enfáticos e práticos.

Enquanto na profecia de Isaías Deus sinalava o que o povo de Israel deveria fazer, Jesus estabelecia o que o Seu povo teria de ser, para fazer: “Vocês receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas…”

Qualquer que seja o ângulo em que se pretenda ler e entender esta máxima do Senhor, fica claro o que Ele determinou: O Espírito Santo viria para capacitar a Igreja a ser testemunha. Em termos diretos: O Espírito Santo é o potencializador do crente para que Ele seja uma testemunha de Jesus. Isto aponta diretamente para a essência. O crente foi estabelecido para ser uma testemunha e a sua capacitação seria derivada do Espírito Santo, tanto como para ser feito filho de Deus, esse mesmo crente depende dessa capacitação operada (gerada) pelo Espírito Santo de Deus (João 1:12). Nos dois textos (Atos e João) o que temos é a referência a um poder que capacita a ser, e a informação da fonte ou origem desse poder: O Espírito Santo.  É do mesmo poder e critério do que disse Jesus, quando fez diferença entre sermos luz e brilharmos. “Vocês são a luz do mundo”, e: “Assim, façam resplandecer sua luz diante dos homens para que vejam suas boas obras e glorifiquem a seu Pai que está nos céus”.  Ora, fica claro que não está em nós o poder de sermos luz. Isto nos é dado como consequência de nossa aliança com Ele,

por meio de Sua vida e Palavra em nós. Mas nos cabe fazer essa luz acontecer, e ainda somos advertidos a não deixá-la oculta.

A questão de ser testemunha corre pela mesma via e critério. Não está em nós o poder de tornar-nos a nós mesmos em testemunhas. Não depende de nossa vontde. Dependemos de que o Espírito Santo o faça em nós, mas nos cabe a partir daí, fazer o testemunho acontecer, como lembrou Pedro: “Estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pergunte a razão da esperança que há em vocês…” (I Pedro 3:15). Isto estabelece uma distância entre ser testemunha (essência) e fazer ou como  fazer o testemunho acontecer (forma), e neste particular, aí entra o exercício de nossa vontade, que cumpre obedecer.

Isso parece muito  óbvio; no entanto, não o suficiente para impedir um volume de equívocos de graves consequências no posicionamento espiritual de exércitos de filhos de Deus, crentes em Cristo Jesus.

Volto à questão: Em Atos 1:8 Jesus estabeleceu a essência de nosso cristianismo: ser testemunhas, e outro tanto explicitou: “poder para ser”.

Não obstante, por dezenas e dezenas de anos crentes vêm digladiando entre si quanto à forma de ver e vivenciar esta verdade. Divisões inumeráveis surgiram dessa divergência; acirradas e tristes disputas e milhares de compêndios escritos de ambas as trincheiras para defender suas óticas particulares.

Sem pretender simplificar o que sempre pareceu complexo demais, lembro a ênfase dada a este texto pelo ilustre servo de Deus, reverendo Martyn Lloyd-Jones quando insistiu em mostrar que a promessa em Atos 1:8 apontava para o poder para ser.

Grande parcela da igreja evangélica parou sobre este texto decidindo que o que Jesus teria prometido era poder para fazer o testemunho acontecer, logo, esse poder, segundo essa ótica, consistiria numa outorga de ferramentas, que dada a ocorrência histórica do fenômeno do falar em línguas que acompanhou a descida visível do Espírito Santo sobre a igreja reunida em Jerusalém, e outro tanto a associação que Pedro em seu discurso esclarecedor fez do fenômeno com a profecia de Joel (onde se acrescentavam outros efeitos na promessa, como profecias e sinais), essas “ferramentas” para testemunhar teriam de ser, necessariamente, a outorga dos dons carismáticos para que houvesse eficácia, ou “poder” no testemunho.

O equívoco que daí surgiu, com todos os corolários de seus desdobramentos, alguns deles até perversos em sua proposição (como a ideia de que o crente só teria o Espírito Santo se falasse em línguas) fez a leitura diferencial entre ser e fazer. Mas o que Jesus prometeu foi poder para ser testemunha. A partir daí, o crente teria de

testemunhar, ou fazer o testemunho para o qual ele estava potencializado, acontecer, via os recursos que obtivesse e desenvolvesse por meio de sua fé.  O lugar de ser testemunha, portanto, estabelece o cristão numa identidade intimista com Cristo e Sua obra (como bem coloca Lloyd-Jones).

As manifestações carismáticas serviriam, como ainda servem, não como evidência desse poder ou capacitação, mas como meios dos quais o crente poderia se servir, pela fé, para realizar seu testemunho.

Em outras palavras: a essência, o poder para ser testemunha, é eterno, é o que permanece, enquanto as formas são variáveis, transitórias em sua proposta e objetividade.

Se o poder aludido por Jesus se consistisse em manifestações carismáticas, teríamos graves problemas de hermenêutica e semântica na teologia elucidativa de Paulo à Igreja, porque ele deixou claro que nem todos as usufruem; nem todos os que as usufruem, são servidos de todas elas, e outro tanto mostrou que encher-se do Espírito Santo para viver a vida cristã, não consistia em encher-se delas ou de sua manifestação cotidiana, bastante para isso lermos Efésios 5:18 e seguintes, sem preconceito: “Deixem-se encher pelo Espírito, FALANDO entre vocês com salmos, hinos e cânticos espirituais, CANTANDO e LOUVANDO de coração ao Senhor, DANDO GRAÇAS constantemente a Deus Pai por todas as coisas…SUJEITEM-SE uns aos outros, por temor a Cristo”. As manifestações carismáticas aqui não foram aludidas como causa nem como consequência desse “deixar-se encher”.

Laboram em erro sério aqueles que pretendem, de um lado, asseverar que as manifestações carismáticas eram o foco do que Jesus pretendeu como poder do Espírito para sermos testemunhas, e do outro, os que por razões várias, suprimiram de sua confissão a possibilidade dessas manifestações, reputando-as por desnecessárias e obsoletas na consecução da caminhada cristã, forçando uma leitura que o texto bíblico jamais consentiu, porque não o pretendeu nem decidiu que as gerações vindouras na fé testemunhal poderiam viver sob limitações do poder de Deus em meio a um mundo incrédulo e desdenhoso, que a própria profecia de Paulo antecipou como a descrição de nossos dias, em que os homens “seriam desafeiçoados e mais amantes dos prazeres do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando o seu poder” (II Timóteo 3:1-4). Não. Longe disso, o crente necessita de uma vida dinâmica no Espirito de Deus, mais próximo a crer e realizar o Seu agir, num cenário de tanta falácia. Contudo, nunca é pouco advertir que as manifestações carismáticas jamais foram garantia de poder ou essência para testemunhar, uma vez que nunca vieram simbióticas com o caráter. Carisma espiritual não é sinônimo nem garantia de caráter espiritual, daí não servir como essência e haja vista a própria igreja primitiva, representada pelos crentes

de Corinto, em cujo meio o culto estava tão expressivo em manifestações carismáticas, sem que qualquer delas os salvaguardassem de uma vida tão distorcida em termos de ordem e decência, razão mesma para a existência da carta do apóstolo Paulo àqueles irmãos.

Por um lado somos cruéis e profanos quando decidimos que o poder para testemunhar tem de provar-se via manifestações fenomenais, o que exclui aqueles que não as vivenciam, embora sua vida cheia da presença do Espírito de Deus. Por outro lado, não menos profanos somos, quando decidimos que as manifestações espirituais, conhecidas como dons do Espírito Santo, não mais ocorrem, porque isso nos põe, inevitavelmente, na posição de devedores a esses irmãos carismáticos de um lugar acreditado e digno em sua confissão cristã, tão piedosa quanto apaixonada pelo mesmo Cristo e Senhor.

E ainda prevalece uma outra assertiva: ainda que o ser testemunha não seja produto do exercício de nossa vontade, exercer esse testemunho, sim. Mas, dar testemunho, que difere de ser testemunha, é uma consequência tão comprometida com a realidade de ser testemunha, quanto sua ausência pode tornar-se uma negação da outra, na mesma linha do que advertiu Jesus: “Que a luz que há em você não seja treva”. Outrossim, impõe-se considerar que ser testemunha, fruto de identificação com Cristo e Sua obra, tem suas próprias características, que aqui eu gostaria de definir como o perfil de quem é, de quem está apto para ser testemunha, conforme revelou o Senhor Jesus em Mateus 5. Nesse texto do sermão do Monte, Jesus aponta essas características. As testemunhas são os que Ele definiu como “pobres em espírito; os que choram; os humildes; os que têm fome e sede de justiça; os misericordiosos; os puros de coração; os pacificadores; os perseguidos por causa da justiça.”  Fica evidente que esse perfil não é fruto da vontade humana, mas resultado de uma ação poderosa do Espírito de Deus. Ser testemunha é essência. Fazer acontecer é deixar essa natureza nova implantada ter vez, sem obliterá-la com as obras da carne.

Em suma, entendemos que sempre há de pesar sobre a responsabilidade dos que crêem no Senhor que, uma vez feitos testemunhas de Cristo, tanto quanto filhos de Deus, em meio a esta geração, cumpre-nos encher-nos desse Espírito, para que nosso testemunho resplandeça como luz em meio às trevas, de tal forma que isso se torne visível aos que nos rodeiam.

Brechas da Misericórdia

Êxodo 32: 9-14 e Números 16: 42-48

Dois relatos de uma situação tão própria à natureza humana, e no tocante à reação divina, e tão incomum quanto misteriosa. Explico o porquê do mistério. Tem tudo a ver com o lugar que o crente em Cristo ocupa no que tange à oração. Somos a um mesmo tempo exortados a orar e sujeitar-nos à vontade soberana de Deus. Quase que envolvido num conflito de ideias, o crente ora, rogando e crendo nas intervenções divinas a seu favor, ao mesmo tempo que sabe que Deus tudo opera segundo o Seu propósito. Por fim, parece que orar corre mais em direção a conseguir fazer coincidir a necessidade de quem ora, com a vontade de Deus, esta, via de regra não clara para quem suplica. Nesse dilema confunde-se a maioria. Alguns se atrapalham a ponto de desertar do objetivo de orar. Em especial aqueles, maioria esmagadora, que tratam a oração petitória como a única via de conversar com Deus. Não sabem ou não conseguem vivenciar outra realidade no que respeita a orar.

Quando somos informados pelas Escrituras que o Deus a Quem oramos sabe o que diremos antes mesmo que o façamos, então o quadro parece ficar ainda mais indiscernível.

Mas os episódios narrados nos textos clássicos de Êxodo e Números, parecem nos esclarecer essa misteriosa equação. Em cada um deles Moisés está em meio a um trágico conflito onde de um lado se encontra um povo acusado em seu pecado e obstinação, e do outro, o Deus desse povo, irado, prestes a destrui-lo em Sua ira, e ainda persuadindo Moisés a deixá-Lo fazer isso, sem se opor (sinalizando que Ele Se deixaria opor) e ainda oferecendo a Ele posição futura melhor. É então que nos deparamos com o Moisés intercessor, que suplica pelo povo e ora, procurando demover Deus de Sua ira e propósito. Em cada uma das duas situações Moisés sai bem sucedido. Deus atende à sua voz; aplaca-Se de Sua ira; perdoa e livra o povo.

A oração continua sendo esse mistério entre o crente e Deus. Ao que nos parece, ela serve para abrir brechas de misericórdia na vontade divina, que nos alcança com graça. E o nome disso é graça. Mas, noutro extremo encontramos  aqueles que se pensam com direitos pela fé sobre essa graça, e entendem que podem fazer exigências e dar ordens a Deus, que os atenderia para “ficar bem na fita”. Esquecem que o Deus soberano, ainda que opere em graça e abra brechas de misericórdia a nosso favor, é um Deus a ser temido sempre, pois é o Único Senhor. Vale lembrar que, tempos mais tarde, o mesmo Moisés coloca-se diante Desse mesmo Deus que a ele se opõe, e tanto não o atende quanto ao que ele Lhe suplica, quanto o proíbe de voltar a tocar no assunto em questão (Deuteronômio3:23-25).

Vale pois, a pena, atentar a duas máximas: “Orem sem cessar” (I Tessalonicenses 5:17) e: “Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tiago 5:16). Entremos pelas brechas da misericórdia à presença de nosso Deus em oração.

O Intercessor Eterno

João 17:1-26.

O que a intercessão de Jesus buscou a nosso favor?

São três os objetos, alvos desta intercessão do Senhor Jesus:

Ele mesmo;
Os líderes da fé, aqui representados pelos apóstolos;
A igreja, decorrente do discipulado deles.

1- Quando ora a Seu favor, Jesus pede uma única coisa: o retorno ao Seu estado primitivo de glória, a glória da unidade com o Pai, para que o peso dessa glória se traduza em Deus glorificado por Ele. Lembremos que Paulo nos mostra em Filipenses 2 que para encarnar, Jesus “esvaziou-Se a Si Mesmo”.

Mas, o que entendemos da glória de Deus?

Quanto ao mundo criado é a Sua manifestação divina, em seus efeitos, mas é mais que Seu poder.

Quanto à própria pessoa de Deus consiste em Sua natureza insondável, fala de Sua majestade eterna.

Quanto à Pessoa de Jesus, equivale ao que entendemos como um representante de uma majestade com a autoridade plena transferida por ele, como Seu substituto legal, ou seja, que responde por Ele e age na Sua força.

2– Quando ora a favor dos líderes e discipuladores, ele pede:

(A) – A proteção que o nome do Deus Eterno traz. De que isso fala? O Nome de Deus que Jesus manifestou aos homens é PAI, ABBA. Seu Espírito nos foi enviado para tornar isso possível. Protegidos pela paternidade divina, o que fala de um tipo especial de autoridade espiritual. E isso tem de redundar inevitavelmente em unidade, ou seja, um corpo de filhos, disso conscientes.
(B) A proteção quanto ao Maligno e a simbiose deste com o mundo onde os crentes habitam. Ele também nos ensinou a fazer essa oração: “Pai Nosso…livra-nos do Mal…”
(C) E a redundância dessa oração: Que sejam santificados por Deus na Verdade. Deixa claro que não é uma santificação baseada na verdade ou em ideias dela decorrentes, mas aquela que emerge da Revelação Escrita, a Bíblia, aquela que é ditada pela boca de Deus. Santidade escriturada, que apresenta nossas cercas, limites, quanto ao mundo.

Essa tríplice petição é pertinente, porque visa aqueles que servirão de modelo para o restante da Igreja, os demais discípulos. Ela pontua: autoridade espiritual que se alicerça no posicionamento quanto à paternidade divina; no posicionamento quanto ao mundo e seus “deuses”; no posicionamento pessoal quanto às Escrituras e seu efeito naquele que a cumpre.

3– Quando ora a favor da igreja em geral, resultante da obra de discipulado, Ele pede:

(A) Que eles estejam vivendo entre si a unidade pretendida, deles com o Pai e com o Filho. Esta unidade fala altamente de identificação ou identidade, algo do tipo: “com nosso jeito, com nossa cara”. Mas fala de identificação com o que deve ser comum a todos eles: Efésios 4:4-6 e a filiação divina: uma só fé, um só Corpo, um só Deus e Pai…
(B) Que a unidade seja plena e kerigmática, ou seja, suficiente para levar seus observadores a concluir que Deus está neste mundo e com amor (23), pelo testemunho da vida de comunhão de Seus filhos.
(C) Que eles estejam na Sua presença eterna e debaixo do esplendor da mesma glória que Ele buscou para Si: o céu.

Não mais em caráter de oração, mas como expressão de desejo, o v.26 encerra essa magnífica oração rogando que os crentes estejam debaixo do amor do Pai na mesma medida em que o Filho Eterno é amado por Ele. Algo muito especial que esta oração de Jesus nos revela é que qualquer de nós foi coberto por ela. Se tivermos dúvidas quanto a alguém um dia ter orado por nós, João 17 nos revela que Jesus o fez. Aleluia!