Juízes 6: 34-40.
Aqui está um tema que ainda confunde muitos crentes em Cristo e motiva outros a temeridades frustrantes no exercício de sua espiritualidade. Vamos tentar decifrá-lo o mais didaticamente possível, tomando por base justamente o texto histórico que o motiva.
A história é a do chamado de Gideão, o juiz de Israel para cuja narrativa a Bíblia reserva o maior espaço, acima mesmo de Sansão, que surgiu muitos anos depois e também ocupa largo espaço. Gideão julgou Israel por quarenta anos.
Tomado de fraquezas e medo dos povos opressores do oriente, Gideão se viu chamado por Deus para organizar um exército e desbaratá-los. O medo de Gideão prevalecia contra sua fé, a despeito da forma pouco comum como Deus lhe apareceu, semelhante somente a de Moisés e com proposta idêntica, chamando-o pelo nome, falando-lhe e dando provas de Quem o chamava, manifestando fogo e poder. Mesmo depois de se ver investido pelo Espírito de Deus, de tal forma que o sentido do verbo usado pelo narrador para descrever seu investimento significar literalmente, “totalmente vestido por”, ele ainda se vê fraco e temeroso diante da realidade do enfrentamento. E propõe a Deus que o fortaleça confirmando dois sinais por ele estabelecidos: do orvalho e o novelo de lã.
Alguns dos que lêem esta narrativa querem servir-se dela para colocar Deus à prova, porque a acham válida e pensam que Deus Se curvou a atender Gideão uma vez que cumpriu suas propostas. Deixam de perceber coisas significativas e paradoxais ali ocorrendo. Vamos a elas:
Gideão pensa que conseguiu o que queria através dos sinais propostos. Não. O que ocorreu foi Deus atender às proposições mas o resultado se provou inútil. Mais adiante, no verso 10 do capítulo 7, O Senhor identifica que Gideão continua com medo, e então é Deus Quem resolve a situação criando um estratagema para inspirar fé no coração de Seu escolhido, quando lhe manda descer ao arraial inimigo para ali receber uma mensagem que traduzia um sinal, dado não ao crente, mas ao ímpio. Em suma, o sinal eficaz é estabelecido por Deus Mesmo, não por Gideão.
Na verdade, aquela proposta de Gideão a Deus, que lhe parecia pôr Deus à prova, foi aceita porque Deus sim, colocou Gideão à prova. Deus mostrou a Seu escolhido que ele estava com medo. Foi Deus quem ali provou Gideão, ao mostrar a ele que agia segundo Sua promessa, quando lhe disse que Ele, Gideão, feriria o todo por um. Os midianitas e seus associados, seriam feridos como se fossem um só homem, por um só homem: o todo por um e o um pelo todo. O novelo sozinho no meio do todo, e a eira toda a favor do novelo sozinho.
Em outras palavras, o que nos parece a motivação de Gideão ao propor o sinal, era uma reação projetiva de sua verdadeira e encoberta vontade: o que ele buscava era que o sinal falhasse, e assim ele estaria descomprometido quanto ao desafio feito. Deus o prova, quando cumpre a proposta do sinal. Daí vermos adiante que o medo persistia, e somente mediante o sinal dado por Deus mesmo, o sonho do soldado midianita, é que a fé assomou ao coração de Gideão.
Alguns de nós caem na mesma cilada. Ao pedirem um sinal a Deus diante de um desafio ou expectativa, pensam que estão tendo fé. Mas nada disso. Apenas querem dar visibilidade ao que eu chamaria de cautela, e que em nome de uma defesa pessoal, esses mesmos chamam de prudência. Se o sinal falhar, vêem-se desobrigados a crer e outro tanto a insistir na demanda.
A fé dispensa sinais. E a fé não se serve de cautela. A prudência, outro tanto, é que se serve da fé. E a equação é esta: a cautela significa desconfiança, ou ausência de fé, logo, é carnal. A prudência, que é instrumento de sabedoria, logo, espiritual, administra a fé, da qual tomou posse.
Quando Gideão pede os sinais, ele está se servindo de cautela. Quando é ele quem recebe o sinal, no acampamento dos midianitas, ele investe na prudência, porque procura transmitir a seu pequeno exército a mesma coragem de que agora está imbuído, antes de partir para um plano estratégico de ataque, que não é nem mais nem menos que usar de prudência para desferir o ataque usando de recursos elaborados. Se examinarmos historicamente, veremos mil anos depois o rei Josafá partindo para um confronto semelhante, totalmente dependente da proposta de Deus, sem se servir de estratégia nem de armas, porque Deus lhe havia dito que naquele confronto eles nada teriam que fazer. Mas a Gideão disse Deus que ele feriria os midianitas como se fossem um só homem. Então uma vez tendo crido, ele usou de prudência.
A cautela se serve de meios para provar “se foi mesmo Deus quem disse” ou se a Palavra divina se cumprirá. No caso de Josafá, se ele quisesse usar de cautela com nome de prudência, ele armaria seus soldados, com a desculpa do famoso “pelo sim, pelo não”.
A prudência nos leva a procurar ajuda médica em casos de enfermidade grave ou simples, crendo que o processo curador tem em Deus e no Seu poder a garantia. A cautela investe toda a sua proposta nos recursos visíveis, sem espaço para a fé. A cautela não passa de imprudência, porque denuncia a desconfiança.
A prudência espera. A cautela desiste. A prudência aguarda a direção divina, a cautela determina o que Deus deve fazer, dirige a mão divina. A prudência administra a fé que confia em Deus, a cautela procura exercer o controle, para se sentir segura. A prudência avança; a cautela procrastina. A prudência assume atitudes em direção da promessa; a cautela precisa de evidências que lhe dêem garantia, porque prefere não enfrentar. A prudência é valente; a cautela é covarde.
Fomos convidados a crer conforme a proposta divina: “No teu Deus espera sempre”, ou, como disse o Senhor Jesus: “se creres, verás…”