A Partilha Que Multiplica

Marcos 6: 30-44

Há movimentos emblemáticos neste milagre que vem relatado nos quatro evangelhos, e tais movimentos falam da natureza, do espírito que caracteriza a manifestação do Reino de Deus na vida dos que vivem em função dele.

Vejamos alguns pontos relevantes que a leitura geral feita nas quatro narrativas aponta:

1- O milagre se deu num lugar deserto nas cercanias de Betsaida, cujo nome significa: “casa de misericórdia.” Por sua vez, este milagre é fruto de misericórdia, e por certo se registrou na memória de seus beneficiados como transformando aquele espaço desértico num lugar de exercício de misericórdia – Lucas 9:10.

2- Marcos e Lucas posicionam o milagre como ocorrendo logo após o retorno dos Doze em sua primeira missão ao campo. Então ele entra como ratificação da missão da Igreja em repartir o que tem e o que leva, gerando um multiplicador inevitável.

3- Filipe é o homem a quem Jesus provoca, ou prova, e que informa terem apenas 200 dinheiros, insuficientes para comprar pão para tanta gente (João 6:7).

4- André é o homem que traz a oferta humílima de 5 pães e dois peixes, merenda de um rapaz que entre o povo estava.

5- O povo foi ordenado em ranchos sobre a relva, à espera do milagre. Imagino que se assentaram por opção de afinidades, como os ranchos em que a Igreja visível de Cristo se ajunta no mundo todo.

Então, coisas acontecem, e são sobrenaturais. Tudo, a partir de uma entrega que originalmente era:

– Insuficiente em si mesma;

– O tudo do ofertante;

– Dada a um, a favor de todos, e recebida pelo Senhor, em Suas  mãos. E essa entrega, que passando por André chega às mãos do Senhor, parece cumprir literalmente outra funcionalidade da Igreja, como preconizada por Jesus: “Quando o fizeste a um desses pequeninos, a mim o fizeste”.

E a natureza do milagre:

  • Começou por um dividir, um repartir (Marcos 6: 41);
  • Os que recebiam sua parte, serviam aos demais (6:41);
  • E as divisões continuavam. Ou seja, diminuía para multiplicar. O programa era dividir. O resultado foi multiplicação.

E o mais importante: Esse milagre teve origem, começo em Jesus, mas continuou e aconteceu pela e com a participação de cada um, de forma que todos foram por sua vez instrumentos da realização do milagre. Eis a Igreja aí!

O efeito final atingiu o objetivo: satisfação (6:42).

E houve abundância de sobra para quem repartiu primeiro.

Fé: Esperança Ou Desespero?

Para que serve a fé? Ou ter fé? A Palavra de Deus afirma que a fé é um recurso (fenômeno) dado por Deus. Qualquer coisa que pretenda ser ferramenta para o transcendentalismo sem ser essa dádiva divina, o mais que consegue atingir é o status de mentalização, porque a fé não é nem alguma forma de energia psíquica nem mero derivativo do racional humano como filosofias e equivalentes. A fé é um construto inerentemente espiritual, tal como a esperança, que a alimenta.

Por sua vez, da mesma maneira como o ser humano almeja perpetuidade, porque o anseio pela eternidade foi posto por Deus dentro dele (Eclesiastes 3:11), esse anseio gera um substrato de esperança, em função da qual toda a estrutura psíquica da humanidade funciona. Diferentemente de todos os demais seres vivos, nós, humanos, vivemos em função do dia seguinte, e em direção a ele, para dizer o mínimo.

Na dimensão da fé, ela se alimenta da esperança que vai muito além do dia imediato, por contemplar a eternidade com Deus, e assim carreia um número incontável de comportamentos que caracterizam e definem o crente no seu devir.

Mas a esperança que se serve da fé, não corre somente na direção de coisas, e sim na direção da Pessoa de Deus. Esperamos, não “no que” e sim, “em Quem”.

Por conta disso, bem biblicamente assentada numa confissão teísta, e lançando para o nada os argumentos deístas, que são inócuos, pois o melhor que podem propor ao crente é o desespero quando lhe pretendem fazer crer que ele está por sua conta neste mundo, a fé enxerga a promessa e se serve dela quando a lê em suas máximas escriturísticas, tais como estas:

“(Jesus)…está sustentando todas as coisas pela Palavra do Seu poder” – Hebreus 1:3.

“Entregue o seu caminho ao Senhor; confie nele, e ele agirá” –  Salmos 37:5

“Deus é quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele.” – Filipenses 2:13

“Depositei toda a minha esperança no Senhor; ele se inclinou para mim e ouviu o meu grito de socorro. Ele me tirou de um poço de destruição, de um atoleiro de lama; pôs os meus pés sobre uma rocha e firmou-me num local seguro.”- Salmos 40:1-2.

“Senhor, concede-nos a paz, porque todas as nossas obras tu as fazes por nós.”- Isaías 26:12.

“Assim, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade.” – Hebreus 4:16

“Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem cuidado de vocês.” – 1 Pedro 5:7

 “Pois quem resiste à sua vontade?”- Romanos 9:19

“Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês’, diz o Senhor, ‘planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro.” – Jeremias 29:11

Podemos acrescentar todo o salmo 23, que investe no contínuo fazer do Supremo Pastor a favor de Suas ovelhas.

Se o coração do crente não estiver guarnecido dessa fé que vê no Deus Eterno o Pai, no trato pessoal e direto com cada um de Seus filhos, o máximo que esse coração vai abrigar é um pensamento elevado para uma forma mais equilibrada de vida, semelhante às filosofias orientais e conceitos de auto-ajuda, mas longe de ser aquela fé bíblica, definida em Hebreus 11:1 como “…a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos” e que adora um Deus pessoal.

Glória a Deus pela fé que aproxima dEle o crente, para confessar em oração e forma de viver, sua completa dependência diante dAquele perante Quem ninguém é autossuficiente.

Vale orar, como o fizeram os discípulos: “Senhor, aumenta-nos a fé” – Lucas 17:5.

Maças de Ouro de Jeremias (6 e 7)

“Clame a mim e eu responderei e direi a você coisas grandiosas e insondáveis que você não conhece”. – Jeremias 33:3

É indissociável, infelizmente, em nossa experiência cristã, a idéia de clamar a Deus, como sendo um monólogo. Há um apelo evidente e eloquente neste oráculo de Jeremias, feito pelo Deus Eterno ao Seu povo, que recalca e investe de forma incisiva o sentido de orar, como sendo uma conversa, onde minimamente duas pessoas são ouvintes mútuos. O que fica aquém disso, corre pelo limiar da reza, que distancia tanto quem fala quanto o ouvinte pressuposto.

O oráculo-convite acima, é um compromisso-promessa que Deus nos faz. Ele corre pela via de um lamento divino sobre o Seu povo que perpassa séculos. A experiência de orar ao Deus vivo é tão rara, e torna-se cada vez mais rara dentre os exercícios de uma espiritualidade eficaz, que em alguns grupos parece completamente inexistente.

A predominância do vazio na oração é de tal ordem, que a maioria desiste de orar porque tem na oração apenas um monólogo onde a ênfase não alça vôo para além da petição, pura e simplesmente. Outros, têm a pretensão de colocar palavras na boca de Deus, para encobrir o silêncio que calca o monólogo como tal.

Mas, atentemos à promessa: os verbos são convincentes: “eu responderei”; “eu direi a você”! Gosto de atentar ao fato de que Deus não Se serviu do verbo ouvir, que está fora de qualquer dúvida para quem ora. É fato estabelecido, consumado e atestado pela fé que “uma vez por todas foi dada aos santos”. Se duvidássemos de que Deus ouve a oração, não oraríamos sequer o tão pouco que fazemos. Outro tanto a questão da oração que é feita sobre a convicção de que Deus está ouvindo não pode ser medida por tempo ou tamanho. Antes, somos alertados quanto à sua intensidade, em I Tessalonicenses 5:17 – “Orem sem cessar”. É como respirar. Que Ele ouve, não duvidam os que O buscam em oração.

A promessa aponta para a resposta, que quebra o vínculo do monólogo. No entanto, raro é o crente que pode atestar com seriedade que tem ouvido a voz divina respondendo sua conversa com Ele. E aqui está o ponto em questão. Partimos para a celebração da disciplina da oração unicamente pretendendo informar a Deus de coisas, ou pedir-Lhe meios para resolvê-las. A oração que pretende ouvir Deus requer essa prontidão espiritual, solene, santa (porque investe numa separação específica) e não tem a pretensão de vigiar fenômenos pelos quais Deus daria respostas. A oração que quer ouvir Deus é diferente daquela que passa informações a Ele. Ela está comprometida com o exercício da comunhão, do intimismo. Pretende buscar Sua presença, usufruir Sua proximidade. Atende ao que disse o autor de Hebreus: “É necessário que aquele que se aproxima de Deus…” (Hebreus 11:6), porque seu propósito é proximidade, antes de ser busca por soluções.

Se Deus disse que quer responder, Ele o faz! Mas vivemos o tempo que milita contra a contemplação, contra o separar tempo para Aquele que ouve em secreto e que está invisível. Não há como Deus concorrer com nossa agenda tão abarrotada de programas, trabalho e diversões. Entendemos que viver se resume nisso, e dentro dessa agenda “separamos” um espaço para o que decidimos que é o tempo de buscar a Deus: nossos horários e locais de culto. Outro tanto, trazemos nossos corações e ouvidos tão cheios de ruídos e respostas previamente pretendidas(como disse o apóstolo: “Há muitas vozes no mundo…”), que torna inócua qualquer fraca tentativa de ouvi-Lo em oração. E nessa trilha de erros, prevaricam muito mais aqueles que terceirizam ou se deixam terceirizar como os porta-vozes divinos para os que querem achar respostas divinas para seus conteúdos ocultos, e assim acabam enveredando por vias de sincretismo ocultista.

Quando queremos ouvir Deus, Ele “responde” e “diz”. Tanto o Senhor lamentou o não ser ouvido, em Salmo 81:8 – “Ah, Israel, se me escutasses!…”; quanto o Senhor Jesus disse que batia à porta da igreja esperando ser por ela ouvido (Apocalipse 3:20). Que O ouvimos na Sua Palavra é fato consumado. Mas a ênfase divina em Jeremias aponta ouvi-Lo na oração; quando em oração. Pressupõe um momento entre duas pessoas, somente.

Não nos cabe decidir forma e meios para a réplica divina à nossa conversa com Ele. Ele dispõe de quantos nos bastem para que saibamos ser aquela, a voz divina que, inconfundível, interage com nossa fé e nos responde, guia, exorta, consola, convoca, anima e produz descanso ao coração que se apercebe acompanhado por Quem é Eterno. Creio, pessoalmente, que Deus sempre tem, como disse em Jeremias, coisas muito particulares, muito pessoais a dizer a cada um(a) de nós, que se disponha a ouvir.  E dispor-se a ouvi-Lo, demanda decisão que envolve separação específica.

E isto nos leva a um outro oráculo de Jeremias, mais uma de suas preciosas maçãs: “Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês’, diz o Senhor, ‘planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro. Então vocês clamarão a mim, virão orar a mim, e eu os ouvirei. Vocês me procurarão e me acharão quando me procurarem de todo o coração.” –  Jeremias 29:11-13.

Vale lembrar o apelo vertido em Isaías 55:6 – “Busquem o Senhor enquanto é possível achá-lo; clamem por ele enquanto está perto.”

Maças de Ouro de Jeremias (5)

“Eu sou o Senhor, o Deus de toda a humanidade. Há alguma coisa difícil demais para mim?”  – Jeremias 32:27

O que admira neste oráculo é o fato dele repetir como em vários outros registrados por Jeremias, um questionamento divino em que Deus reforça qualidades que Seus adoradores precisam aprender a ver Nele. E assim, tais qualidades funcionam como promessa divina a favor de quem crê.

Outrossim, o contexto destaca no oráculo o fato de ser uma resposta de Deus à oração do profeta, que se sente confuso e aturdido, tendo recebido uma orientação divina (quanto a comprar um lote de terra) num território que seria ocupado e devastado pelo inimigo do povo. Na resposta divina ao Seu servo, obtemos a nossa.

Quem conhece o Deus da Bíblia sabe que tudo é possível a Ele.  Nada se furta ao Seu poder. Jesus disse exatamente isto em oração: “Meu Pai, tudo Te é possível”. Não duvidamos disto. Basta ler a Palavra de Deus e ler a vida ao nosso redor pelos olhos da fé.

Mas na sentença em forma de questão, chama a atenção o agrupamento dos construtos de que Deus Se serve. Ele Se anuncia como o Deus de toda a humanidade, que é o Senhor, e a ordem proposta é: Senhor e Deus. Há lógica revelacional aí. Ele é o Deus de toda a humanidade. Já a partir do momento em que O vemos como o criador de todas as coisas, Sua manifestação divina se torna inconteste. Mas Senhor… seria Ele o Senhor de toda a humanidade? Sabemos que não. Somente daqueles e sobre aqueles que O confessam. Outro tanto, temos uma facilidade quase irresponsável de jungirmos a idéia de Todo-poderoso à Sua divindade, mas raramente ao Seu senhorio. E então sobressai uma questão lógica diante de nós: Haveria alguma coisa difícil demais para Ele como Senhor? Quando Ele nos pergunta se existiria tal coisa difícil, sobre qual construto Ele espera que façamos nossa confissão? Nada Lhe é difícil demais na qualidade de Deus. E como Senhor?

Jó afirmou que nenhum dos planos dEle pode ser frustrado. Mas foi através de Jeremias que Ele um dia perguntou ao Seu povo: “Posso fazer com vocês como o oleiro fez com o barro?” (Jeremias 18:6). Como Deus todo-poderoso Ele é criador do barro. Mas quer exercer sobre o vaso criado a partir do barro, Seu poder de Senhor; Sua vontade senhorial. E então pergunta: “posso fazer?”

Quando a Bíblia em Hebreus fala nos israelitas antigos como tendo resistido ao Espírito Santo, coloca isso na pauta de resistência ao Deus criador, ou ao Deus que como criador manifesta-Se Senhor desse povo?

A pergunta persiste: Como Senhor, haveria alguma coisa difícil demais para o Deus de toda a humanidade? Com temor e reverência, precisamos pesar nossa resposta. No contexto de Jeremias, Ele daria uma nova versão ao caos que o pecado do povo produziu como consequência de Seu juízo. Ele transformaria o coração do povo e os restauraria de suas vicissitudes. Como Deus, Ele agiria operando coisas novas, pois nada Lhe é difícil demais. Mas como Senhor, Ele decidiria dar uma nova edição à história que o pecado produziu.

Penso que Ele continua agindo assim em nossas vidas. Para tanto Ele disse que, porque não muda, nós não somos destruídos (Malaquias 3:6). Ele decide fazer coisa nova em nossas vidas, quando delas é Senhor, e como Deus, realiza o que Sua vontade soberana decide fazer.

Na condição de crentes somos exortados a não entristecer o Seu Espírito Santo (Efésios 4:30); não apagá-Lo (I Tessalonicenses 5:19); deixarmo-nos encher Dele (Efésios 5:18). Que Ele, como Deus Eterno, seja o Senhor sempre, sobre as vidas que a Ele se rendem pela fé. E sem oferecer-Lhe resistência, deixemos que o Senhor realize Sua vontade em nossas vidas com facilidade incontestável.

Fontes Restauradas

“Isaque formou lavoura naquela terra e no mesmo ano colheu a cem por um, porque o Senhor o abençoou. O homem enriqueceu, e a sua riqueza continuou a aumentar, até que ficou riquíssimo. Possuía tantos rebanhos e servos que os filisteus o invejavam. Estes taparam todos os poços que os servos de Abraão, pai de Isaque, tinham cavado na sua época, enchendo-os de terra. Então Abimeleque pediu a Isaque: “Sai de nossa terra, pois já és poderoso demais para nós”. Por isso Isaque mudou-se de lá, acampou no vale de Gerar e ali se estabeleceu. Isaque reabriu os poços cavados no tempo de seu pai, Abraão, os quais os filisteus fecharam depois que Abraão morreu, e deu-lhes os mesmos nomes que seu pai lhes tinha dado.” – Gênesis 26: 12-18.

Nosso propósito é tomar este texto histórico e fazer uma analogia sobre ele, da nossa caminhada cristã, como numa metáfora.

O que temos nele? A história da peregrinação de Isaque, filho de Abraão, pelo território dos filisteus em Gerar, nos dias de Abimeleque. O texto nos conta que Abraão havia, anos antes, cavado poços naquela região árida, imprescindíveis para a continuidade da vida e possibilidade de prosperar ali. Mas os filisteus, depois da morte de Abraão, entupiram, entulharam os poços e os fecharam. Isaque desentulhou aqueles poços e eles voltaram a fluir.

Onde a analogia?

Permitam-me mostrar-lhes que nossa vida espiritual foi estabelecida para sermos fontes de águas do Espírito de Deus, ou seja, fontes de onde fluem as águas do Espírito Santo, águas da vida. Lemos isto em João 7: 38 e 39. Isto concorda com Apocalipse 22:17, onde a Igreja, vista como a noiva, convida o povo a vir beber água da vida. Ela a tem para dar.

Mas quero salientar a imagem dinâmica de fonte, criada por Jesus, quando fala do Espírito no interior do crente. Ela é intensa: fala de rios que fluem. Está no plural. Uma fonte com diversos veios a correr. Sobre esse rio, Ezequiel cria uma metáfora dizendo que por onde ele passa, vida é produzida. Pessoas se saciam, se alimentam. A imagem é de vida, refrigério, porque água atende a esses construtos de forma plena.

Mas há também aí embutida a idéia de dinamismo, intensidade. Algo que não pode ser contido. Que força para sair. Como um poço, a água sai de dentro para
fora. E não pode ser contida. Transforma-se num rio, ou seja, a idéia não é de reservatório, mas algo que flua, que se externaliza.

Temos o substrato perfeito disso na vida dos apóstolos, como descrito em Atos. Mas também na história da Igreja moderna, como pontilhada por homens e mulheres tais como Finney, Moody, William Booth e sua filha Catarina. Temos Billy Graham, Corrie Ten Boom, e tantos outros que nos rodearam a vida, caracterizados por enchimentos e transbordamentos do Espírito de Deus, numa vida abundante, frutífera, dinâmica por sua paixão por Cristo, fluindo refrigério e vida e dessedentando tantos quantos deles se aproximaram. Não falo de ativismo. Ativismo não vem do Espírito, é de fora para dentro e esgota. Falo de paixão, primeiro amor, sonhos eternos que se materializam em vidas humanas.

Mas, uma realidade funesta cerca as vidas-fontes: a possibilidade de serem interditadas, terem o fluir impedido, como poços entulhados.

Nos dias de Isaque foram os filisteus que o fizeram. E os poços deixaram de fluir. Mas na vida do crente, isso pode acontecer? Sabemos que sim. E as causas são várias: pecado, entulhos de coisas jogadas para dentro, que sujam, entopem. Às vezes mágoas, tristezas, aborrecimentos, decepções. A Bíblia adverte sobre tal possibilidade: Efésios 4:30; I Tessalonicenses 5:19.

A própria igreja de Éfeso foi exemplo disso, como falou o Senhor em Apocalipse 2:4 e hoje vemos esse sinistro se repetir diante de nossos olhos, quando nos deparamos com uma igreja de nossos dias, tão fornida de atividades, festas, cores e sons. Nossos cultos são até divertidos, mas não vias de transformação, introspecção e quebrantamento. A igreja vazia de paixão. Longe do fluir genuíno e refrigerador do Espírito que a coloca admirada e adoradora a Seus pés. Às vezes cheia de emoção , mas vazia de paixão. A emoção dura um culto. A paixão marca a existência toda.

A Realidade que nos Cerca

A geração que nos cerca hoje desconhece a linguagem de uma vida apaixonada pelo Senhor e Seu Reino, onde Ele é a causa e a primazia de todos os propósitos. É como poços entulhados que não deixam a água fluir viva e abundante.

Seria essa a sua situação espiritual hoje? Seco. Mecanizado na fé; desmotivado; sem paixão? Até mesmo vazio? Um poço com uma fome voraz de entulhos das coisas desta vida? Onde sua paixão? Onde o primeiro amor que ocupa o único lugar que a Ele pertence em sua vida? Às vezes até parentes e amigos ocupam esse lugar. Têm a primazia, e funcionam aos olhos de Deus como verdadeiros entulhos para impedirem o fluir livre do Espírito.

O que fez Isaque com os poços entulhados? Ele os reabriu, desentulhou. Pensemos nesses movimentos de Isaque: Antes de pretender cavar poços novos, ele assumiu que deveria desentulhar os antigos, abertos por seu pai. Isto fala de voltar às origens, restabelecer marcos perdidos.

E como se faz esta tarefa?

Antes de tudo é imprescindível se dar conta de que os poços estão entulhados. Nada de negação, antes, reconhecer os entulhos como tais. E então decidir lançar mão deles, um a um, e jogá-los fora, longe do poço: comprometimentos indevidos, maus hábitos, coisas que embaraçam, incompatíveis com o caráter e o espírito do Reino de Deus, vistas em atitudes, expressões, decisões, compromissos.

A ferramenta principal é confissão. E arrependimento é a corda que nos faz ir descendo ao poço, à medida em que escavamos os entulhos, assumindo atitudes, e nessa tarefa, vamos sumindo, nos apequenando, desaparecendo, até chegarmos de novo ao veio de água, que livre, volta a fluir. A princípio, tímidamente, mas crescendo pouco a pouco, até virar um ribeiro que não se pode passar a pé, e aqui nos remontamos de novo à visão profética de Ezequiel, que é o nível profundo onde Deus pretende nos levar.

Maçãs de Ouro de Jeremias (4)

“Mas bendito é o homem cuja confiança está no Senhor, cuja confiança nele está. Ele será como uma árvore plantada junto às águas e que estende as suas raízes para o ribeiro. Ela não temerá quando chegar o calor, porque as suas folhas estão sempre verdes; não ficará ansiosa no ano da seca nem deixará de dar fruto’. O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo?” – Jeremias 17:7-9

O texto ressalta o indivíduo na sua relação com Deus. Descreve sua existência no mundo a partir de uma atitude: Deus é Aquele em Quem esse indivíduo coloca sua confiança. E nessa descrição traça os benefícios que lhe advêm no seu devir. Benefícios permanentes em meio a circunstâncias que atingindo a todos, parecem não surtir efeito negativo sobre ele. Elas são alinhadas em linguagem metafórica a partir da imagem de que o profeta se serve para descrever esse indivíduo confiante em Deus: “Ele será como árvore plantada junto às águas”. O verbo está no futuro. Aí está uma comparação incomum porque diferentemente do que se espera, mostra em que e quando resultará o fruto da confiança, porque como tudo mais na fé, os frutos surgem quando a necessidade exige. Será como árvore junto às águas quando vierem calor e seca. Só então se conhecerá e será possível identificá-lo porque árvore longe das águas não oferece folhas verdes no calor e na seca. Outro tanto a metáfora aponta para o estado de ânimo desse indivíduo confiante em Deus: não ficará ansioso.

Toda essa linguagem para dizer que a confiança dele em Deus o levou a fazer Dele Sua fonte nutridora como as águas são para a árvore. Deus é sua fonte, base de sustentação, e por isso, confiante, ele está livre de ansiedade num contexto adverso que consome e destrói os demais. Mas na grande floresta da vida humana, ele se destaca como quem confia, porque está viçoso e sossegado enquanto os demais secam.

Contudo, o ponto notável e de alto significado neste texto reside numa extensão da metáfora que chama a atenção, quando diz o profeta: “Não deixará de dar fruto”. Numa única expressão ele nos transmite duas ideias: esse indivíduo, que passo a designar agora como “esse crente”, já vinha dando fruto antes da adversidade. Afinal, sua fonte, as águas das quais bebem suas raízes, é o Deus em quem ele crê. E, a segunda ideia é que, vindo a adversidade, quando o normal é definhamento, não somente ele não definha, quanto permanece dando fruto. O texto afirma: “não deixará de dar fruto”.

Dar fruto. Frutificar. Uma árvore frutifica para se multiplicar e os outros se servem de seus frutos. Mesmo quando seus frutos são colhidos, ela continua se multiplicando. São tantos, que por mais que sejam consumidos, não a esgotam nem interrompem seu ciclo de multiplicação. Jesus deixou claro que nos escolheu para frutificarmos. “Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai conceda a vocês o que pedirem em meu nome.” – João 15:16.

O que me ocorre é: tanto quanto disse o Senhor que uma árvore é conhecida pelos seus frutos, sabemos que ela sempre será lembrada por eles.

A vida prova que pessoas podem passar uma existência inteira por ela, sem dar frutos de que outros se sirvam. Elas vivem em função de si mesmas. Cultivam e constroem a existência em torno de si e para si. Nada nem ninguém usufrui qualquer coisa delas. Não servem. São servidas. Vazias de praticidade. Se morrem na igreja, diferentemente da Dorcas de Jope, ninguém chora sua ausência ou pretende que ressuscite. Faltou frutificar para deixar memória. Estavam plantadas na igreja, mas longe da Fonte. Nada deixaram que as faça lembradas. E ainda podem carrear boa dose de maus frutos pelos quais melhor seria esquecê-las.

Lamento por elas. Passarão, sem deixar de si saudades, como o rei Jeorão.

O crente bendito porque confia, produz para outros, os frutos de sua confiança. Vale considerar: por quais frutos você é conhecido(a)? Por quais deles será lembrado(a) entre os seus: em sua comunidade; em sua geração?

É bom nos preocuparmos com isso.

Maçãs de Ouro de Jeremias (3)

“O Senhor me disse: “Você viu bem, pois estou vigiando para que a minha palavra se cumpra”. Jeremias 1:12.

Jesus afirmou: “Céus e terra passarão, mas a minha Palavra não há de passar” (Mateus 24:35). Outro tanto, o salmista disse: “Para sempre a Tua Palavra está firmada no céu” (Salmos 119:89).

A infalibilidade da Palavra de Deus, no passado, foi desafiada durante a passagem do tempo. E foi o próprio tempo, alongado nas eras, que a comprovou em sua fidedignidade. Ela projetou-se no ontem distante, para um futuro que hoje é passado, para nós, dando-nos o privilégio de sermos as testemunhas de seu cumprimento infalível. E no presente, ainda aguarda o cumprimento de profecias que correm vigiando a História há mais de dois mil anos. Entre inúmeras profecias cujo cumprimento esperou até mais de duzentos anos para além do tempo de vida do próprio profeta que as proferiu, temos aquelas que apontavam para detalhes da encarnação do Filho de Deus, precedendo os fatos em até mais de mil anos.

Mais de setecentos anos antes de Cristo nascer em Belém, Isaías predisse que Ele nasceria de uma virgem. Miquéias, com precedência de cerca de 700 anos, profetizou que Ele nasceria na cidade de Belém. Sua mãe estava em Belém quando lhe sobrevieram as dores de parto, e foi onde Ele nasceu. Cerca de mil anos antes, Daví profetizou no salmo 22 que Ele morreria colocado à vista de todos. Num primeiro momento, qualquer um poderia entender que o herói da epopéia de Daví iria morrer numa forca. Mas o texto falava de distensão de ossos, e mãos e pés traspassados, e todo um sofrimento paralelo que só a morte por crucificação facultava. Somente 800 anos depois de Daví surgiu na história o Império Romano que executava seus inimigos com morte na cruz.

O passado indefectível da Palavra de Deus, proclama com eloquência que não falhará quanto aos seus vaticínios futuros para nós. A razão, Jeremias registrou: O próprio Deus que a ditou, mantém sobre ela vigilância para que se cumpra em seu exato momento. É Seu compromisso, atento sobre ela. Não está condicionado ao crer ou descrer de quem a ouve. A condição para seu cumprimento é a fidelidade Daquele que a proferiu. Portanto, com a mesma fidelidade com que se cumpriu ao afirmar que Jesus nasceria, vindo a este mundo pela primeira vez como homem, ela anuncia já há milênios, que Ele virá uma segunda vez, e “todo olho O verá”. Ao mesmo tempo avisa que nessa ocasião, a História findará, tal como a temos.

Esta é a lente que temos diante de nossa fé quanto à Revelação escrita de Deus. Mas é certo que, na mesma medida em que a Palavra se cumpre como promessa no geral, ela se cumpre como promessa no particular. Aquilo que a palavra de Deus preconizou particularmente a cada um de nós, que pela fé e temor ao Seu Nome, apropriamo-nos do que nos concerne nela, se cumprirá, com o mesmo caráter da Palavra Eterna, que Deus garantiu dizendo: “assim será a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei.” – Isaías 55:11. E portanto, vale atender ao que disse o profeta Oseias: “No teu Deus, espera sempre” – Oseias 12:6.

Maças de Ouro de Jeremias (2)

Põe-te marcos, finca postes que te guiem, presta atenção na vereda, no caminho por onde passaste; regressa, ó virgem de Israel, regressa às tuas cidades.” – Jeremias 31:21 (ARA).

Este apelo divino também se mescla a um alerta, e nos alcança na condição de povo de Deus. O versículo seguinte levanta uma questão onde Deus denuncia uma caminhada errante do Seu povo, aqui identificado como “virgem de Israel”. E a orientação ou alerta do v.31, pressupõe que a caminhada errante ocorre por perda de referenciais, de princípios.

Esta é, lamentavelmente, uma verdade preconizada pela história da igreja evangélica brasileira nas últimas décadas: a ausência de princípios. Faltam- nos princípios e isto é denunciado pela contínua oscilação de “verdades” subgrupais, veiculadas na mídia, onde uma gama muito variada de exponentes de teorias e “doutrinas” estapafúrdias faz de nossa confissão uma colcha de retalhos multifacetada de formas que não têm sustentabilidade escriturística, sendo antes o efeito desprovido de sabedoria, de ufanismos e arroubos “mágicos” ditados em verbalizações que nada dizem, como se fossem gritos de guerras proferidos por bandos de adolescentes em disputas de gincana.

A falta de princípios se vê ainda na variegada forma de cultuar, onde o culto assume o aspecto de espetáculo público feito para entretenimento da fé. Os nossos ambientes de culto estão marcados por uma práxis que oferece serviço espiritual, quase numa concorrência deslavada com os ambientes ocultistas que alardeam o bom êxito do serviço prestado por suas entidades mediúnicas.

No terreno individual, o perfil do crente hoje se mostra disforme, bizarro. A característica que prevalece é aquela cuja fala aponta uma confissão de verbete, quase como um mantra. A letra dos cânticos, nem sempre em acordo com a Revelação Escrita, é a Bíblia que grande número lê e confessa.

Os princípios da fé evangélica, “sola scriptura” e demais, não são do conhecimento de quase totalidade do fenômeno “evangelical” que marcou a evangelização das Américas nos últimos 160 anos. A marca do cristão evangélico como leitor e estudioso das Escrituras, foi substituída por aquela que o evidencia pela forma litúrgica de culto que adota. Poucas portas de templo ainda preservam a boa herança do Estudo Dominical das Escrituras.

O que outras épocas entenderam e aprenderam como moral evangélica, hoje deu lugar ao conceito do moralismo populista que coloca o evangélico
no centro da mídia. Visibilidade ao preço da integridade. O medo de discursar na contramão da opinião popular.

Onde os marcos? O consumismo mundano, cuja regra reza a letra do famoso samba que diz: “Deixa a vida me levar, vida leva eu” (sic), converteu- se nos grandes centros de confissão evangélica populista em segredos espirituais para uma vida bem sucedida financeiramente, com nome de “teologia da prosperidade”. Ser abençoado é ser fornido de posses, é ter muito e melhor. A busca por “ser” assumiu o espectro de “aparecer”. E hoje, para aparecer é importante “ter”.

O princípio da paixão pelo Eterno e consciência de eternidade, reduziu-se a uma busca sôfrega por uma boa fama debaixo do sol. Quanto mais sob holofotes, mais ‘abençoado’ e ‘descolado’.

Nossos marcos não são mais homens e mulheres admirados por sua retidão e altruísmo, mas os “popstars” do showbusiness gospel, que ganham fama…e dinheiro.

Esta geração de crentes, na qual estamos inseridos, precisa regressar às suas origens. Precisa procurar marcos e sinalizações na vereda por onde passa, para que não ande mais vagueando. Vagueando, pode até andar, mas não chegará a lugar algum.

Vale orar, como o salmista: “Restaura-nos, ó Senhor, Deus dos Exércitos, faze resplandecer o teu rosto, e seremos salvos.” – Salmos 80:19

Maças de Ouro de Jeremias (1)

Como maçãs de ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo.”- Provérbios 25:11.
Em Jeremias alinhavei doze “maçãs” dessas, selecionando dentro dos seus oráculos os textos que foram tornados clássicos pelo constante e repetitivo uso do povo de Deus ao longo dos séculos.  Hoje pensaremos numa dessas doze “maçãs “.

“Sou eu apenas um Deus de perto”, pergunta o Senhor, “e não também um Deus de longe?” Jeremias 23:23.

No contexto, Deus está irado com os líderes políticos e religiosos de Israel e os acusa de serem a causa do juízo que proferiu contra o povo, decidindo espalhá-los para fora de suas fronteiras. Ao mesmo tempo, ameaça os falsos profetas com essa palavra dizendo-lhes que Ele tudo vê e ninguém se esconde de Seu rosto.

Mas, a um povo que se vê ameaçado de banimento, esta parte do oráculo serve como um consolo em meio a um futuro que se aproxima funesto.

Para nós, que fora do contexto em questão, podemos nos servir desta Palavra específica, que significados aplicativos ela traduz para nossa fé?

Primeiramente importa pensar na declaração por si mesma: Nosso Deus, não está limitado no tempo e no espaço. Como Eterno, o passado e o futuro são presente para Ele. Como o Deus que preenche todas as coisas, tal como Ele mesmo afirmou no v.24 deste capítulo, não há limitação para Seu agir e Seu mover.

Em segundo lugar, já olhando para os desdobramentos possíveis dessa palavra, temos a afirmação reforçada de que Ele é Deus de perto. Nós temos reforço desse conceito em outros textos, sempre com o propósito de traduzir esperança, conforto, companheirismo, o que é inusitado, porque vai muito além do sentido da aproximação do adorador a Ele, para significar Sua aproximação do adorador. Começa com o anúncio evangélico de Isaías 7:14 – “Por isso o Senhor mesmo dará a vocês um sinal: a virgem ficará

grávida, dará à luz um filho e o chamará Emanuel.” E então fomos informados por Mateus que este nome traduz DEUS CONOSCO! Possivelmente a primeira e mais significativa expressão da presença intimista do Deus Eterno e Santo na existência cotidiana de Seus filhos. Jesus, o Emanuel referido anuncia: “Estarei com vocês todos os dias, até à consumação dos séculos”.

E ainda temos Paulo asseverando em Filipenses 4:5 – “Perto está o Senhor”, para dizer logo em seguida, como numa idéia conclusiva: “Não fiquem ansiosos”.

Quanto disso nós nos apercebemos?

Em terceiro lugar, e tão importante quanto, o oráculo de Jeremias registra que o Deus “de perto” também é Deus “de longe”.

Creio que podemos seguramente associar a este texto a mensagem do salmista que parece posicionar seu significado de forma expressiva para nós: “Se eu subir com as asas da alvorada e morar na extremidade do mar, mesmo ali a tua mão direita me guiará e me susterá.” – (Salmos 139:9-10). E aí está conforto e segurança! Quão longe poderemos ir da presença do Senhor, que Ele não nos alcance? E Paulo nos ensina em Romanos que nenhuma distância é suficiente para nos afastar do Seu amor que jamais acaba: “Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” –  (Romanos 8:38-39). Aleluia! Nada, absolutamente. Nem pessoas ou situações, por mais que nos sintamos esquecidos ou banidos, poderão nos separar do Seu amor pelo qual Ele nos tornou Seus filhos em aliança por meio de Cristo Jesus. A Ele, O Deus de perto e de longe, toda a glória!

 

Fé para Crescer e Superar

“Não terá medo da calamidade repentina nem da ruína que atinge os ímpios”. – Provérbios 3:25

Será que o texto pretende o que sempre desejamos? Que jamais vejamos a calamidade? A calamidade repentina só atinge os ímpios ou a ruína que se segue a ela é que os atinge e a nós? De que nos fala o texto?
Poderemos levar nossa fé com seriedade ou superficialidade de pretensão mágica. Vamos ver o que a Bíblia nos ensina. Não haveria calamidade ou não haveria medo dela? O que nos é proposto aqui?
Quero chamar sua atenção para dois paralelos textuais: Salmo 91:15 e Salmo 50: 15. – “Ele me invocará, e eu lhe responderei; na sua angústia eu estarei com ele, livrá-lo-ei e o glorificarei” (ARA) – “invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás” (ARA).

Fé e Resistência

O que os dois têm em comum? Promessa de livramento.
Destaco o fato de que o verso 15 do salmo 91 faz um fechamento a um contexto de promessas que parecem pretender um escapismo. E isso é tudo quanto queremos: escape. É tudo a que queremos conduzir nossa fé e a que nos seduzem os pregoeiros de uma fé sem lastro.

Mas Deus a ninguém engana. Sabemos que Ele tem poder para nos fazer escapar. E sabemos que algumas promessas apontam nessa direção. Tanto que desconhecemos de quantas coisas somos livrados no mundo espiritual, conforme afirmam Lamentações 3:22 – “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim“, e Isaías 64:4 – “Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele espera.”

Mas os textos que lemos, de Provérbios e dos Salmos, nos apontam a direção natural da vida neste mundo tenebroso, por onde o Autor da fé nos conduz. Jesus afirmou que teríamos aflições neste mundo. Outro tanto o apóstolo Paulo diz que uma vez ocupando espaço dentro de um mundo natural que está decaído, “…também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo.” – Romanos 8:23 ARA.

Fé e Enfrentamento

Não podemos nos servir de uma fé que nos propõe uma experiência de avestruz, fazendo negação da realidade, com a pretensão de sermos tratados por Deus como queremos tratar nossos próprios filhos: negando- lhes crescimento e superação, protecionistas em excesso. Mas a fé nos foi dada para nos fazer crescer e superar. Vencer e transformar. Não para escapar. Não somos chamados a viver refugiados como covardes, mas lutadores que vencem, superam.

Por isso é importante destacar aqui Isaías 43:2. Ele concorda com a experiência de Paulo relatada em II Coríntios 12:9.

Queremos uma vida de fé que nos garante não passar pelas águas, nem pelos rios nem pelo fogo. Mas a proposta divina é: “ Uma vez lá, eu estarei com você. Quando tiver que lhe dar escape, será através de…”. Por isso em Isaías Ele precede a promessa, ordenando: “Não temas…” Sem o enfrentamento não ocorre o crescimento de vivê-Lo como o Emanuel.

Fé e Conquista

A experiência dos homens e mulheres de fé corre nessa direção nos registros bíblicos: Hebreus 11:35; Romanos 8: 35- 39, que corrobora 8:28.

Deus, nosso amoroso e poderoso Pai nos afirma: “Não fiquem ansiosos…a paz de Deus guardará mente e coração” – Filipenses 4:6.

E tudo isso para mostrar a que nos chamou na fé em Cristo: II Timóteo 1:7.

Jesus, que é a origem de nossa fé, também é seu consumador. Ele é o Primeiro e o Último.

Daí, a conclusão só poder ser: A calamidade pode vir, sim. Ela nos acomete também, mas nunca a ruína que geralmente a ela sucede. É o que aprendemos em II Coríntios 4: 8 e 9. Calamidade sem destruição.

Porque Deus nos chamou para sermos “mais que vencedores”. Conquistadores, e não covardes que se escondem dos desafios da aventura de viver. Não somos privilegiados neste mundo. Somos assistidos e guardados nEle, como quem descansa à sombra do Onipotente. A promessa diz: “Em Deus faremos proezas”; “Enfrentaremos exércitos”. É isso. Enfrentar e vencer. Viver e transformar. Para isso Ele nos desafia a crer.

Palavra ou Profecia?

Não é a minha palavra como o fogo, pergunta o Senhor, e como um martelo que despedaça a rocha?” – Jeremias 23:29.

O contexto desta profecia acusa o ministério profético de Jerusalém dos dias de Jeremias, todo comprometido com a falsidade e o engano da parte de profetas que diziam o que o povo gostaria de ouvir. No contexto, em que Deus condena esse exercício promíscuo do ministério deles, Ele cita as palavras que revelam o caráter sedutor de suas profecias: “Não ouçam o que os profetas estão profetizando para vocês; eles os enchem de falsas esperanças. Falam de visões inventadas por eles mesmos, e que não vêm da boca do Senhor. Vivem dizendo àqueles que desprezam a palavra do Senhor: Vocês terão paz. E a todos os que seguem a obstinação dos seus corações dizem: Vocês não sofrerão desgraça alguma” (23: 16-17).

Com isso o Senhor acusa tanto o povo que corre para ouvir o engano quanto aqueles que lhes profetizam enganosamente. É então que sobressai a mensagem expositora do cerne funcional da Palavra de Deus como de fato é, e quando proferida como Verdade: fogo e martelo.

Com estas duas metáforas o Senhor pretende contrastar o verdadeiro do falso: Fogo, e martelo que despedaça a rocha.

Quando penso nestas duas metáforas sou levado a pensar na praticidade desses efeitos aludidos por Deus. Ele afirma: “Minha palavra é como fogo, não é?”. E o afirma em tom de questionamento. E isso para dizer que o efeito de ouvir a Palavra de Deus proclamada em verdade seria semelhante ao efeito do fogo. O que o fogo faz? Ilumina, aquece, purifica e destrói. A Palavra de Deus tem exatamente esse caráter a cumprir. “Lâmpada para meus pés é a Tua Palavra, Senhor, e luz para o meu caminho”(Salmo 119:105) – experimentou e celebrou o salmista. “Não estava queimando o nosso coração, enquanto Ele nos falava no caminho e nos expunha as Escrituras?” (Lucas 24:32) – conferenciavam os dois discípulos de Jesus, por Ele abordados no caminho de casa. “Vocês já estão limpos pela Palavra que
lhes tenho falado” ( João 15:3) – disse Jesus aos discípulos. Mas também ouvimos dizer que ela destrói, e neste quesito onde também ela além de fogo se associa à idéia de martelo, há inúmeros textos que não precisamos citar aqui. Abundam nos salmos.

No tocante a martelo que despedaça a rocha, é gratificante pensar nela como o poder de Deus que derruba as estruturas mentais erguidas pela incredulidade humana: “As armas com as quais lutamos não são humanas; ao contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas.” (2 Coríntios 10:4), e a referência de Paulo é quanto ao uso da Palavra de Deus. Destruindo o endurecimento do coração empedernido que resiste por conta do pecado, como no encontro de Jesus com Zaqueu, e outro tanto com o endemoninhado de Gadara. Mas as imagens por serem inerentemente fortes, não foram tomadas por Deus como referências funcionais de sua Palavra para apontar eventos ocasionais. Não. Elas entraram aqui para se contraporem às blandícias dos pregoeiros que se servem de citações e manipulações escriturísticas e proféticas, para agradar e atrair seus ouvintes. Foram usadas pelo Senhor da Palavra para afirmar categoricamente, mais que comparativamente, que Sua Palavra de fato é fogo e martelo, que quem se envolve com ela vivencia esse seu poder e eficácia, seja pelo fogo de juízo contra o mal e o pecado, seja pelo martelo que arrebenta com conceitos e pré-conceitos e preconceitos para cumprir- se no esteio da vocação de Jeremias: levantado por Deus para derrubar estruturas engendradas pelos homens, contrárias ao plano divino. E, por acréscimo, havendo vivido os efeitos da Palavra como fogo e martelo, ainda nos confrontamos com seu caráter de “espada aguda de dois gumes, que penetra até à divisão da alma e espírito, e que é apta para discernir (cortar em dois o cerne) das intenções do coração” ( Hebreus 4:12).

Que ninguém se deixe enganar: Se a palavra ouvida como de Deus, nada achou para queimar, despedaçar ou cortar em quem ouve, não foi Palavra de Deus. “Com soberba falou o tal profeta”.

“Sentido de Reino”

Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo; aquele que assim serve a Cristo é agradável a Deus e aprovado pelos homens.” – Romanos 14:17-18

Vivemos no mundo físico, no qual cogitamos de coisas concretas e nos servimos dos sentidos do corpo para realizarmos a vida.

A Palavra de Deus ao nos ensinar que passamos a pertencer a um reino espiritual que se opõe ao mundo físico, não nos mandou alienar-nos dele. Pelo contrário, ensinou-nos a nos investirmos do que passou a ser real para nós, a fim de influirmos com seus valores naquilo que é transitório e temporal. A Verdade diz: “Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor” – Colossenses 1:13.

E a ordem é esta: No terreno da fé nos servimos dos valores do Reino onde agora estamos inseridos espiritualmente e que ocupa o nosso pensamento, para trazer esses valores através de nossa experiência à realidade física que nos cerca.

Não podemos, como crentes em Cristo, inverter essas posições sem nos confundirmos e desesperarmos. Estamos no mundo, mas diz o Senhor, que não somos dele (João 17:16). E aí reside a abissal diferença entre ser e estar. Quando estou, navego nos limites do visível e só me sirvo de meus cinco sentidos físicos. Quando sou, e se isso significar SER no Reino, posso transitar para além do físico e dispensar meus sentidos, porque uso de ferramentas espirituais: a fé, no lugar da visão; o coração (não o órgão, mas a sede de minha vontade determinante) no lugar da audição. E o tato, o olfato e o paladar, não me servem nesse ambiente invisível. As emoções que costumam atender exclusivamente aos sentidos físicos e à memória, agora podem deixar-se disciplinar e depurar sob influência das ferramentas do espírito.

Eis a razão por que o apóstolo Paulo neste monumental capítulo 14 de Romanos postula sobre a relatividade do que se permite e do que se proíbe
no terreno do táctil e paupável, (14: 2-6, quanto ao que se come e ao que se bebe; quanto ao que se celebra ou não) quando a motivação de tudo é o Senhor e Seu Reino. Se Sou do Reino, até o comer e o beber são para Ele, em Sua honra e culto. Se estou seguro de que SOU, onde ou como ESTOU estarão sujeitos a essa primeira posição. O que sou dita como e onde estou, quando eu SOU NO SENHOR, nas esferas do Seu Reino. É disto que Ele fala em 14:7, e arremata em 14:17 nos mostrando as evidências, ou sinais que vão testificar de quando SOU do Reino e pró-Reino: Justiça, paz e alegria no Espírito Santo.

A experiência de ser investido pela fé da justiça de Cristo, opera paz (com Deus, consigo e com outros – Romanos 5:1) e o resultado é alegria no Espírito Santo. É importante atentar e ressalvar a preposição: alegria No Espírito Santo e não apenas DO Espírito Santo, pois a diferença está em ser e não estar. Não se trata da alegria estado emocional, que opera nos sentidos, mas a que opera no íntimo do ser, que dispensa e ultrapassa os ditames das circunstâncias e pode servir-se ou não dos sentidos físicos.

Estes sinais são os indicativos do verdadeiro lugar que ocupamos estando no mundo: Somos do Reino, por ele afetados e com ele comprometidos, ou somos do mundo, pretendendo que o Reino em mundo se torne. Esta inversão de valores é inconcebível.

“Porque Teu é o Reino, o poder e a glória para sempre…” Amém.

Contrastes

Assim diz o Senhor: “Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor. Ele será como um arbusto no deserto; não verá quando vier algum bem. Habitará nos lugares áridos do deserto, numa terra salgada onde não vive ninguém. Mas bendito é o homem cuja confiança está no Senhor, cuja confiança nele está. Ele será como uma árvore plantada junto às águas e que estende as suas raízes para o ribeiro. Ela não temerá quando chegar o calor, porque as suas folhas estão sempre verdes; não ficará ansiosa no ano da seca nem deixará de dar fruto”.
Jeremias 17:5-8

Passamos a existência desejando e escolhendo. Isso vale para o crente e para o que não crê em Cristo. Mas, como em muitas outras áreas, uma diferença se acentua entre um e outro quando se trata de fazer escolha a partir de uma plataforma espiritual.

É disso que fala o Deus de Jeremias, usando de uma metáfora viva, ao comparar o homem à árvore, metáfora muito recorrente nos escritos do Velho Testamento e de que também se serviu o Senhor Jesus falando de Si e Seu rebanho de seguidores.

Mas, voltemos à plataforma referida. Ela é ou tem um eixo. O eixo está visto no verbo confiar ou no vocábulo confiança. Dependendo do lado para o qual fazemos o eixo inclinar, os resultados das escolhas mudam. É desafiador.

Se optamos por confiar na capacidade e recursos de nossa humanidade pessoal ou geral, contraímos maldição. Se nossa opção for o Deus Invisível e Verdadeiro, contrairemos bênçãos, ou seremos benditos, abençoados.

Se a opção for o braço da carne, visível e sob nosso controle, teremos nossa vida ou existência comparada ao arbusto do deserto, sem raiz e sem garantias futuras. Se a opção for a vontade de Deus e nossa dependência nEle, seremos comparados a árvore plantada junto a ribeiros. Simples assim. Aí está toda a analogia.

Mas paremos sobre os significados da metáfora.

1- O Homem como Arbusto
– Ele se garante porque suas referências são visíveis e comuns a todos. Mas seu eixo, visto na direção de seu coração, o afasta de Deus. Quanto mais próximo aos poderes mundanos, mais distante seu coração fica do poder de Deus.
– Em consequência sua existência é na aridez espiritual, comparada a deserto e solo salgado. Sabemos que o deserto ou a aridez são ambientes próprios a Satanás, conforme relatos da Bíblia. Em outras palavras: solidão. Ele está só e não se apercebe disso até que o sal do solo cobre a sede.
– E porque é árido o chão de sua existência, ele não vê o bem. O que significa isso? Isto fala de falta de discernimento, falta de capacidade de ver as coisas positivas, boas, como tendo procedência divina, providência de Deus. E se nelas ele não pode ver Deus, resta o desespero de tratar as coisas como finitas, esgotáveis, passíveis de extinção.
– Ele é tido por maldito.

2- O Homem como Árvore
– Sua garantia está no Senhor. Ele vê o invisível e por isso mesmo tomamos como exemplo, Moisés (Hebreus 11:26). Seu coração corre para Deus, o aproxima, porque Dele depende. É como um animal domesticado, que faz do seu dono o centro de sua gratificação, sua fonte.
– Em consequência sua existência tem raiz: como árvore plantada junto às águas e as bases de sua existência procuram se aprofundar em busca dos lençóis freáticos. Essa fonte é Jesus. Percebe a imagem da metáfora? Raízes que se aprofundam em busca da fonte. Jesus é buscado nos recônditos do intimismo.
– Então a metáfora cresce para mostrar o primeiro fruto da confiança: enquanto o arbusto “não vê”, a árvore “não teme”. E o que ela não teme? As possibilidades comuns a todos: os tempos de estio. Mesmo quando tudo seca, suas folhas ficam verdes. Isto fala de promessa de frutificação, como a dizer: continuo dando fruto de fé, embora o contexto ameaçador. Conhecemos esta linguagem em Habacuque 3:7 e 18: “Mesmo não florescendo a figueira e não havendo uvas nas videiras, mesmo falhando a safra de azeitonas e não havendo produção de alimento nas lavouras, nem ovelhas no curral, nem bois nos estábulos, ainda assim eu exultarei no Senhor e me alegrarei no Deus da minha salvação.”
E então vem o reforço: “Não ficará ansioso”. O mais eloquente e convincente sinal de quem confia. O mais retumbante brado de louvor a Deus: nenhuma ansiedade porque conhece sua fonte sustentadora e sabe que ela não se esgota.

– Ele é tido por bendito. Bendito ou abençoado do Senhor. A razão: confiança. Confia quem conhece.

Orgulho por Deus

Não se glorie o sábio em sua sabedoria nem o forte em sua força nem o rico em sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor e ajo com lealdade, com justiça e com retidão sobre a terra, pois é dessas coisas que me agrado, declara o Senhor” – Jeremias 9: 23-24.

Sabedoria, força (poder) e riqueza estão entre as mais cobiçadas coisas da vida, e os que as detêm, recebem aplausos dos demais e delas se orgulham. Na corrida pelo poder e riqueza está empenhada a esmagadora maioria.

O orgulho tem um espectro negativo quando traduz jactância, soberba, superioridade, e é sob este viés que o conhecemos. Mas há um aspecto positivo no orgulho que o torna benfazejo e o distancia de seus correlatos negativos. É quando ele se presta a significar honra, prazer, bem-estar, sentimento de realização pessoal, próprios do pai ou da mãe com relação a seus filhos, ou dos filhos quanto ao bom sucesso e bom nome adquirido por seus pais.

É com este sentido vertido na expressão “gloriar-se”, de que fala o Senhor pela profecia de Jeremias.

Ele pontua essas três dimensões pelas quais anseiam os homens e das quais se orgulham, para dizer que não nelas consiste ou deve redundar o orgulhar-se ou gloriar-se: nem a sabedoria que carreia aplausos e troféus aos que se destacam na ciência, literatura e artes; nem o poder que contraem mandatários ou nações prósperas; nem a riqueza que pode ou não proceder dessas vias, e que impõe respeito, jactância e vaidade aos detentores de posses e ilimitados recursos. Não. Não são eles que garantem razão real para orgulho. Todos eles constituem-se na glória dos homens, a que através de Isaías há muito preconizou o Senhor, dizendo: “…toda a humanidade é como a relva, e toda a sua glória como a flor da relva. A relva murcha e cai a sua flor, quando o vento do Senhor sopra sobre elas; o povo não passa de relva. A relva murcha, e as flores caem, mas a palavra de nosso Deus permanece para sempre”. – Isaías 40: 6-8.

Em contrapartida, a profecia de Jeremias traz um aviso: “Quem quiser orgulhar-se, tenha orgulho de me compreender e conhecer”. Sim, porque compreender e conhecer o Deus eterno e santo só é facultado àqueles que foram a isso movidos pelo Seu Santo Espírito, que lhes deu as lentes da fé para percebê-Lo, ouvi-Lo e assim poderem amá-Lo. Ele é o “amor que jamais acaba” e Seu Reino é maior que “a pérola de grande preço”, de forma que nem a sabedoria dos homens, nem o seu poder admirável ou sua cobiçável riqueza podem de fato lhes servir de coroa, como a coroa de honra de quem pode crer e seguir ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.

Dentre os que se orgulham do que alcançaram nesta vida e do nome que por tais meios fizeram, nenhum há que pode superar os valores eternos, de honra sólida e permanente que cobrem a cabeça dos que conhecem o Senhor. Conhecê-Lo é garantia de paz, de ânimo para a vida, de futuro seguro e certo, em especial quanto à eternidade ao Seu lado. Sabedoria, poder e riqueza, não só se desvanecem, como sem exceção, são vias de ansiedade e muitas vezes de injustiça e impiedade, porquanto apenas humanas. Desvanecem-se como a flor da planta, cujo esplendor é de curta duração. Mas ter no Deus Santo e Eterno o Pai cuidador e amoroso que trata e abençoa a vida dos que O amam e servem, é a maior honra, o maior motivo de orgulho eficaz e santo que pode ocupar o coração até do mais humilde dentre os filhos dos homens.

Os filhos de Deus podem seguramente viver orgulhosos de terem nEle seu Pai Celeste, hoje e sempre, por meio de Jesus.

Visão, Não Miragem

“No ano em que o rei Uzias morreu, eu vi o Senhor assentado num trono alto e exaltado, e a aba de sua veste enchia o templo. Acima dele estavam serafins; cada um deles tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés e com duas voavam. E proclamavam uns aos outros: “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos, a terra inteira está cheia da sua glória”. Ao som das suas vozes os batentes das portas tremeram, e o templo ficou cheio de fumaça. Então gritei: Ai de mim! Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! Logo um dos serafins voou até mim trazendo uma brasa viva, que havia tirado do altar com uma tenaz. Com ela tocou a minha boca e disse: “Veja, isto tocou os seus lábios; por isso, a sua culpa será removida, e o seu pecado será perdoado”. Então ouvi a voz do Senhor, conclamando: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” E eu respondi: Eis-me aqui. Envia-me!”
Isaías 6:1-8

Miragem é um fenômeno decorrente de fadiga mental por esforços excessivos. Na miragem, que convence quem a experimenta, vê-se o que se pretende ver, mas isso não se constitui numa visão. A diferença básica entre o objeto de uma visão e o objeto de uma miragem é que naquela o objeto é real, e nesta, não passa de ilusão. Algo próximo a miragem, e distante de visão, também é a visualização por efeito emocional ou histérico, e a isso também prefiro aludir como miragem.

No texto de Isaías, acima, estamos diante do relato de uma visão espiritual. Por mais extraordinária nos pareça, não é a descrição de uma ilusão, uma miragem, mas o objeto se manifestou diante dos olhos do seu observador que era o profeta.

Alguns pontos salientam o realismo dessa visão:

Ela estava articulada com o momento e o lugar em que ocorria, ou seja, estava contextualizada: no ano em que o trono de Israel tinha vagado pela morte do rei. A possível motivação do profeta para orar, trouxe-lhe uma resposta: o trono não estava vazio. O verdadeiro Rei foi visto assentado num trono exaltado. Por mais que houvesse vazio político em Israel, a terra continuava tendo seu único e verdadeiro Rei, condutor da História.

A visão era acompanhada por sons, vozes, mensagem: Começava pela identificação do seu principal personagem: “o Senhor e Ele é três vezes santo”. Em seguida anunciava Sua grandeza e força: “Toda a terra está cheia da Sua glória”, para dizer também, noutras palavras, que Ele direciona Sua glória à terra, significando que está ocupado com ela. Embora cercado de serafins, ocupa-Se dos homens.

Depois a visão muda seu foco de Deus para o vidente e ele se vê. Vê a si mesmo e vê os demais. “Tenho lábios impuros” e: “Habito entre gente de lábios impuros”. Antes de ver os outros ele se vê. Se fosse miragem, ele não se veria nela. A diferença entre miragem e visão também se delineia no fato da visão ter compromisso moral. Não é sensacionalista.

Por conseguinte, a visão provoca reação, vista no temor do vidente que se sente aniquilar diante da disparidade que a visão lhe mostra, entre a santidade de Deus e a sua própria pecaminosidade. E aí a visão nos ensina que ninguém vê a glória de Deus sem que sinta seu próprio opróbrio.

Mas, salientando ainda mais seu valor e poder, a visão que mudou o foco de Deus para o homem, também muda a mensagem de Deus, para o homem. Se amplia, para cuidar de quem vê (trata o pecado, sem condenar o pecador) e o inclui, envolve, num tocante apelo: “A quem vou enviar? Quem irá em nosso lugar?” E a palavra que encerra a visão se traduz numa entrega, oferta pessoal do vidente: “Envia a mim”.

Há ainda uma inevitável analogia entre a visão do profeta e a experiência de conversão a Cristo, que pode ser vivenciada por todo o que crê. Considerando o que disse o apóstolo Paulo quanto ao inconvertido, que “o deus deste século cegou o seu entendimento para que não obedeça à verdade”, o convertido, por conseguinte, teve seus olhos da fé abertos por Deus e para Ele. Tomando a experiência de Isaías como um correlato desta, do convertido, salienta-se que uma experiência real de conversão se traduz na visão que o convertido tem da glória de Deus e do seu pessoal vazio dela. Outro tanto, vê a santidade de Deus, e em contrapartida, sua pecaminosidade pessoal e do ambiente onde se insere. O resultado é a busca por purificação e uma aptidão voluntária para servir.

Isto delineia para nós as qualidades de uma visão espiritual. O que passa disso ou nem a isso chega, é miragem, apenas.

Graças pela Fé

Um texto confortador e esclarecedor quanto à fé se encontra em Judas, a carta de um único capítulo, no v.3: “Amados, embora estivesse muito ansioso para escrever a vocês acerca da salvação que compartilhamos, senti que era necessário escrever insistindo que batalhassem pela fé de uma vez por todas confiada aos santos.”

Refiro-me à última linha do texto: “…fé de uma vez por todas confiada aos santos”. Se associamos esta palavra de Judas a dois outros textos, e estes da pena do apóstolo Paulo, que escreve em II Tessalonicenses 3:2 que “…a fé não é de todos”, e em I Coríntios 12: 9 que a fé é manifestação do Espírito Santo na vida do crente em Jesus, podemos nos sentir confortados e seguros quanto à vida que decorre desse viver por fé.

Se há aqueles que, segundo Paulo, não lhes pertence a fé, e há aqueles que, segundo Judas,  estão inseridos entre os que receberam a fé que lhes foi confiada, concordando isto com a palavra do mesmo apóstolo Paulo quando afirma que graça e fé são dons de Deus (Efésios 2:8), então os que se sabem crentes em Jesus Cristo para perdão dos seus pecados e para o dom da vida eterna com Deus, que consequentemente amam viver e obedecer a Sua Palavra, precisam transbordar de gratidão porque essa fé que lhes propicia “aproximarem-se de Deus” (Hebreus 11:6) é a mais preciosa bênção que uma pessoa pode ter recebido nesta vida.

Se você crê no Senhor Jesus Cristo e por isso O confessa e adora como seu único Senhor e Salvador; se você tem prazer em Sua Palavra, confia nela e a vive; se você vive na certeza da vida eterna que nos foi confiada; se vigia a vida na expectativa da volta de Cristo a esta História; se tem consciência plena de pecado e santificação; então regozije-se porque você conta entre os eleitos de Deus em Cristo Jesus, segundo Seu eterno propósito. Exulte, porque você é uma habitação humana do Espírito Santo de Deus, nesta geração.

Por conta dessa fé que move seu coração e vida, o trono da graça lhe está acessível, onde pode achegar-se sempre e a qualquer hora, “…com toda a confiança, a fim de receber misericórdia e encontrar graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hebreus 4:16).  A Ele toda a glória, também por isto.

Além das Nuvens

“Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus.” – Filipenses 4:6

Na conhecida modalidade de arquivamento na “nuvem”, internautas usufruem com muita liberdade e frequência desse recurso para melhor armazenamento de suas tarefas, assuntos, arquivos, etc. O sistema funciona tão eficazmente que é possível “esquecer” na nuvem por tempo indeterminado o que se coloca ali, e “resgatar” o material armazenado em tempo oportuno.

A oração, ensinada aos antigos hebreus, amplificada por Jesus e assim passada aos que nEle crêem, há mais de três mil anos convida os homens a um exercício de espiritualidade que ultrapassa sem medida o recurso da informática de armazenamento de conteúdos nas “nuvens” porque nos convida a ir além das nuvens, Àquele que pode receber e arquivar com eficiência incomparável nossos assuntos, trabalhá-los com Sua graça onde poder e amor são ferramentas de que Se serve, para devolvê-los a nós, a Seu tempo, como a resposta pronta dentro de Sua vontade que é boa, agradável e perfeita.

Se podemos confiar em recursos da informática com tanta propriedade porque aprendemos a nos servir desses recursos criados por homens e administrados por sistemas eletromecânicos, sem medo de que nos venham a falhar (embora saibamos que falham), quanto mais preciso é confiar num Deus moralmente perfeito, eficaz e infalível, a Quem não vemos tanto quanto as nuvens do nosso sistema computadorizado, mas a Quem podemos sentir, perceber e ouvir por meio da fé.

É exatamente de que nos fala o apóstolo Paulo no texto acima. Convida os que crêem a irem, por meio da oração, armazenar além das nuvens, tudo que os aflige, nas mãos de Quem pode receber cada petição, para lhe dar o destino certo. Armazenar conteúdos que nos colocam sob ansiedade, no trono da graça de Deus em oração é eficaz para produzir paz e segurança. Nas mãos do Deus que é eterno podemos deixar e esquecer nossos argumentos, com a certeza absoluta de que a Seu tempo, Ele dará a resposta necessária aos nossos anseios, pois foi Ele quem nos assegurou: “Eu sei os planos que tenho a seu respeito. Planos de bem e não de mal, para lhes dar o fim que vocês precisam” (Jeremias 28:11).

Daí o solene convite do salmista: “Entrega o teu caminho ao Senhor. Confia nEle e o mais Ele fará” – Salmo 37:5.

Amigo Maior

Há algo de muito significativo neste texto que nos alcança com profundidade. A Bíblia põe em nossos lábios muitos títulos que podemos atribuir como adoradores, a Jesus e ao Deus Eterno. Não é meu propósito enumerá-los, mas convém lembrar os mais corriqueiros: Pai, referente a Deus. Deus Santo; Todo-poderoso; Deus Fiel,

etc.

Quanto a Jesus, eles transbordam: Salvador, Senhor, Autor da Fé, Príncipe da Paz, Cordeiro de Deus, Filho de Deus, etc.

Nós os usamos abundantemente, conforme ditam nossas necessidades ou espírito de adoração. Eles assumem o caráter de confissão e apontam a visão que temos dAquele a Quem adoramos.

Agora estamos diante de um texto que nos sublima com a visão intimista com que nos vê e trata Aquele a Quem adoramos. É uma posição invertida, onde Ele nos dá títulos. Vou apontá-los: Jesus afirma as vias pelas quais somos vistos aos Seus olhos e na Eternidade: Amigos; servos; irmãos e filhos (por inferência óbvia); e eleitos ou escolhidos. Aí estão cinco títulos que têm reforço na revelação do Novo Testamento.

Começo pelos inferidos. Eles se encontram na expressão: “Tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido”. Aponta ao fato de que temos com Cristo um só e mesmo Pai, o que nos coloca na posição de filhos desse Pai (João 1:12 e Mateus 6:9) e irmãos do Senhor, como temos  no discurso dEle já ressurreto para Maria Madalena (“Meu Pai e Pai de vocês”). Há no texto de Hebreus 2:13, que faz uso de Isaías 8:18, um indicador de que o próprio Senhor Jesus nos trata como Seus filhos. Possivelmente isso aluda à Sua oração em João 17 quando diz ao Pai que éramos do Pai e fomos dados a Ele pelo Pai. Na qualidade de irmãos do Senhor somos reputados por herdeiros de Deus e co- herdeiros com Cristo (Romanos 8:17).

Depois, nós O ouvimos dizer que já não nos tratará por servos, o que é uma categoria nossa diante dEle como Senhor. Paulo se entendia servo de Cristo e fazia questão de enfatizar isso em seus escritos, como aquele que tendo recebido alforria, assumia-se voluntariamente servo, conforme previa a Lei de Moisés, e passando a ter as “orelhas furadas”, tornava-se o servo que fica para sempre em casa. Segundo o próprio Senhor, quem fica para sempre em casa, é visto como filho (João 8:35).

Temos ainda o conceito de eleitos, os que foram escolhidos previamente, segundo Sua Eterna vontade e amor, conforme o v. 16. Mas a ênfase recai sobre um conceito novo: amigos.

Parece fora de lugar. Por força de nossos hábitos devocionais nós nos acostumamos aos termos anteriores e os recebemos bem: filhos, servos, eleitos. Nós nos vemos sob tal ótica. Mas amigos? Quanto significa e alcança?

Amigos são aqueles que se colocam sob aliança voluntária. Jesus estabelece aqui um novo conceito para amigo, pelo qual nos vê e quer tratar conosco: Ele diz que não nos chama de servos mais, porque nós temos conhecido por meio dEle  tudo quanto Ele ouviu do Pai. Isto estabelece uma nova base de relação que nos posiciona e classifica como amigos. Voltaremos a este ponto, mas é importante nos determos um pouco sobre a significação geral do termo.

Ele nos aparece no texto grego, traduzindo a palavra aramaica dita por Jesus, que se aproxima do hebraico “havar”, cujo significado é: aquele que  está ligado, que tem comunhão com, ser compacto. É a palavra que aprofunda o sentido de Provérbios 18:24. (“Há amigo mais chegado que irmão”). Traz o radical aproximado do radical de amar, semelhante ao português. Logo, amigo mais garantidamente fala de quem ama, do que irmão.

No próprio texto grego, a palavra “filós”, que traduz: “amigo, aquele que é empático”, deriva do verbo filéo que significa amar sem erotismo; amizade.  Aquele tipo de amor que Pedro chama de amor cordial, ou seja, que procede do coração. É o amor gratuito, que promove eleições entre partes.

“Havar”  e “filós” deram para nós amigo, que deriva do latim amicus. Etimologicamente o latim “amicus”, pode ter sido formado a partir da aglutinação de ad +  mecum  (ad, aproximação + cum me). Assim, a ideia derivada seria: “amigo é aquele que se aproxima para ser comigo”. Belo, não?

Tudo isso serve para nos mostrar a força afetiva de que está carregada esta palavra em seu significado e no caso de nosso texto, no sentido dado pelo Senhor Jesus.

O mais que poderíamos esperar como posição diante do Deus Santo e Salvador que tudo nos deu e realizou a nosso favor, seria sermos colocados na posição de servos. Mas justamente aí Ele nos surpreende ao dizer, não mais servos e sim amigos, “porque o servo não sabe o que faz o seu senhor”. E reforça o argumento, ao afirmar que tanto nos assume e estabelece como amigos, que nos faz conhecer tudo quanto ouviu do Pai.

Isso me faz pensar no fato que Jesus decide que nos torna participantes de Seus segredos. Que está aberto a nós, conforme acentua o salmista no Salmo 25:14. Outro tanto entendo que a aliança requer participação biunívoca, onde nos cabe buscar conhecer o que da parte do Pai Ele nos faz saber, tanto quanto, por mais que saibamos ser Ele conhecedor de todas as coisas, e ser Aquele que conhece o “que vai no coração dos homens”, derramar estes conteúdos pessoais e secretos diante dEle, na consolidação e resposta a um nível tão elevado de comunhão.

Penso em Moisés, conforme mostram Êxodo 33 e 34, dizendo ao Senhor, até com ousadia: “Mostra-me o Teu caminho” e logo depois: “Anda no meu caminho”, como a dizer, numa linguagem contextualizada: “Usa a minha agenda, e deixa que eu use a Tua agenda, Deus”.

O Que Fazer Dele?

Pilatos, procurador romano no tempo dos césares e nos últimos dias de Cristo, é conhecido nas páginas dos evangelhos por três sentenças marcantes que pronunciou: o famoso “lavo minhas mãos “, que foi coreografado e não falado (o que ele disse, de fato, foi: “Estou inocente do sangue deste homem; a responsabilidade é de vocês”). Depois temos duas perguntas: “Que é a Verdade?” e: “Que farei de Jesus, chamado Cristo?”

As duas questões, celebradas em milhares de sermões ao longo dos séculos, apontam para a realidade dos homens deste mundo que “lavam suas mãos” pretendendo uma consciência isenta de culpa (inocente?) quanto ao sangue que Jesus derramou, e assim seguem na vida sem pretender qualquer envolvimento com Ele e Sua obra, Sua morte na cruz. Mas, outro tanto, Pilatos encarna o homem deste século que prefere questionar Jesus, em busca de uma verdade pessoal, que lhe convenha, para não encará-Lo como a Verdade absoluta. E perdem por não ouvi-Lo dizer que Ele é a Verdade, a qual uma vez conhecida, liberta em todos os níveis.

Encarar a Verdade e não vê-La, tal como Pilatos, é o recurso preferido hoje pelo ser humano que, se se apercebe de que Jesus é a própria Verdade, encerra nEle sua busca que empreende sem dar-se conta disso.

Cristo, a Verdade, é a resposta a todos os anseios que ditam inquirições: na filosofia, na psicologia, no transcendentalismo que se manifesta até mesmo no discurso dos que se pretendem ateus.

E por ser Verdade que liberta, Ele leva o homem a se ver aos olhos de Deus: perdido em seus anseios, achados e “acertos”; pecador e desesperado em meio a multiformes programas onde tenta saciar sua busca inconsciente de plenitude pessoal.

Se Cristo não pode ser visto como a Verdade, tal como é, quem O encontra ou com Ele esbarra por conta da presença da Igreja nesta geração, não sabe o que fazer com Ele.

A razão por que tantos que ouvem falar a Seu respeito e passam de largo quanto ao caminho da fé; ou mesmo que procuram atalhos para não se verem comprometidos de forma definida, reside no fato de que não sabem o que fazer com Ele. Estão com a mesma questão de Pilatos, entalada em suas consciências: “Que farei de Jesus, chamado Cristo?”

E ainda há aqueles que decidiram por uma resposta enviezada a esta questão, de maneira que pensam tê-la respondida quando pretendem ter achado na fé cristã um recurso para usá-Lo como o “Santo Maior” a seu favor.

Mas, o fato é que Pilatos pronunciou uma questão que se tornou emblemática para todos, nos séculos que decorreram após seu pronunciamento: “O que fazer dEle?” Sua questão originalmente apontava para a necessidade de dar um fim ao dilema: deixá-Lo ir- Se livre ou decretar a Sua execução.

Na primeira decisão está a maioria: deixá-Lo livre. Que Ele saia da história, que não haja cruz nem compromisso; que não tenha mais nada a ver com Ele.

Na segunda, ficam os que O preferem na cruz porque entenderam o que disse Caifás, embora sem alcançar o seu sentido: “É necessário que um homem morra pelo povo”. Decidem por vê-Lo na cruz os que necessitam de Sua morte redentora, substitutiva. Os que sobem com Ele nela, pela fé, porque se sabem pecadores, necessitados do sangue remidor do “cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.

Os que tomam a segunda decisão como resposta, são os que assumem a cruz como fato inegável, que marcou e continuará marcando a consciência dos homens na história.

Corpus ChristiI

Há um momento tenso em que o Senhor Jesus é levado pela segunda vez à presença do procurador romano Pôncio Pilatos. Jesus já havia sido questionado pelo procurador, e depois de muita insistência da parte dos líderes judeus para que fosse castigado, Ele é entregue aos soldados que o açoitam, esbofeteiam e achincalham, colocando um manto púrpura em seus ombros e uma coroa tecida de espinhos sobre sua fronte.

O rosto edemaciado, as costas lanhadas, sangrando, testa ferida, a figura que Jesus aparenta deveria ser minimamente chocante. Era o próprio retrato do flagelo humano. É sob tal aparência e circunstâncias que Pilatos O vê pela segunda vez. E tudo o que consegue dizer é: “Ecce Homo”. “Eis o homem!” Quanta verdade tal expressão continha! Ali estava Pilatos diante da visão mais humana possível do “Corpus Christi”, conforme seu idioma nativo.

Paro sobre esta cena. Quão longe estava daquele romano pagão saber que tinha diante de si a representação mais completa e indispensável; a mais desesperadoramente necessária incorporação da humanidade decaída numa única pessoa. De fato, ali estava o homem. O único.

Naquele momento Jesus era mais que um homem ou um flagelo humano. Era o homem. O homem de Deus, ferido por Deus e a favor dos homens. Era a humanidade encarnada. E mais: o homem perfeito, o homem são, embora despedaçado. O homem inocente. Nesta condição, o homem-cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Naquele momento Jesus exprimia o sentido mais superlativo do significado de Filho do Homem. Era o Homem que tomava sobre Si o pecado de todos os demais, incluindo aquele um homem que diante dEle estava: Pilatos.

E quem era Pilatos? Um homem. Apenas. Porque apenas um homem, não podia compreender o alcance universal e eterno da presença do Homem diante dele, para receber a condenação que sobre Si caindo, propiciava a libertação dele, de Barrabás, a nossa, e a do povo que vociferava clamando por Sua morte.

Porque Pilatos era apenas um homem, nenhum legado deixou na história mais que os momentos registrados pelo evangelho, de quando esteve e teve nas mãos o Filho de Deus, Príncipe da Paz e Pai da Eternidade. Tão perto chegou, e o perdeu para sempre.

Tira-se um homem de um livro, como Pilatos, e ele desaparece. O Homem Jesus dentro e fora do livro, vivo está; inesquecível; adorado, amado, seguido por mais de dois anos por milhões de legiões de discípulos adoradores.

Um homem, como Pilatos, por mais que discurse, morre sem fala (a História diz que ele cometeu suicídio numa região distante de Roma para onde foi banido). Os evangelhos registram 28 vezes os discursos de Pilatos. Tirando as reedições, ele teria falado 14 vezes diante de Jesus e ao povo. Desses 14 discursos de um homem, o Homem Jesus falou apenas 3! Mas tudo o que disse, jamais foi esquecido. Um homem diante do Homem, sentindo-se poderosos e sagaz.

O homem diante de um homem, sendo apenas o substituto silencioso do culpado, para pagar-lhe as penas.

Um homem, e o pecado; o Homem, e o perdão. Um homem e a soberba do poder transitório; o Homem e a serena e perene autoridade. Um homem e as suas dúvidas; o Homem e a Verdade encarnada. Um homem e sua tensão; o Homem e Sua paz em meio ao caos.

Um homem segue vivendo de mãos lavadas do compromisso com a justiça. O Homem segue na morte que vai lavar a todos para sempre.

Um homem mortal, e apenas um corpus pilatus. O Homem divino, e o Corpus Christi. Um homem e a dor e a morte. O Homem e a graça e o dom da vida eterna.