Há poucos dias tive o privilégio de conhecer e entrar em contato com um médico de São Paulo, muito bom sujeito, que ao mesmo tempo em que se dizia ateu, revelava um interesse pouco comum pela pessoa de Deus. Numa tentativa de discutir o assunto Deus, ele usou o argumento mais próprio aos que desistiram da idéia de Deus, quando citou uns fatos de tragédias da vida e me perguntou por que Deus não impedia tais fatalidades. Eu lhe dei a resposta na qual creio: Deus não tem esse compromisso. Ele se mostrou surpreso. Então eu lhe disse que ele estava vivendo uma idéia falsa, mitológica de Deus, religiosa e poética, mas inventada pelo desejo ou superstição humanos. Mas não a verdade acerca de Deus que só o verdadeiro Deus pode passar de Si mesmo. E que por ser mitológica, estava fadada a decepcionar sempre.
Ao mesmo tempo em que falava com ele eu me perguntava quantos dos crentes evangélicos hoje não confessam um deus mitológico porque é a idéia de Deus que lhes convém? Quantos desistem de crer no Deus Eterno porque esse conhecimento de Deus não lhes convém? É do nível do lamento de Paulo em Romanos: “Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis.” – Rm. 1:22-23. E as imagens aqui referidas não se limitam a ídolos, mas incluem as imagos conforme nosso coração deseja, ou seja, a imagem mental que nosso coração cria acerca de Deus.
Denuncio o fato de que mesmo cristãos evangélicos criam um deus mitológico e isso tem sido tanto mais frequente quanto mais distante a confissão evangélica vai ficando de sua fonte escriturística. Mormente nos redutos onde profetas anunciam um deus promitente de vantagens e privilégios a cultuadores desprovidos de discernimento, e que entendem por deus um que esteja à mão para satisfazer seus desejos.
Mas o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo jamais permitiu que os homens fabricassem uma idéia a Seu respeito. Ele Se deu a conhecer.
Temos dois textos que parecem nos apresentar idéias antitéticas de Deus: Salmo 90 e Salmo 103.
Comparemos: Salmo 90:7 e 8 com 103: 3 e 8-12 – ““Somos consumidos pela tua ira e aterrorizados pelo teu furor. Conheces as nossas iniquidades; não escapam os nossos pecados secretos à luz da tua presença.” (90:7 e 8); “É ele que perdoa todos os seus pecados e cura todas as suas doenças”; ” O Senhor é compassivo e misericordioso, mui paciente e cheio de amor. Não acusa sem cessar nem fica ressentido para sempre; não nos trata conforme os nossos pecados nem nos retribui conforme as nossas iniquidades. Pois como os céus se elevam acima da terra, assim é grande o seu amor para com os que o temem; e como o Oriente está longe do Ocidente, assim ele afasta para longe de nós as nossas transgressões.” (103:3;8-12).
90: 9-10 com 103: 4- 5. – ““Todos os nossos dias passam debaixo do teu furor; vão-se como um murmúrio. Os anos de nossa vida chegam a setenta, ou a oitenta para os que têm mais vigor; entretanto, são anos difíceis e cheios de sofrimento, pois a vida passa depressa, e nós voamos!” (90:9-10); “…que resgata a sua vida da sepultura e o coroa de bondade e compaixão, que enche de bens a sua existência, de modo que a sua juventude se renova como a águia.” (103:4-5).
É quase contraditório. Mas não é. Nem se trata de óticas diferenciadas de se ver Deus.
A razão está nos textos de 90:17 e 103:13. “Esteja sobre nós a bondade do nosso Deus Soberano. Consolida, para nós, a obra de nossas mãos; consolida a obra de nossas mãos!” (90:17); “Como um pai tem compaixão de seus filhos, assim o Senhor tem compaixão dos que o temem;” (103:13).
A nós convém ter e preservar uma visão unilateral de Deus que se coaduna com nossos desejos e necessidades. Um Deus paterno a Quem queremos transformar em paternalista.
Mas o salmo 90 chama nossa atenção para o fato de que esse Deus Pai também é Senhor soberano e responsável, que estabeleceu normas, leis físicas e morais que não podem sofrer suspensão por capricho em função de descuidos e descasos dos homens. Ele vê seus filhos como filhos que são humanos, responsáveis e responsabilizados por seus atos e decisões, suscetíveis de sofrer consequências boas e ruins conforme suas escolhas: “Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear isso também colherá. Quem semeia para a sua carne da carne colherá destruição; mas quem semeia para o Espírito do Espírito colherá a vida eterna. E não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos.” ( Gálatas 6:7-9 ).
Ele é Pai, mas não é paternalista, e por isso mesmo a Ele devemos a um só tempo, amor como Pai e temor como Senhor.
Uma importante notícia: as duas formas de adorar devem andar na mesma medida, sem que uma se sobreponha a outra.
Atentemos para Malaquias 1:6 – “O filho honra seu pai, e o servo, o seu senhor. Se eu sou pai, onde está a honra que me é devida? Se eu sou senhor, onde está o temor que me devem?”…