Olhai os Lírios do Campo

A frase, extraída de uma antiga tradução da Bíblia em português, foi cunhada por Érico Veríssimo, como título de seu mais famoso romance lançado em 1938. Ela foi originalmente ditada pelo Senhor Jesus, como encontramos em Mateus 6:28. Em versões mais atualizadas, como a NVI, foi impressa na forma: “…Vejam como crescem os lírios do campo…”, conotando exclamação exortativa, onde o Filho de Deus assevera que o cuidado do Pai Celestial, em Seu fino labor ao criar e preservar os lírios, se agiganta a favor dos que nEle confiam, capaz assim de prover roupa, cobertura, que pode superar à de Salomão, feita à força do poder de sua riqueza.

Embora num primeiro momento, dentro do contexto do discurso registrado em Mateus 6, procuremos na exortação apenas o conforto da promessa que nos assegura cuidado divino, há muito mais que isso na proposta, daí ela assumir caráter exortativo. Até mesmo por conta da comparação entre o lírio e o vestuário do rei Salomão, onde Jesus sobrepõe aquele a este, a temática é a exortação contra a ansiedade, que a complexidade da vida, como engendrada pelos  homens, produz. Outro tanto, exorta à simplicidade onde reside descanso e  beleza. Veríssimo captou esta mensagem e desenvolveu seu romance em torno da vida de seu personagem que se perdeu nesse caminho, perdeu o sentido de simplicidade da vida, e perdeu-se na trama de suas  complexidades  ditadas à força de cobiça e vaidade, os dois grandes inimigos da simplicidade e outro tanto fomentadores da sobrecarga existencial.

Sei de uma coisa: Hoje esta exortação imprescindível do Filho de Deus enfrenta resistência férrea, a começar pelo fato de que os que vivem ansiosos pelas sobrecargas existenciais em torno das quais projetaram e procuraram desenvolver seu devir, não têm espaço cronológico para a contemplação, e tanto menos  espaço geográfico para a observação, porque lhes faltam campos e outro tanto os lírios.

Pela graça de Deus estou no extremo oposto. Habito num cenário que convida à contemplação. Quando as pressões da mídia consumista através de seus sedutores tentáculos começam a pretender me dizer que “tenho de ter” e que é indispensável “adquirir”; quando o contexto social começa infectar ditando que as grifes ditam os valores, posso olhar os lírios do campo, e me vejo neles, porque no meu contexto, eles florescem à beira de rios, em pequenos brejos.

Despontam alvinitentes em meio ao lodaçal. Sobem em direção ao sol e projetam seus cálices transbordantes de atraente perfume, muito acima do lodo e degradação. Então vejo sua beleza natural, não forjada por homens (sem grife), espontânea e gratuita. E lembro que o Filho de Deus me disse: “O Pai os fez e deles cuida. Você importa mais que eles, e Ele não faz menos a seu favor”.

A simplicidade da vida não tem preço. A sua complexidade, caminhos inventados, tem beleza fútil, cara demais, em alguns casos pagável a custo de altas dívidas, e que por fim cobra a conta final do desprazer e do “correr atrás do vento”.

Filhos de Deus, olhem os lírios no campo! Deixem que Deus os use para falar aos seus sobrecarregados corações. Saiam do asfalto. Pisem no chão de terra. Vivam! Como servos, sem pretensão de ser reis.

Sombra Eficaz | Atos De Discípulos (9)

Os apóstolos realizavam muitos sinais e maravilhas no meio do povo. Todos os que creram costumavam reunir-se no Pórtico de Salomão. Dos demais, ninguém ousava juntar-se a eles, embora o povo os tivesse em alto conceito. Em número cada vez maior, homens e mulheres criam no Senhor e lhes eram acrescentados, de modo que o povo também levava os doentes às ruas e os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns, enquanto ele passava. Afluíam também multidões das cidades próximas a Jerusalém, trazendo seus doentes e os que eram atormentados por espíritos imundos; e todos eram curados.” – Atos 5:12-16.

A narrativa de Lucas está cheia de evidente entusiasmo. Não era para menos. Havia um alvoroço benéfico, porque agora, os milagres antes concentrados na Pessoa de Jesus, multiplicavam-se através dos apóstolos de forma incessante e num crescendo contínuo. E então, tanto quanto nos dias de Jesus as multidões afluíam ávidas por se beneficiarem dos milagres de cura, agora não menos. Mas depressa alguns excessos são criados pelo povo, que não se comportou de forma semelhante nos dias de Cristo. O povo começava a criar suas próprias fantasias a respeito dos eventos incomuns que ocorriam. A ênfase estava no milagre das curas de enfermidades. É sui gêneris o relato: “O povo também levava os doentes às ruas e os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns, enquanto ele passava”.

Uma leitura menos atenta desta narrativa, pode levar alguém a concluir que essa proposta surtia efeito, que a pretendida cura ocorria por essa via. O texto não afirma isso. Antes faz recair sobre o povo e não sobre Pedro ou os demais apóstolos, a hipótese do benefício almejado. A conclusão do versículo 16 só se refere ao versículo 16. Não diz respeito ao v.15. O fato do povo pretender que a sombra de Pedro se projetasse sobre enfermos colocados em macas no entorno de sua passagem, não implica em resposta positiva ou benéfica para eles. Sequer o texto aventa essa possibilidade. Era uma superstição popular criada à força da necessidade e do entusiasmo. E a ênfase dessa expectativa correr em direção à pessoa de Pedro, o decano do grupo, só faz atestar que não passava de superstição popular ainda que forjada sob impulsos piedosos.

Lucas descobriu a motivação do povo, e eu penso no que sentiria Pedro ao ser informado de tal expectativa!

Mas, em contrapartida, sempre me sensibilizei por esse jogo de palavras que este único ponto da narrativa encerra. Quando Lucas escreve: “Ao menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns”, ocorre-me que aquele desejo popular aponta para um compromisso que envolve todos nós, discípulos da atualidade. A sombra projetada traduz a ideia de uma influência que alcança quem sob ela se coloca. Conquanto seja irreal a perspectiva de uma sombra física produzir cura, isso não impede que sua figuração, ou imagem figurada, seja eficaz. Todos nós projetamos sombra, se estamos sob a luz. E a Igreja que é luz, nas palavras de Cristo, luz do mundo, outro tanto o é, e só o é, porque está colocada debaixo dEle, que é a verdadeira luz: “Eu sou a luz do mundo” (João 8:12 e 9:5). E então, projetamos sombra. A sombra refrigera, e também delineia em seu espectro, a identificação do objeto real. Quanto mais próxima à luz, mais nítida e melhor definida ela é.

Nossa sombra projetada, figuradamente pode ser muito mais eficaz do que o pretendido pelo povo nas ruas de Jerusalém quanto à sombra física de Pedro. A sombra projeta-se de nós e cobre outros. Foi dito pelo Senhor que “o justo é um guia para o seu companheiro”, e é onde eu vejo nossa sombra projetando-se de forma positiva e eficaz sobre nossos circundantes, aqueles que interagem conosco no cotidiano.

É incomum sermos procurados pela possibilidade de uma influência eficaz, mas sempre que isso ocorre, o episódio narrado em Atos 5 se repete em nosso devir de discípulos do Senhor.

Foi Pedro quem nos recomendou que devemos estar sempre preparados para responder a qualquer que nos pedir a razão da esperança que há em nós. Com isso ele nos fala da possibilidade dessa busca consciente da parte de outros, pela projeção de nossa sombra sobre suas vidas. E toda vez que essa procura acontece, é bastante provável que nosso testemunho cristão esteja pontuando algo próximo àquilo que há de redundar na glória de Deus através de nossas vidas.

A Contra-Corrente | Atos De Discípulos (8)

José, um levita de Chipre a quem os apóstolos deram o nome de Barnabé, que significa “encorajador”, vendeu um campo que possuía, trouxe o dinheiro e o colocou aos pés dos apóstolos. –Atos 4:31(ARC)

Um homem chamado Ananias, com Safira, sua mulher, também vendeu uma propriedade. Ele reteve parte do dinheiro para si, sabendo disso também sua mulher; e o restante levou e colocou aos pés dos apóstolos. Então perguntou Pedro: “Ananias, como você permitiu que Satanás enchesse o seu coração, a ponto de você mentir ao Espírito Santo e guardar para você uma parte do dinheiro que recebeu pela propriedade? Ela não pertencia a você? E, depois de vendida, o dinheiro não estava em seu poder? O que o levou a pensar em fazer tal coisa? Você não mentiu aos homens, mas sim a Deus”. Ouvindo isso, Ananias caiu morto. Grande temor apoderou-se de todos os que ouviram o que tinha acontecido. Então os moços vieram, envolveram seu corpo, levaram-no para fora e o sepultaram. Cerca de três horas mais tarde, entrou sua mulher, sem saber o que havia acontecido. Pedro lhe perguntou: “Diga-me, foi esse o preço que vocês conseguiram pela propriedade?” Respondeu ela: “Sim, foi esse mesmo”. Pedro lhe disse: “Por que vocês entraram em acordo para tentar o Espírito do Senhor? Veja! Estão à porta os pés dos que sepultaram seu marido, e eles a levarão também”. Naquele mesmo instante, ela caiu morta aos pés dele. Então os moços entraram e, encontrando-a morta, levaram-na e a sepultaram ao lado de seu marido. E grande temor apoderou-se de toda a igreja e de todos os que ouviram falar desses acontecimentos.”- Atos 5:1-11 NVI

Um homem e um casal são postos em evidência para formarem contraste de comportamento e caráter: Barnabé e Ananias com sua esposa Safira. O nome de Barnabé é colocado no final da narrativa que registra o espírito e comportamento da igreja em seu nascedouro. Ele é destacado para ilustrar o que estava sendo  dito quanto ao desprendimento e generosidade do povo a favor de todo o Corpo,   a Igreja. Em contrapartida desponta-se o casal como uma célula maligna dentro daquele corpo, contrariando e quebrando todo o espírito. Indo na contramão do fluxo do Espírito, para produzir o culto aparente que destaca o cultuador, em lugar de Quem é cultuado.

Destacam-se também como promitentes doadores, mas a ação é denunciada como falsa, apenas uma aparência de piedade, e para se fazerem passar como

desprendidos, generosos e participativos, mentem, usam de engano. O juízo de Deus e a forma como ocorreu, surpreendem. Eles não foram apenas denunciados e repreendidos. Foram extirpados do grupo. A pergunta que se levanta hoje, quando temos tanta leniência no trato com comportamentos assemelhados na igreja é: o que a atitude do casal representou, de fato, que exigiu tão drástico juízo? O nome de Barnabé não entrou aqui à toa.

Pelo discurso de Pedro vemos que ninguém estava obrigado a contribuir, menos ainda a se desfazer de tudo a favor de todos. Era uma ação exclusiva do Espírito Santo nos corações, e isso se traduzia em unidade. Barnabé era rico e se desprendeu de tudo. O casal não era rico, mas foi miserável e enganador, quebrando a unidade. A unidade quebrada gera interrupção do fluxo do poder de Deus, contraria o espírito de Corpo que define a Igreja. Faz-nos pensar que Deus não tolera a falsa promessa, o falso voto.

Tentar entender ou achar uma justificativa plausível para a fatalidade ali ocorrida, pode nos levar a sérios equívocos ou a uma pretensa necessidade de justificar a ira divina. Sequer sabemos se os dois foram fulminados por efeito de ira divina. Pode ter sido a reação da justiça de Deus. Mas podemos alinhavar algumas coisas:

Tal punição numa mais ocorreu, mesmo em face de pecados escandalosos como  o descrito em I Coríntios 5:1. É significativo que essas mortes não colheram Pedro de surpresa. Após o incidente com Ananias, ele estava seguro de que o mesmo juízo ou ira, cairia sobre a mulher, Safira.

Também é significativo apontar que essas fulminações aconteceram nos mesmos moldes dos milagres anteriores, produzindo os mesmos efeitos: o temor, que o poder de Deus despertava.

Não menos curioso é o fato de que a morte vem como punição, num contexto em que até hoje parece contradizer nosso entendimento da graça: perdoadora  sempre. E os que vivem e pregam a graça barata, preferem entender que ela perdoa mesmo quando não há arrependimento. Ledo engano!

Penso, por fim, que a morte do casal foi emblemática: morreram os dois, não exatamente por conta do engano perpetrado, ou mentira ou pela hipocrisia espiritual. Não foi tanto a natureza do erro, mas seu significado: era um fogo estranho oferecido no altar, com a pretensão de ser o mesmo fogo que Deus havia acendido pelo Seu Espírito. Mas apenas fingia ser o fluxo natural do agir do Espírito Santo na Igreja. E tanto quanto os filhos de Arão no passado, eles  também foram fulminados, para que Deus advertisse os filhos da graça quanto a saber que, fogo estranho no serviço da fé, fruto de engano, estereótipo de  “piedade com eficácia negada”, recebe dEle fulminação. Fulminação que  se  traduz em mortes invisíveis, não percebidas nem sentidas de imediato, mas ainda assim por Ele operadas e para Ele visíveis e reais, e com desdobramento futuro, previsto por Jesus quando disse: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês que praticam o mal!”- Mateus 7:21-23.

E assim, o Senhor da Igreja continua cumprindo a Palavra do Salmo 101:7(ARC) – “O que usa de engano não ficará dentro da minha casa…”

A Voz que Opera por Dentro | Atos De Discípulos (7)

Depois de orarem, tremeu o lugar em que estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam corajosamente a palavra de Deus. Da multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração. Ninguém considerava unicamente sua coisa alguma que possuísse, mas compartilhavam tudo o que tinham. Com grande poder os apóstolos continuavam a testemunhar da ressurreição do Senhor Jesus, e grandiosa graça estava sobre todos eles. Não havia pessoas necessitadas entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o colocavam aos pés dos apóstolos, que o distribuíam segundo a necessidade de cada um.”- Atos 4:31-35.

Todos os que pretendem estabelecer pontos doutrinários ou dogmas sobre o texto de Atos dos Apóstolos (que não tem esse propósito), confundem-se ou cometem erros sérios. O livro tem o compromisso de ser um documento histórico, narrando a vida da igreja nos seus primeiros dias a partir de sua manifestação visível no contexto da sociedade da época. Por isso quando lemos textos como este acima, nós, militantes da Igreja de Cristo desta geração, sentimos uma sensação de vazio, de perda de posição no exercício da vida cristã em comunidade, porque nos comparamos ao comportamento daqueles irmãos e percebemos como estamos defasados não só da realização quanto da possibilidade dela em nosso contexto moderno. Por conta disso, houve alguns, e ainda os há, que tiveram a pretensão de reproduzir essa realidade da koinonia aqui descrita, tentando criar um equivalente a comunismo eclesiástico, ao qual deram nomes pomposos, sobre o que escreveram livros volumosos, em princípio atraentes, para provarem no fim das contas que o que faziam não passou de utopia desnecessária. E o fizeram com escopo doutrinário.

O equívoco se deu na forma, na tentativa de copiar a forma, que distante de nós no tempo, tornou-se inviável na práxis da igreja que explodiu em multidões confinadas em suntuosos espaços de culto, alguns reputados por catedrais, onde a prática evangélica assumiu um caráter piedoso, tipo sócio-cultural-religioso. Mas eficaz ainda, em sua proposta kerigmática. Tentar copiar aquela forma é minimamente infantil, e forçá-la é incorrer no falso, fora do texto que diz: “Não por força nem por violência, mas pelo Meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos”. A forma só se aplicava àqueles dias, e ainda à comunidade de discípulos que se organizou em Jerusalém.

A partir da diáspora dos discípulos, não mais; porque desnecessária se tornou a forma, mas eles levaram e semearam a sua essência. É bastante ler as cartas de Paulo, em especial a de I Coríntios capítulo 11, para constatar que a igreja passou a se reunir em casas diversas, ou como em Éfeso e em Corinto, em lugar reservado com dia marcado. Em Jerusalém eles ficaram por ali mesmo. Mudaram radicalmente sua situação social, movidos pela esperança de uma parousia iminente, mas o preço que pagaram, produziu a essência da unidade que Paulo depois exortou aos crentes de Éfeso e de Filipos, que deveria ser perseguida e mantida: “Façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.” – Efésios 4:3; “Se por estarmos em Cristo nós temos alguma motivação, alguma exortação de amor, alguma comunhão no Espírito, alguma profunda afeição e compaixão, completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude.”- Filipenses 2:1-2.

A unidade espiritual, tão propalada por Paulo em Efésios 4, e aqui em Filipenses bem detalhada, é a essência daquilo cuja forma atrai e tanto faz pensar aos crentes sinceros que observam questionáveis, comparando, a prática da igreja de Jerusalém dos primeiros dias. Jesus repetidamente a suplicou ao Pai quando orou pela igreja que se formaria a partir dos Seus discípulos: “Que todos sejam um”; “que sejam perfeitos em unidade”. Deixou claro que esse seria um eloquente testemunho da fé nEle, no coração crente, dizendo em João 17 que nessa unidade da igreja todos saberiam que Ele, o Senhor, tinha sido enviado pelo Pai (v.23).

Unidade não é ajuntamento, forma. Não representa nem se deixa representar por multidões em ajuntamento político-religioso fazendo marchas ou gritando palavras de ordem, nosso conhecido evangeliquês, pelas ruas. A começar pelo fato de que por unidade não devemos entender proximidade física, localidade. A unidade só pode ocorrer, e continua a sê-la a despeito de distâncias geográficas (pensemos em missionários em campos distantes, cobertos pela oração e sustento de suas igrejas mantenedoras) quando se traduz nas demais manifestações essenciais apontadas pelo apóstolo, como vimos no texto acima: “mesmo modo de pensar, mesmo amor, um só espírito e uma só atitude”, e deixa claro que isso só é possível se “estivermos em Cristo e isso for para nós motivação, exortação de amor, comunhão no Espírito, profunda afeição e compaixão”.

É interessante notar no texto histórico, que a narrativa de Lucas quanto a essa unidade da igreja que se revelou tão explícita e factual, foi colocada entre algumas expressões superlativas: “cheios do Espírito Santo” eles pregavam, e o que isso produzia era “da multidão dos que creram, uma só mente e um só coração”. E continua com os superlativos: “Com grande poder os apóstolos continuavam a testemunhar” e “grandiosa graça estava sobre todos eles”. O agir do Espírito de Deus, o lugar dado a Ele na práxis da fé, criava tais resultados, a essência que se manifestava em unidade, que por ser profunda e tão real, resulta em familiaridades, envolvimentos, entregas voluntárias e interrelacionamento intenso, cuja forma visível é só confirmação externa, consequente, do que está sendo operado por dentro.

Não se produz unidade com agendas e programas. Ou há lugar e busca do Espírito de Deus para que Ele o faça, ou o resultado é um arremedo que exige um esforço tremendo, e via de regra inócuo da parte de líderes, que o melhor que podem produzir é ajuntamento temporário e temático, sem vida longa, ou com um curto fôlego, do tamanho do entusiasmo de um momento. Mas se o Espírito de Deus age na igreja, Ele produz a unidade que vem do Alto (do contrário Jesus não a teria pedido ao Pai). Sem dúvida que, à luz das exortações paulinas, devemos entender que há um imbricamento de causa e resultado, ou uma vivência espiritual retro-alimentadora, onde a consciência da necessidade de unidade gera uma busca, diretamente ao Espírito de Deus, que encontrando corações dispostos, a produz e a mantém. Quando percebo que cristãos sinceros e operosos vivem inclinados a reconhecer e amar seus irmãos em Cristo, aí discirno o gérmen da unidade espiritual que viabiliza um testemunho eficaz, fazendo da prática da vida da igreja a verdade anunciada por Salomão: “Há amigo mais que chegado que irmão”, para dizer, num paradoxo, que para além de laços consanguíneos (o irmão aqui descrito) há irmãos na fé a quem podemos amar mais intensamente, mais achegados, mais próximos, mais entregues, porque em sua essência, preservam a mesma mente e o mesmo coração, ainda que nunca tenham sido aparentados entre si.

Ressurreição

Falamos coisas espirituais com os espirituais” – I Coríntios 2:13.

A magna esperança da fé cristã está sendo celebrada. De longe é a mais extraordinária bênção que marcou o cristianismo bíblico como a mais intensa, apaixonante e revolucionária experiência espiritual na história da humanidade. Nenhuma outra confissão ou proposta de comunicação transcendental  se compara a ela. Mas nem mesmo cristãos professos, em sua maioria, têm noção exata da glória desta doutrina e das implicações desta proposta. Até mesmo em funerais, ou lápides de cemitérios cujas sepulturas trazem como epitáfio o  versículo da promessa tal como Jesus a anunciou: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que esteja morto viverá” conseguem abarcar a dimensão de sua proposta. Geralmente os enlutados a ouvem como o resumo de que aquele seu morto não ficará morto para sempre. Ora, para boa parcela da cristandade, saber que seu morto crente está vivendo na presença de Deus, é um fato tal que a promessa da ressurreição parece perder sentido.

Lembremos o poder da ressurreição no seu efeito sobre a Igreja em seu nascedouro: os discípulos, depois que Jesus morreu, esconderam-se com medo dos judeus. Quem eram eles? Aqueles que haviam privado com Jesus mais de  três anos, sendo testemunhas e veículos de milagres em proporções e abundância incontáveis (João 21:25). Foram milagres impactantes, e todos cobertos pelo ensino do Senhor de viva voz. Morto Jesus, escondem-se aterrados. E eis que o Senhor redivivo manifesta-Se entre eles, e passa com eles 40 dias conversando, convivendo, comendo e ensinando, e até operando milagre de novo, como havia feito nos últimos três anos e meio. E Jesus Se despede deles, e eles de fato, finalmente ficam sem Sua presença física. Mas, revestidos do poder do Espírito de Deus, são imbuídos de uma ousadia que contrasta com o medo vivido há 50 dias passados, e dali em diante correm mundo testemunhando da ressurreição, ao custo de seu próprio sangue. Quarenta dias do Senhor Ressurreto, deram-lhes a convicção e paixão, que mais de três anos de milagres não conseguiram operar. E o poder da ressurreição veio consolidar tudo o que haviam aprendido com Ele naqueles três anos anteriores.

Mas e a força desta promessa?

Quando Adão caiu em pecado de desobediência, ganhou uma natureza condenada por Deus à morte, que Sua justiça santa impôs, tal como Ele antes advertira, e Adão transferiu essa natureza pecaminosa e seu consequente castigo de mortalidade a toda sua descendência. Os filhos de Adão adquirem um corpo que morre. Mas o juízo divino sobre o pecado não implicou apenas na morte  física, também na morte espiritual, que se traduziu por banimento eterno da presença de Deus. De forma que a equação formada ficava assim: a morte física separava o homem de sua vida na história, em sociedade, morto para os outros homens; a morte espiritual separava esse homem morto no corpo, de Deus.

Quando Jesus veio como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, Ele matou com Sua morte na cruz, a morte adâmica, porque Sua morte de entrega voluntária em lugar de todos, diante de Deus e para Deus, satisfez a justiça divina e assumiu sobre Si a ira de Deus e o juízo consequente sobre os filhos de Adão. Jesus morria na cruz como o Último Adão (I Coríntios 15:45), o último a morrer a morte espiritual, o banimento eterno. E ressuscita três dias depois dessa morte, levantando-Se da sepultura como o Segundo Homem (I Coríntios 15:47), ou seja,  o cabeça de uma nova raça, a raça dos filhos de Deus que não morreriam mais eternamente. Todavia, esses filhos de Deus, ou seja, os que passavam a crer em Cristo, o Filho Unigênito e aceitavam seu sacrifício e sua justiça dele decorrente, pela fé nEle, em seu lugar diante do justo Deus, continuam habitando no corpo condenado a morrer em Adão. O espírito fica vivificado, mas o corpo continua mortal. A morte de Cristo garantiu a cessação da morte espiritual, mas, e quanto ao triunfo da morte física sobre a vida, fazendo cessar a história pessoal e o convívio entre seus pares? A ressurreição de Jesus veio confirmar a promessa de Deus da vitória sobre a morte, de forma que a ressurreição se tornou a solução do problema da morte do corpo adâmico. Paulo explica que todos nós aguardamos a redenção de nosso corpo (Romanos 8:23), como Jesus viveu a Sua própria. A ressurreição, em forma de promessa, foi confirmada na ressurreição do Filho de Deus, a “primícia” dentre os que dormem, para garantir que o corpo que foi semeado em carne e pecado, ressuscitará em glória e poder, reassumindo seu lugar no convívio entre seus pares; reassumindo o espaço do qual a morte o roubou. Evidente que esse corpo glorificado, necessita de um lugar apropriado para nele habitar, uma vez que o espaço adâmico foi com ele condenado à destruição. Esse novo lugar, a Palavra de Deus chama de Paraíso, e Pedro o descreve como sendo “os novos céus e a nova terra, nos quais habita a justiça” não mais deterioráveis, nem mais perecíveis, mas eternos, na presença de Deus, cujo sangue de Cristo nos garantiu, a vivermos e esperarmos pela fé. Eis por que  o Filho de Deus  assumiu:  “Quem  crê  em  mim,  ainda  que  esteja  morto,  viverá” (João 11:25). Aleluia!

Faz Outra Vez! | Atos de Discípulos (6)

Ao verem a intrepidez de Pedro e João, sabendo que eram homens iletrados e incultos, admiraram-se; e reconheceram que haviam eles estado com Jesus… Uma vez soltos, procuraram os irmãos e lhes contaram quantas coisas lhes  haviam dito os principais sacerdotes e os anciãos. Ouvindo isto, unânimes, levantaram a voz a Deus e disseram: Tu, Soberano Senhor, que fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há; que disseste por intermédio do Espírito Santo, por boca de Davi, nosso pai, teu servo: Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram coisas vãs?…agora, Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que anunciem com toda a intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para fazer curas, sinais e prodígios por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus. Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus.” – Atos 4:13, 23-31.

Depois do milagre da cura do homem aleijado, Pedro e João foram presos pelas autoridades religiosas judaicas que tentaram intimidá-los e os proibiram de continuar a pregar a fé em Cristo Jesus. Eles declararam que não se calariam, porque não podiam deixar de falar daquilo que tinham visto e ouvido.

Esta narrativa sempre me entusiasmou por conta de enfatizar a palavra ousadia, aqui traduzida por intrepidez (4:13;30). Ousadia foi o resultado visível e contrastante quando o Espírito Santo encheu os discípulos, como recordamos anteriormente (Atos de Discípulos 2). De medrosos, que se escondiam dos judeus, levantaram-se ousados, discursando abertamente, confrontando autoridades e exortando o povo ao arrependimento, com palavras fortes de advertência. Jesus havia dito que eles estariam revestidos de poder para serem testemunhas. E poder foi o resultado daquele revestimento do Alto.

Mas é de singular notoriedade o que vemos descrito neste capítulo 4. Após o confronto com as autoridades de Jerusalém, Pedro e João juntam-se à igreja e com ela reunidos, oram. Dão graças pelos milagres realizados neles (ousadia), nos outros (a cura); pela bênção da perseguição sofrida; e fazem uma súplica, vertida em significativas palavras, cuja resposta de Deus é imediata. A súplica dizia: “agora, Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que anunciem com toda a intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para  fazer curas, sinais e prodígios por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus”.

E a resposta divina imediata foi: “Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus.” Exatamente o que pediram!

Qual a relevância disso para nós? Não tinham eles sido cheios do Espírito Santo, como visto em Atos 2 e isso produziu a intrepidez necessária ao testemunho, aqui vista como poder? Não estavam cheios dessa intrepidez, então, quando foram ao templo onde o milagre aconteceu? O verso 13 deste capítulo 4 não salienta que   foi com intrepidez (ousadia, poder) que Pedro resistiu às autoridades de Jerusalém, representadas por Anás, Caifás e auxiliares? Como lemos então que a resposta àquela oração da igreja reunida foi: “todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez…”?. Em Atos 2 lemos que eles haviam sido cheios do Espírito Santo. A nós parece que bastou o evento ali acontecido e eles estariam para sempre potencializados para fazer e acontecer. De fato, a narrativa de Atos 3 e 4 provam que estavam. No entanto, podemos traduzir a oração que fizeram posteriormente como “faz outra vez!”, ou, pelo menos: “continue fazendo!”. A resposta foi Deus renovando o revestimento de poder, como se tudo estivesse acontecendo pela primeira vez!

Duas coisas despontam para nós, discípulos da atualidade: Não devemos nos acomodar às experiências do passado como se por elas estivéssemos prontos e habilitados para sempre. A lenha queimada vira cinza, no altar. A cinza precisa ser removida para que o fogo continue a crepitar. E: necessitamos ser revestidos de novo, sempre. Ser cheios do Espírito, numa busca continuada, é o que se impõe sobre os discípulos, conforme a recomendação de Paulo em Efésios 5:18, que se traduz melhor como sendo: “deixem-se encher”.

Cabe-nos reabastecer-nos diligentemente na Fonte, rogando ao Senhor da seara, que sempre “faça de novo”, que sempre “faça outra vez”. Ele faz!

Metamorfose

Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade.”    – Efésios 4:22-24.

Há pouco tempo estive ministrando em uma igreja aqui no interior, formada por irmãos muito queridos e espiritualmente zelosos. Encontrei no seu boletim uma citação atribuída a John Wesley, fundador do movimento de santidade na Inglaterra do século XVIII que influenciou poderosamente a igreja cristã no mundo inteiro. Disse Wesley: “A conversão tira o cristão do mundo e a santificação tira o mundo do cristão”.

Nada mais verdadeiro.

A doutrina da santificação perdeu lugar na experiência da práxis evangélica em nossa geração, de forma quase generalizada. O limiar que separa o crente do mundo ficou tão invisível quanto a insensibilidade a ele o tornou imperceptível, mesmo ausente. A mensagem da santificação converteu-se numa ideologia do fracasso ou passou a ser vista como religiosidade, legalismo ou estoicismo, na melhor das hipóteses. Para escapar de sua realidade missiológica, pretendeu-se que ela é ato interior operado pelo Espírito Santo no momento da conversão e que não se traduz em formas, ações ou comportamentos. Com isso criou-se uma conveniente filosofia que rapidamente tomou dimensão generalizada de conceito, onde santificação ficou reduzida à prática de serviços cúlticos, como ir à igreja, ler Bíblia, orar. Tais práticas piedosas seriam a resposta humana ao compromisso com a santidade pessoal. E como ainda há os que traduzem santidade por observações legalistas no terreno do “é proibido”, tão repulsivo e carnal quanto seu oposto que é o liberalismo com nuances de libertinagem, quanto mais distante de critérios e renúncias pessoais estiver o crente, melhor lhe parecerá.

Todavia uma clara distinção existe entre ser crente e ser mundano. E o fiel da balança que vai distinguir o compromisso e comportamento entre uma maneira e outra de ser, é a consciência de temor de Deus no coração. Pois à medida que cresce nosso conhecimento da santidade divina e dEle mais nos aproximamos, mais tementes a Ele nos tornamos e mais distantes do mundo com seus modismos, apelativos, comportamentos, filosofias, compromissos e sentimentos, ficamos.

Santificação é uma resposta consciente do crente ao que foi feito nele por Deus, em direção contrária ao mundo e seus valores, no qual ele vivia; e a favor do Reino de Deus, na proporção de inimizade com um, e amizade com o outro; de forma que santificar-se, expressão tantas vezes repetida na Palavra de Deus, torna-se a nossa medida pessoal de separação que tem parâmetro na Revelação divina, e uma vez pessoal, não pode nem deve servir para mensurar a forma alheia de viver. Por se tratar de uma consciência de temor a Deus, torna-se nosso culto pessoal de reverência a Ele. E o temor vem, na mesma medida em que entendemos a clara linguagem que diz: “Aquele que se faz amigo do mundo, torna-se inimigo de Deus”, que é o correto entendimento sobre o texto de Tiago 4:4 e II Coríntios 1:12, que diz: “Este é o nosso orgulho: A nossa consciência dá testemunho de que nos temos conduzido no mundo, especialmente em nosso relacionamento com vocês, com santidade e sinceridade provenientes de Deus, não de acordo com a sabedoria do mundo, mas de acordo com a graça de Deus.”

Posto isto, é interessante revendo o texto acima, de Efésios 4: 22 a 24, perceber que o apóstolo ensina que a decisão pessoal e consciente por santificar-nos a nós mesmos, está diretamente ligada à “renovação do nosso entendimento”, expressão de que ele se serve de novo em Romanos 12:2, abordando o mesmo assunto, lugar onde diz que a mudança de forma conta na santificação, com o nome de metamorfose, a forma ultrapassada ou superada pelo crente, quando corre num mundo no qual está inserido. De forma clara ele nos faz saber que santificação é uma resposta racional que damos, positivamente, à mudança de nosso entendimento, ao que vamos aprendendo pela Palavra de Deus e ao agir do Espírito Santo a quem devemos dar espaço, na medida em que crescemos na “graça e conhecimento” de nosso Senhor Jesus Cristo.

Como a própria conversão implica numa mudança de mente, a santificação revela que a mente que dita a forma de ser e viver neste mundo, mudou, ou seja, passou a ser “mente de Cristo” em nós, na linguagem de I Coríntios 2:16.

Santificação implica em ser separado do que é comum a todos os outros. Ser diferente no pensar, sentir e consequentemente no comportar-se. E a Palavra de Deus define essa diferença em termos claros, aqui em Efésios colocados como troca de andrajos por roupas, despir-se e vestir-se, e noutros textos, sem metáfora:  “Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatria e feitiçaria; ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez, orgias e coisas semelhantes. Eu os advirto, como antes já os adverti: Aqueles que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deus.” – Gálatas 5:19-21. A lista é grande. Não se trata, no entanto, de conhecer uma lista, mas viver na dimensão do que vai além da lista, que por ser tão grande, Paulo, acrescenta a expressão: “e coisas semelhantes”.

Equivocam-se gravemente aqueles que pretendem que, copiar os valores e formas do mundo dando-lhes um verniz ou ambiência evangélica, do tipo vivenciar tais coisas dentro de um culto, na igreja ou na companhia de crentes, anula seu caráter de inimizade com Deus, tendendo à aprovação divina. Isso é reduzir a mente do Deus três vezes Santo à cabeça de mito religioso.

A santificação pessoal está diretamente ligada à forma como o crente vive sua relação individual com o Espírito Santo de Deus, que depois de dizer que em nós Ele tem ciúmes, adverte-nos quanto a não entristecê-Lo (Efésios 4:30), nem apagá-Lo (I Tessalonicenses 5:19).

Certa vez eu ministrava num Retiro em Campinas e fui interrompido por um irmão que disse: “Ora, pastor. Sou grato a Deus por ter sido chamado como sou. Não fui chamado para ser como Paulo, João, Daví, Pedro ou mesmo Moisés”. Ao que eu lhe respondi: “É fato, irmão. De acordo com Efésios 4:12 e I Pedro 2:21, você foi chamado para ser como Jesus”.

Por último, voltando a Wesley e seu ditado, convém acrescentar que só busca se santificar quem não perdeu a noção bíblica de pecado. Este quer uma forma superior de ser, reagir e viver: metamorfose.

A Práxis Da Voz | Atos De Discípulos (5)

Certo dia Pedro e João estavam subindo ao templo na hora da oração, às três horas da tarde. Estava sendo levado para a porta do templo chamada Formosa um aleijado de nascença, que ali era colocado todos os dias para pedir esmolas aos que entravam no templo. Vendo que Pedro e João iam entrar no pátio do templo, pediu-lhes esmola. Pedro e João olharam bem para ele e, então, Pedro disse: “Olhe para nós!” O homem olhou para eles com atenção, esperando receber deles alguma coisa. Disse Pedro: “Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho, isto lhe dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, ande”. Segurando-o pela mão direita, ajudou-o a levantar-se, e imediatamente os pés e os tornozelos do homem ficaram firmes. E de um salto pôs-se em pé e começou a andar. Depois entrou com eles no pátio do templo, andando, saltando e louvando a Deus…apegando-se o mendigo a Pedro e João…”- Atos 3:1-8,11.

A voz continua marcando presença na vida dos discípulos. Este monumental milagre narra mais que um fenômeno. Registra um agir que caracterizava os primeiros movimentos da igreja, aqui vista nas pessoas de Pedro e João. Começa pelo fato de nos mostrar para onde se dirigiam aqueles dois, que caminhavam unidos pelo propósito. Juntos, para o templo. Iam orar ali. Uma reunião de oração tradicional acontecia naquele horário. Há anos. Havia funções no templo o dia todo. Parece que três da tarde era exclusiva para oração. Homens interrompiam suas atividades comuns para se reunirem para orar. Um mendigo era colocado à entrada do local naquele horário apropriado, pois quem sabe, seria mais fácil alcançar misericórdia da parte de quem estava indo buscar para si a misericórdia de Deus.

Mas, por mais elevada fosse a tarefa, e por mais lugar comum fosse passar por um mendigo ali esmolando, a voz do Evangelho pulsava dentro da igreja pelos dois representada. E ela vê no esmoler um desafio. E como reage a ele?

É minimamente tocante ler Lucas registrando: “olharam bem para ele”. A voz de Deus move a Igreja à atenção, a olhar para baixo. E vai além: “Olhe para nós!”. Era necessário? Era importante! O contato visual de ida e volta, falava de interesse e provocava no pedinte a devolutiva da atenção, como a dizer: “Nós lhe vemos como gente, e você nos pode ver como gente, mais do que ao que pretende de nós”. Ponto de contato que a atenção realiza. Provoca familiaridade, pois a igreja é isso, é visibilidade do outro, é o olho no olho, contato, percepção interpessoal, pois significa mais que um lugar, um evento, ou um espaço; significa identificação, percepção de pessoalidade singular. E ato contínuo, produz envolvimento, participação e transferência de conteúdos, vistos na sequência da voz: “mas o que tenho, isto lhe dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, ande”.

 De quanto significado se reveste esta fala por seguir-se à informação de que algo poderia e deveria ser dado, ainda que não exatamente o pretendido e esperado pelo pedinte! Pedro assumiu não ter o que o homem esperava dele. Mas também assumiu ter um acesso, recurso espiritual que o outro sequer supunha possível ou que lhe faltasse. E dá-lhe (oferece?) seu Cristo, e o poder do Seu Nome. Creio que Pedro não mentiu. Se tivesse prata daria a prata mas também a cura. O milagre não substituia nem servia de desculpa para não saciar a necessidade existencial. O milagre, como tudo mais que o Nome de Jesus produz, suprimia a carência causal, trazia superação, mas não faria vista grossa à necessidade imediata e aparente. Dar a prata, se houvesse, seria usar uma das dimensões da Voz. Dar o poder, era ir além. Não era substituir uma ação pela outra. Porque a Voz ensina aos discípulos que a fé tem compromisso com obras (Tiago 2:17).

E como a práxis da Voz não se reduz a verbalizações, o que se segue é tão surpreendente quanto o discurso (ou mais!), pois ao mesmo tempo em que proclama a bênção, Pedro age, e toma o aleijado pela mão e o põe de pé. É aqui onde temos a prova de que se o discípulo tivesse prata, ele a daria tanto quanto a cura, pois ele evoca a bênção de Deus para que ponha o homem de pé, e outro tanto ele se envolve para também pôr o homem de pé. Que imagem sublime, revestida de significado muito eloquente, como se dissesse: “O Nazareno te põe de pé, e quero tanto que isso ocorra que eu também vou te por de pé!” Deus e o homem juntos, na mesma ação que é movida pelo mesmo propósito!

A Igreja decididamente cooperadora de Deus. Indo além da fala, do discurso, da citação, para o envolvimento participativo, pessoal e direto. Algo que nos faz traduzir o ato como quem o ouvisse dizer: “Quero tanto que meu Deus o abençoe, que eu também vou abençoar você.”

E sobre a cena, levanta-se um outro pensamento inquiridor: em qual momento agiu o poder do Alto? No ato da proclamação, ou no ato da ação do discípulo? Qual voz foi ouvida primeiro? A que discursou, ou a que transformou o discurso em ação?

E a sublimação da cena não poderia ter outro desfecho: para muito além da cura física, foi a cura moral, a aniquilação da desonra, pois a Lei decidia que aleijados estavam proibidos de entrar no templo. Pelo menos aquele ex-aleijado aprendeu que Deus não estava no templo, onde a vida toda ele foi impedido de entrar. Deus estava na igreja, e ele O encontrou do lado de fora. Ele se levanta um adorador, e entra no templo, porque a igreja, ali representada, manifestou a essência da Voz que tanto restaura quanto faz inclusão do marginalizado. Efetiva sua participação.

Uma última visão dessa esplêndida cena: Era aquela, com certeza, a primeira vez em sua vida que aquele homem adentrou ao suntuoso templo dos judeus, que Herodes reergueu com pompas. Mas descobriu Deus na Igreja, e foi a ela,  representada pelos dois discípulos, que ele se apegou. Não ao templo. Aprendeu bem cedo, que “casa de Deus somos nós” (Hebreus 3:6).

Efeitos Da Voz | Atos De Discípulos (4)

Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Todos os dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em casa e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos.” – Atos 2:42-47.

A Voz continua falando. Muitas vezes fala pelas formas, os milagres, e quando o faz, ainda cumpre sua função exclusiva: atrair para Cristo e Sua obra. Mas aqui damo-nos conta de que o Espírito Se serve da Voz para conduzir a igreja, a vida e os atos dos discípulos. Ela é a motivação, o ponto de partida e a sustentação de tudo. O registro é claro: “Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos”. Era a Voz. A Voz que alimenta a fé, que realiza a igreja. Porque havia a Voz, os resultados se seguiam em ordem: comunhão, partir do pão e orações. Temor nos corações; maravilhas e sinais; alegria, sinceridade de coração, louvor a Deus, simpatia pública e acréscimo de vidas eleitas. Tanta coisa, todas juntas e isso é a igreja, a comunidade dos discípulos.

Havendo a voz, ela produz os efeitos. Eles não necessitam ser inventados ou provocados. Compõem, não deformam nem machucam: acrescentam. Havendo a voz, podemos colher e conviver com seus frutos. Ela é prioridade absoluta. Não pode ser substituída nem copiada. A comunidade dos discípulos é a comunidade unida pela Voz, a fala de Deus, que é a Sua Palavra ensinada e outro tanto, aprendida e obedecida.

Gosto da força do verbo empregado: “Eles se dedicavam ao ensino…” Dedicar é o verbo. O ensino era o segmento que cumpria o que a dedicação apontava. Dedicados ao ensino, fala mais que o mero exercício de uma função, como o cumprimento de um programa de agenda de igreja. Fala de algo que transita proximamente à orientação de Paulo a Timóteo quando diz: “Medita estas coisas e nelas sê diligente, para que o teu progresso a todos seja manifesto.” – 1Timóteo 4:15 (ARA).

Quando a Voz se faz ouvir na igreja, faz-se ouvir na fé, no coração e vida de cada um, e os frutos que vertem daí, sinalizam comunhão que tem forma visível, notoriedade em partilhar e busca de Deus, que por Sua vez tem espaço aberto para agir, conduzindo a vida de discípulos a um testemunho eficaz de seguidores do Senhor, o que traduz alegria, corações sinceros, louvor espontâneo, e acaba por conquistar simpatia daqueles que navegam em seu entorno.

Nenhum ajuntamento cristão, digno de respeito, pode pretender menos do que esta radiografia que este texto expõe para nós. Conforta saber que o segredo nos está revelado: a primazia da Voz que tudo realiza.

“Ouve, povo meu, quero exortar-te. Ó Israel, se me escutasses!”

-Salmos 81:8 (ARA).

A Voz Na Fala | Atos De Discípulos (3)

Então Pedro levantou-se com os Onze e, em alta voz, dirigiu-se à multidão: “Homens da Judeia e todos os que vivem em Jerusalém, deixem-me explicar isto! Ouçam com atenção: estes homens não estão bêbados, como vocês supõem. Ainda são nove horas da manhã! Ao contrário, isto é o que foi predito pelo profeta Joel: “ ‘Nos últimos dias, diz Deus, derramarei do meu Espírito sobre todos os povos. Os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os jovens terão visões, os velhos terão sonhos. Sobre os meus servos e as minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e eles profetizarão. Mostrarei maravilhas em cima, no céu, e sinais em baixo, na terra: sangue, fogo e nuvens de fumaça. O sol se tornará em trevas e a lua em sangue, antes que venha o grande e glorioso dia do Senhor. E todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo!’” – Atos 2:14-21.

É significativo perceber os movimentos que se seguem ao milagre da incursão fenomenal das línguas de fogo. Primeiro há o despertamento da curiosidade do povo que afluiu em multidão ao local onde os discípulos estavam reunidos. Depois, não menos surpreendente é ver Pedro se levantar, acompanhado dos demais onze, e começar a discursar. Em seu discurso, revela uma autoridade que contrasta acentuadamente com a cena vivenciada passados mais de quarenta dias (João 20:19): “Ao cair da tarde daquele primeiro dia da semana, estando os discípulos reunidos a portas trancadas, por medo dos judeus…” E aqui, de pé, discursa em altos brados. A pergunta que fica é: o som dos louvores em outras línguas, cessou? Pelo sim, pelo não, resta agora a Voz que sobressai na fala. Então, como já foi dito, nela se evidencia autoridade. Depois, objetividade, porque Pedro começa a explicar o que se passa e contextualiza com a profecia de Joel.

Ato contínuo a mensagem que a voz traduz, aponta de imediato para Jesus e Sua obra. Ou seja, começa servindo-se do milagre, mas usa-o para alcançar o seu propósito que é revelar Jesus, e a partir daí concentra-se Nele e Sua obra, e para tanto continua servindo-se das Escrituras (Salmo 16: 8-11). O foco não é mais o milagre ocorrido, mas Quem e porquê o realizou. A ênfase transita do efeito para a Causa.

Posto isto, a voz se dirige à consciência dos ouvintes, com a mesma intrepidez e ainda aqui servindo-se das Escrituras (Atos 2:34-36; Salmo 110:1). E o resultado é uma compulsão geral, operando irresistível arrependimento e tomada de posição, naquilo que representou o primeiro e um dos maiores movimentos evangelísticos da Igreja primitiva.

Temos muito a aprender com os movimentos do Espírito na vida dos discípulos, como descritos aqui. Começando com o fato de que todo o agir começa e depende Dele. Depois, o operar incontrolável através dos recursos de que Se serve para alcançar o Seu propósito: revelar Jesus, Sua obra e razão dela; conquistar vidas para cerrarem fileira nessa obra. Para isso, parte do milagre para chegar à Sua razão, e desde então se foca na razão, na causa. Não mais no milagre, e o faz, dando Voz àquela fala e a Voz põe as Escrituras na fala, e produz como resultado arrependimento nos corações que a ouvem.

Os discípulos têm uma fala. Esta fala tem uma voz. Esta voz tem uma autoridade e propósito. A fala é fenômeno, efeito. A voz é razão, propósito. A voz na fala aponta uma única direção: Cristo, como dizem as Escrituras. A voz da fala é a Palavra de Deus.

 

A Fala | Atos de Discípulos (2)

Chegando o dia de Pentecoste, estavam todos reunidos num só lugar. De repente veio do céu um som, como de um vento muito forte, e encheu toda a casa na qual estavam assentados. E viram o que parecia línguas de fogo, que se separaram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito os capacitava. Havia em Jerusalém judeus, devotos a Deus, vindos de todas as nações do mundo. Ouvindo-se o som, ajuntou-se uma multidão que ficou perplexa, pois cada um os ouvia falar em sua própria língua. Atônitos e maravilhados, eles perguntavam: “Acaso não são galileus todos estes homens que estão falando? Então, como os ouvimos, cada um de nós, em nossa própria língua materna?…Nós os ouvimos declarar as maravilhas de Deus em nossa própria língua!” – Atos 2:1-11

Quase que invariavelmente olhamos esta narrativa admirados e atraídos pelas imagens descritas do fenômeno, à semelhança dos homens que tiveram o privilégio de assisti-lo naquele dia distante de nós por mais de 2000 anos. E também quase que invariavelmente nos esquecemos de acompanhar os detalhes por eles observados quanto ao propósito e significação do milagre. Milagre que ocorreu em cumprimento à promessa que o Senhor havia feito alguns dias antes e que vimos narrada no capítulo anterior, onde Ele afirmou que eles todos receberiam poder pelo Espírito Santo para serem Suas testemunhas até os confins da terra. Passado o momento de efusão, Pedro se levanta e discursa afirmando que ali estava o cumprimento de uma promessa feita por Deus através do profeta Joel, a qual seria para todos eles e para todos os demais a quem Deus viesse chamar, “até os confins da terra”.

Quais são os detalhes que ultrapassam a forma vista e os movimentos que a seguiram?

Havia ruído como da ventania de uma tempestade e uma algaravia de sons que se mesclavam na forma de idiomas. Havia figuras etéreas de fogo como pequenas labaredas que pousavam sobre as cabeças dos que se punham a falar em alto som, porque prorrompiam em proclamação de louvores que adoravam a Deus. Essas eram as formas, ou as figuras da forma. Mas qual a essência? O que o milagre comunicava? A fala. A fala dos discípulos. O novo idioma que a igreja recebia por ação sobrenatural do Espírito Santo de Deus. Literalmente: “conforme o Espírito os capacitava”.

Muito tempo depois, doutrinando a Igreja, o apóstolo Paulo disse que “ninguém pode dizer:…Jesus é Senhor, a não ser pelo Espírito Santo.” – 1 Coríntios 12:3. E isto explica o propósito da dotação ocorrida ali. Poder para ser testemunha é algo que excede o fenômeno. É um milagre que ultrapassa a forma; que está pleno de objetividade santa e eficaz.

Não compactuo com aqueles que desprezam o fenômeno do falar em línguas espirituais, divisor de águas na igreja ainda nestes nossos dias em que já deveríamos ter crescido tanto. Mas, outro tanto, não posso reduzir o plano de Deus ao fenômeno por si só, sem objetivo prático, geral e kerigmático, de que ele se reveste. Naquele dia de pentecostes, os discípulos foram revestidos da capacidade de receber uma fala que é do Reino, um idioma só seu. Muito além de algaravias ou do “evangeliquês” pelo qual tantos querem se fazer conhecidos. Também muito além dessa mescla de fala mundana e espiritual, que funciona como um sotaque, um falar “meio asdodita”, onde o prolador parece transitar entre dois mundos ou num limbo que o espiritualiza.

Quando o som se fez ouvir, o que nos mostra o texto em apreço? A fala de discípulo, o idioma da igreja, que proclama as grandezas de Deus. É ouvida mesmo pelos zombadores, porque soa altissonante. É compreendida dentro da capacidade íntima que cada ouvinte tem de perceber os sons e traduzi-los para si de forma inteligível, por mais estranho pareça seu princípio de assimilar as comunicações interpessoais. E quando a atenção a essa fala é devidamente dada, corações se compungem, abrem-se, querem saber mais, e o espaço vira palco para ensino e proclamação do plano redentor de Deus, revelado através de Sua obra por meio de Seu Filho Jesus. Funciona como a capacidade que o Espírito dá de falarmos a língua que abre o entendimento do outro, que o atrai para o conhecimento do Deus engrandecido pela fala do adorador, até que esse outro possa ouvir tudo quanto mais nós, discípulos, podemos e devemos dizer. É o que os fatos descritos no texto em apreço proclamam para nós, desde que a Igreja peregrina na terra.

O Espírito nos dá um idioma que o mundo não tem, mas que discursa de maneira que ele pode compreender. Num primeiro momento parece apenas ruído, mesmo assim atrai, chama a atenção. E indo na contramão do que aconteceu em Babel, milênios antes, – aproxima, une, faz-se entender e esclarece, abrindo espaço para a mensagem que recomenda o arrependimento pessoal. Em outras palavras, a fala do discípulo, o idioma da Igreja, anuncia Deus aos homens, e os convida para a Ele pertencerem.

 

Cristo, e Excelente

Mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus.” 1 Coríntios 1:24

Nossa ênfase é simples e direta: a excelência de Cristo, o Filho de Deus. Já seria bastante saber que Ele é o Filho de Deus para entendermos sua Excelência. Mas quando a Palavra de Deus declara que Jesus é a sabedoria de Deus, então o conceito se define. Excelente é o que excede, o que está acima de comparação. Nada nem ninguém lhe faz par. Isto significa que, somente enfileiram Jesus a outros nomes, aqueles que Dele pouco ou nada sabem. Ninguém pode ser pareado ao Filho de Deus. Seguir a Jesus é andar pelo caminho da excelência.

A Palavra de Deus reforça isso com várias expressões. Dentre elas, destaco Efésios 1:22 – “Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja”, que por sua vez se dilata diante do argumento de Colossenses 2:3, quando diz: “Nele estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento.”

É então que ao olharmos as características da sabedoria tais como descritas em Provérbios 4 e 8, percebemos o significado da excelência do Filho de Deus: “O conselho da sabedoria é: Procure obter sabedoria; use tudo o que você possui para adquirir entendimento. Dedique alta estima à sabedoria, e ela o exaltará; abrace-a, e ela o honrará.” – Provérbios 4:7-8. “Pois a sabedoria é mais preciosa do que rubis; nada do que vocês possam desejar compara-se a ela. Amo os que me amam, e quem me procura me encontra. Comigo estão riquezas e honra, prosperidade e justiça duradouras. Meu fruto é melhor do que o ouro, do que o ouro puro; o que ofereço é superior à prata escolhida. Pois todo aquele que me encontra, encontra a vida e recebe o favor do Senhor.”- Provérbios 8:11,17-19,35.

Cabe, pois, uma questão: de forma prática, em que importa à minha fé, saber que o Cristo a Quem sirvo e adoro é excelente? Ele não é um ídolo coberto de ouro que eu contemplo. Ele é excelente por Quem e pelo que é.

É então que uma parábola por Ele mesmo proposta, alusiva ao valor do Reino dos céus, quando revista aplicada a Si, nos faz entender como devemos reagir por fé à consciência de sua excelência: “O Reino dos céus é como um tesouro escondido num campo. Certo homem, tendo-o encontrado, escondeu-o de novo e, então, cheio de alegria, foi, vendeu tudo o que tinha e comprou aquele campo. O Reino dos céus também é como um negociante que procura pérolas preciosas. Encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo o que tinha e a comprou.” – Mateus 13:44-46.

O texto da sabedoria em Provérbios 8 nos fala dessa necessidade de exclusão e renúncia pessoal para dar lugar à preciosidade maior. E porque Ele é excelente:

  1. Sublima nossos sonhos, nossas dores, nossas paixões, dissabores, conquistas temporais.
  2. Inspira avançar, conquistar, esperar.
  3. Arrebata a visão e provoca paixão.
  4. Atrai à busca por pertencimento e semelhança.
  5. Provoca reverência, admiração e adoração.
  6. Recebe primazia sobre afetos, o primeiro amor.

Tudo isso implica num movimento em direção a Quem Ele é, não ao que Ele pode fazer. Quem O busca somente pelo que Ele faz, ainda não entendeu nada sobre Quem Ele é: quão excelente.

Soberania e Obediência

Não compete a vocês saber os tempos ou as datas que o Pai estabeleceu pela sua própria autoridade…” – Atos 1:7

Há uma explícita tensão entre autoridade divina e obediência humana. A autoridade divina está inerentemente ligada à soberania, e a obediência humana, que é uma resposta consciente, ao espírito servil ou submisso da vontade humana a essa autoridade soberana.

A tensão, que em casos singulares assume o caráter de conflito, reside mais no fato de que a obediência tem a tendência de questionar, de pretender entender antes de atender, porque este é um movimento inevitável de necessidade de controle que o ser humano tem. No entanto, se há controle, não há obediência, porque a soberania prescinde do controle, quando se trata de Deus.

E isso pode ser atestado em textos bíblicos como Jó 42:2 – “Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos Teus planos pode ser frustrado”, ou Romanos 9:19 – “…Pois quem resiste à Sua vontade?”. Podemos ainda acrescentar Salmo 115:3, entre tantos outros mais: “No céu está o nosso Deus e tudo faz como Lhe agrada”(ARA).

À vista destes textos, alguns assumem que a vontade de Deus é irresistível e que por fim prevalece à revelia da resistência humana, mas os fatos bíblicos históricos e seus apelativos à obediência por fé, provam que a vontade humana precisa capitular conscientemente à vontade divina para que esta se cumpra. Tanto o Israel antigo nos prova isso, e os 40 anos de sua peregrinação pelo deserto a caminho de Canaã são o veredito final, quanto nos deparamos com apelos do nível de Hebreus 3:15 – “Se hoje vocês ouvirem a Sua Voz, não endureçam o coração, como na rebelião”. Ou Atos 7:51 – “Vocês são iguais aos seus antepassados: sempre resistem ao Espírito Santo”.

Ao que parece, a vontade humana oferece resistência, porque alimentando a necessidade de controle está o enfraquecimento da fé. A soberana vontade de Deus (que Paulo postulou como boa, agradável e perfeita) não investe em sinalizadores que bloqueiam a capacidade de crer e depender, uma vez que dando visibilidade à fé, inibem ou anulam o processo de construção da esperança, no qual Deus investe sempre, porque “esperamos o que não vemos” e isto é um atestado de investimento nosso em confiança no caráter divino. Creio que é onde também entra a máxima do profeta Samuel: “Obedecer é melhor que sacrificar”.

O próprio Senhor Jesus deixou clara Sua rendição consciente à vontade de Deus Pai, quando orou dizendo: “Se não for possível que este cálice passe de mim sem que eu o beba, seja feita a Tua, e não a minha vontade”. E isso depois de afirmar, semelhantemente a Jó: “Tudo Te é possível!”. Outro tanto Hebreus registra que Ele, Jesus, “aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu”.

Sempre haverá essa tensão: a vontade de Deus precisa e deve ser cumprida, pois atende a um propósito elaborado na eternidade que envolve a nossa vida. Cumprir-se-á, se obedecida. Foi tudo quanto nos ensinou o Senhor: “…seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu”. Isto prescinde de sinais e garantias. É rendição e confiança.

Chamado e Resposta

Quando andavam pelo caminho, um homem lhe disse: “Eu te seguirei por onde quer que fores”. Jesus respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”. A outro disse: “Siga-me”. Mas o homem respondeu: “Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai”. Jesus lhe disse: “Deixe que os mortos sepultem os seus próprios mortos; você, porém, vá e proclame o Reino de Deus”. Ainda outro disse: “Vou seguir-te, Senhor, mas deixa-me primeiro voltar e despedir-me da minha família”. Jesus respondeu: “Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus”. Lucas 9:57-62

Há um paralelo doutrinário entre este texto acima e o texto de Romanos 1:1-7 onde Paulo nos aponta o fato de que somos cristãos a partir de um chamado divino, pessoal. Nele podemos identificar que além de um chamado específico, visto na pessoa do apóstolo, há um chamado geral que alcança todos nós, e que tem desdobramentos interdependentes, onde se pode alinhavar: Chamado para obedecer pela fé; Chamado para pertencer a Jesus; Chamado para ser santo. Textualmente. Vejamos o texto referido: “Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, o qual foi prometido por ele de antemão por meio dos seus profetas nas Escrituras Sagradas, acerca de seu Filho, que, como homem, era descendente de Davi, e que mediante o Espírito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder, pela sua ressurreição dentre os mortos: Jesus Cristo, nosso Senhor. Por meio dele e por causa do seu nome, recebemos graça e apostolado para chamar dentre todas as nações um povo para a obediência que vem pela fé. E vocês também estão entre os chamados para pertencerem a Jesus Cristo. A todos os que em Roma são amados de Deus e chamados para serem santos: A vocês, graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.”

O chamado é fato. Tem seu ponto de partida em Cristo e através Dele.

As respostas podem variar, e ao variarem denunciam um mesmo obstáculo: “primeiro meu interesse, com nome de minha necessidade”. É o que se percebe de forma clara nas respostas de cada um dos três homens citados em Lucas, nesse momento de encontro com Jesus.

1- A oferta temerária  –  Porque não registra consciência de realidade, por ficar comprometida com o entusiasmo. E assim se mostra vazia para a vida de fé. É o que revela a fala desse primeiro interlocutor: “Eu te seguirei por onde quer que fores”. Depois, no segundo, aquele a quem Jesus chama diretamente, temos:

2- A resposta avaliadora – Vista naquela que não abre espaço para a especificidade: “Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai” É vazia para sujeitar-se ao senhorio de Cristo. E no terceiro, o outro que se apressa a se declarar seguidor temos:

3- A resposta inapta – Porque é aquela que não prioriza para o Reino, não se separa (santificação): “Vou seguir-te, Senhor, mas deixa-me primeiro voltar e despedir-me da minha família”. Não faz a inevitável ruptura proposta aos chamados como foi tipificada no primeiro que foi chamado por Deus a viver para Ele: Abraão.

Qual resposta define o chamado que temos recebido?

A Porta dos Céus

Jacó partiu de Berseba e foi para Harã. Chegando a determinado lugar, parou para pernoitar, porque o sol já se havia posto. Tomando uma das pedras dali, usou-a como travesseiro e deitou-se. E teve um sonho no qual viu uma escada apoiada na terra; o seu topo alcançava os céus, e os anjos de Deus subiam e desciam por ela. Ao lado dele estava o Senhor, que lhe disse: “Eu sou o Senhor, o Deus de seu pai Abraão e o Deus de Isaque. Darei a você e a seus descendentes a terra na qual você está deitado. Seus descendentes serão como o pó da terra, e se espalharão para o Oeste e para o Leste, para o Norte e para o Sul. Todos os povos da terra serão abençoados por meio de você e da sua descendência. Estou com você e cuidarei de você, aonde quer que vá; e eu o trarei de volta a esta terra. Não o deixarei enquanto não fizer o que lhe prometi”. Quando Jacó acordou do sono, disse: “Sem dúvida o Senhor está neste lugar, mas eu não sabia!” Teve medo e disse: “Temível é este lugar! Não é outro, senão a casa de Deus; esta é a porta dos céus”.” – Gênesis 28:10-17

Não posso ler esta solene e histórica declaração de Jacó sem pensar na afirmação de Hebreus 3:6 quando diz que nós é que somos a casa de Deus.
A declaração de Hebreus é mais que solene. Não tivesse o poder profético de Palavra de Deus, eu diria que ela é ousada ou mesmo pretensiosa, ao afirmar que os crentes são casa de Deus. Mas não se trata de ousadia ou pretensão. A Igreja é o Corpo de Cristo, e somos declarados templo no qual Deus habita em Espírito, cada um de nós. Isso nos estabelece de fato como casa de Deus.

A ideia de pretensão surge quando associamos a essa metáfora a declaração de Jacó, que aqui entra como uma definição da casa de Deus, que nos alcança e compromete como igreja, pessoas cristãs, de forma direta e irretocável.

A experiência de Jacó se resume num sonho profético do qual Deus Se serviu para Se comunicar com ele. E foi quanto bastou para Jacó concluir
que aquele lugar equivalia para ele como a casa de Deus. A declaração era a capitulação dos sentidos a uma lógica: “se Deus está aqui e aqui Se manifesta, fala e toma decisões, então este lugar é a casa de Deus”. Também porque ali ele pôde ver anjos em intenso movimento, indo e vindo. Outro tanto havia essa visão de escada que servia de estrada aos anjos, no percurso entre a terra e o céu. Tudo era de fato sobrenatural, ou sobre- humano. Mais que a visão, no entanto, foi a palavra-promessa de Deus que deu a Jacó o êxtase ou ápice da bênção.

Mas, no que isso nos importa?

No tanto quanto a conclusão de Jacó significa. O que nos leva a uma questão: o que fez com que Jacó concluísse que a casa de Deus lhe era por porta dos céus? Mais que isso. Se a casa de Deus pode ser tida por porta dos céus, por conseguinte nós devemos também ocupar tamanho status? Teria Deus tal propósito quando decidiu que os que creem no Seu Filho sejam reputados por casa de Deus?

É então que devemos observar o que acontecia ali para levar Jacó a chegar a tal comparação conclusiva.

1- Presença perceptível de Deus ali “O Senhor está neste lugar”. Quanta diferença faz! Como muda tudo!
Não fala de coisas alusivas a Deus. Evidencia Sua presença.

E por conseguinte:

2- A Voz divina se faz ouvir
“Ao lado dele estava o Senhor que lhe disse…”

E de que fala essa voz?
Traz promessa de segurança; proteção divina; fidelidade divina.
Edifica, exorta e consola. É um novo idioma, porque há novo conteúdo.

3- Há algo sobre-humano ali
Anjos que sobem e descem. Isto nos lembra Hebreus 1:14 e Salmo 91:11.

Escada da terra ao céu (acessibilidade). Um intercurso entre o terreno e o celestial, entre o humano e o divino.

Seria natural pensar que a conclusão de Jacó fosse que aquele lugar era casa de Deus e pronto. Mas ele viu mais que isso. Viu ali uma porta do céu, uma vitrine, antevisão de coisas celestiais.
Se nós somos a casa de Deus, percebe quanto estamos comprometidos em sermos essas vias pelas quais os que nos contatam possam concluir de igual maneira? Como você se vê nessa visão?

Maças de Ouro de Jeremias (7)

Se você voltar, ó Israel, volte para mim”, diz o Senhor.” – Jeremias 4:1.

O verbo empregado neste oráculo de Jeremias, no hebraico, tem a força de nosso verbo converter. E este é exatamente o sentido pretendido por Deus ao comunicar o apelo através do Seu servo.

Ele está falando com Seu povo, os filhos de Abraão, que à semelhança de muitos de nós, crentes, se sentiam seguros em sua herança espiritual, de tal forma a perder a noção de fragilidade no campo da fidelidade e da confissão que deve se manifestar com frutos.

De certa forma seguimos, via de regra, nossos próprios caminhos, por mais que os cubramos com nossas orações, e acabamos descobrindo que muitas vezes andamos nos descaminhos que nos afastam do propósito de Deus para nossa vida no seu todo, através da soma de seus cotidianos.

E é quando o apelo deve nos alcançar e a atenção devida a ele se faz pertinente.

Outro tanto, como é importante perceber de quanto afeto divino ele se reveste! Porque o Senhor a um só tempo nos fala de Seu desejo de ter-nos junto a Si, quanto aponta para o fato de que Se preocupa com nossos distanciamentos. Na verdade, todo movimento que não nos aproxima Dele, invariavelmente Dele nos afasta. E ele sabe que nossos próprios caminhos, preciosos a nossos olhos, redundam em mortes variadas que entremeiam nossa jornada. Ele o disse em Sua palavra: “Há caminhos que ao homem parecem ser bons, mas o seu final são caminhos de morte”. E longe dEle morrem os sonhos e as conquistas.

Tanto Jesus disse: “Sem mim vocês nada podem fazer”, quanto com sabedoria Davi concluiu em sua caminhada com Deus: “Com meu Deus, saltarei muralhas”. A nota de sabedoria entoa: “Com meu Deus”. E por aí, o apelo em Jeremias se realça no significado de “junto a Mim”, daí, “volte para mim”.

Importante ainda salientar que “com Deus e para Deus”, está longe de significar cobrir com oração petitória o plano que se traça para viver, como quem passa informações ao Senhor do que pretende realizar ou deseja alcançar. Voltar-se para Ele detém o sentido essencial de avaliar se nosso caminho corre em Sua direção e nos leva a Ele em todos os seus percursos.

O ano se inicia. Excelente oportunidade para assumirmos, como crentes em
Cristo, vivermos inclinados a voltar-nos para Ele em cada um dos seus muitos dias.

A Partilha Que Multiplica

Marcos 6: 30-44

Há movimentos emblemáticos neste milagre que vem relatado nos quatro evangelhos, e tais movimentos falam da natureza, do espírito que caracteriza a manifestação do Reino de Deus na vida dos que vivem em função dele.

Vejamos alguns pontos relevantes que a leitura geral feita nas quatro narrativas aponta:

1- O milagre se deu num lugar deserto nas cercanias de Betsaida, cujo nome significa: “casa de misericórdia.” Por sua vez, este milagre é fruto de misericórdia, e por certo se registrou na memória de seus beneficiados como transformando aquele espaço desértico num lugar de exercício de misericórdia – Lucas 9:10.

2- Marcos e Lucas posicionam o milagre como ocorrendo logo após o retorno dos Doze em sua primeira missão ao campo. Então ele entra como ratificação da missão da Igreja em repartir o que tem e o que leva, gerando um multiplicador inevitável.

3- Filipe é o homem a quem Jesus provoca, ou prova, e que informa terem apenas 200 dinheiros, insuficientes para comprar pão para tanta gente (João 6:7).

4- André é o homem que traz a oferta humílima de 5 pães e dois peixes, merenda de um rapaz que entre o povo estava.

5- O povo foi ordenado em ranchos sobre a relva, à espera do milagre. Imagino que se assentaram por opção de afinidades, como os ranchos em que a Igreja visível de Cristo se ajunta no mundo todo.

Então, coisas acontecem, e são sobrenaturais. Tudo, a partir de uma entrega que originalmente era:

– Insuficiente em si mesma;

– O tudo do ofertante;

– Dada a um, a favor de todos, e recebida pelo Senhor, em Suas  mãos. E essa entrega, que passando por André chega às mãos do Senhor, parece cumprir literalmente outra funcionalidade da Igreja, como preconizada por Jesus: “Quando o fizeste a um desses pequeninos, a mim o fizeste”.

E a natureza do milagre:

  • Começou por um dividir, um repartir (Marcos 6: 41);
  • Os que recebiam sua parte, serviam aos demais (6:41);
  • E as divisões continuavam. Ou seja, diminuía para multiplicar. O programa era dividir. O resultado foi multiplicação.

E o mais importante: Esse milagre teve origem, começo em Jesus, mas continuou e aconteceu pela e com a participação de cada um, de forma que todos foram por sua vez instrumentos da realização do milagre. Eis a Igreja aí!

O efeito final atingiu o objetivo: satisfação (6:42).

E houve abundância de sobra para quem repartiu primeiro.

Fé: Esperança Ou Desespero?

Para que serve a fé? Ou ter fé? A Palavra de Deus afirma que a fé é um recurso (fenômeno) dado por Deus. Qualquer coisa que pretenda ser ferramenta para o transcendentalismo sem ser essa dádiva divina, o mais que consegue atingir é o status de mentalização, porque a fé não é nem alguma forma de energia psíquica nem mero derivativo do racional humano como filosofias e equivalentes. A fé é um construto inerentemente espiritual, tal como a esperança, que a alimenta.

Por sua vez, da mesma maneira como o ser humano almeja perpetuidade, porque o anseio pela eternidade foi posto por Deus dentro dele (Eclesiastes 3:11), esse anseio gera um substrato de esperança, em função da qual toda a estrutura psíquica da humanidade funciona. Diferentemente de todos os demais seres vivos, nós, humanos, vivemos em função do dia seguinte, e em direção a ele, para dizer o mínimo.

Na dimensão da fé, ela se alimenta da esperança que vai muito além do dia imediato, por contemplar a eternidade com Deus, e assim carreia um número incontável de comportamentos que caracterizam e definem o crente no seu devir.

Mas a esperança que se serve da fé, não corre somente na direção de coisas, e sim na direção da Pessoa de Deus. Esperamos, não “no que” e sim, “em Quem”.

Por conta disso, bem biblicamente assentada numa confissão teísta, e lançando para o nada os argumentos deístas, que são inócuos, pois o melhor que podem propor ao crente é o desespero quando lhe pretendem fazer crer que ele está por sua conta neste mundo, a fé enxerga a promessa e se serve dela quando a lê em suas máximas escriturísticas, tais como estas:

“(Jesus)…está sustentando todas as coisas pela Palavra do Seu poder” – Hebreus 1:3.

“Entregue o seu caminho ao Senhor; confie nele, e ele agirá” –  Salmos 37:5

“Deus é quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele.” – Filipenses 2:13

“Depositei toda a minha esperança no Senhor; ele se inclinou para mim e ouviu o meu grito de socorro. Ele me tirou de um poço de destruição, de um atoleiro de lama; pôs os meus pés sobre uma rocha e firmou-me num local seguro.”- Salmos 40:1-2.

“Senhor, concede-nos a paz, porque todas as nossas obras tu as fazes por nós.”- Isaías 26:12.

“Assim, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade.” – Hebreus 4:16

“Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem cuidado de vocês.” – 1 Pedro 5:7

 “Pois quem resiste à sua vontade?”- Romanos 9:19

“Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês’, diz o Senhor, ‘planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro.” – Jeremias 29:11

Podemos acrescentar todo o salmo 23, que investe no contínuo fazer do Supremo Pastor a favor de Suas ovelhas.

Se o coração do crente não estiver guarnecido dessa fé que vê no Deus Eterno o Pai, no trato pessoal e direto com cada um de Seus filhos, o máximo que esse coração vai abrigar é um pensamento elevado para uma forma mais equilibrada de vida, semelhante às filosofias orientais e conceitos de auto-ajuda, mas longe de ser aquela fé bíblica, definida em Hebreus 11:1 como “…a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos” e que adora um Deus pessoal.

Glória a Deus pela fé que aproxima dEle o crente, para confessar em oração e forma de viver, sua completa dependência diante dAquele perante Quem ninguém é autossuficiente.

Vale orar, como o fizeram os discípulos: “Senhor, aumenta-nos a fé” – Lucas 17:5.

Maças de Ouro de Jeremias (6 e 7)

“Clame a mim e eu responderei e direi a você coisas grandiosas e insondáveis que você não conhece”. – Jeremias 33:3

É indissociável, infelizmente, em nossa experiência cristã, a idéia de clamar a Deus, como sendo um monólogo. Há um apelo evidente e eloquente neste oráculo de Jeremias, feito pelo Deus Eterno ao Seu povo, que recalca e investe de forma incisiva o sentido de orar, como sendo uma conversa, onde minimamente duas pessoas são ouvintes mútuos. O que fica aquém disso, corre pelo limiar da reza, que distancia tanto quem fala quanto o ouvinte pressuposto.

O oráculo-convite acima, é um compromisso-promessa que Deus nos faz. Ele corre pela via de um lamento divino sobre o Seu povo que perpassa séculos. A experiência de orar ao Deus vivo é tão rara, e torna-se cada vez mais rara dentre os exercícios de uma espiritualidade eficaz, que em alguns grupos parece completamente inexistente.

A predominância do vazio na oração é de tal ordem, que a maioria desiste de orar porque tem na oração apenas um monólogo onde a ênfase não alça vôo para além da petição, pura e simplesmente. Outros, têm a pretensão de colocar palavras na boca de Deus, para encobrir o silêncio que calca o monólogo como tal.

Mas, atentemos à promessa: os verbos são convincentes: “eu responderei”; “eu direi a você”! Gosto de atentar ao fato de que Deus não Se serviu do verbo ouvir, que está fora de qualquer dúvida para quem ora. É fato estabelecido, consumado e atestado pela fé que “uma vez por todas foi dada aos santos”. Se duvidássemos de que Deus ouve a oração, não oraríamos sequer o tão pouco que fazemos. Outro tanto a questão da oração que é feita sobre a convicção de que Deus está ouvindo não pode ser medida por tempo ou tamanho. Antes, somos alertados quanto à sua intensidade, em I Tessalonicenses 5:17 – “Orem sem cessar”. É como respirar. Que Ele ouve, não duvidam os que O buscam em oração.

A promessa aponta para a resposta, que quebra o vínculo do monólogo. No entanto, raro é o crente que pode atestar com seriedade que tem ouvido a voz divina respondendo sua conversa com Ele. E aqui está o ponto em questão. Partimos para a celebração da disciplina da oração unicamente pretendendo informar a Deus de coisas, ou pedir-Lhe meios para resolvê-las. A oração que pretende ouvir Deus requer essa prontidão espiritual, solene, santa (porque investe numa separação específica) e não tem a pretensão de vigiar fenômenos pelos quais Deus daria respostas. A oração que quer ouvir Deus é diferente daquela que passa informações a Ele. Ela está comprometida com o exercício da comunhão, do intimismo. Pretende buscar Sua presença, usufruir Sua proximidade. Atende ao que disse o autor de Hebreus: “É necessário que aquele que se aproxima de Deus…” (Hebreus 11:6), porque seu propósito é proximidade, antes de ser busca por soluções.

Se Deus disse que quer responder, Ele o faz! Mas vivemos o tempo que milita contra a contemplação, contra o separar tempo para Aquele que ouve em secreto e que está invisível. Não há como Deus concorrer com nossa agenda tão abarrotada de programas, trabalho e diversões. Entendemos que viver se resume nisso, e dentro dessa agenda “separamos” um espaço para o que decidimos que é o tempo de buscar a Deus: nossos horários e locais de culto. Outro tanto, trazemos nossos corações e ouvidos tão cheios de ruídos e respostas previamente pretendidas(como disse o apóstolo: “Há muitas vozes no mundo…”), que torna inócua qualquer fraca tentativa de ouvi-Lo em oração. E nessa trilha de erros, prevaricam muito mais aqueles que terceirizam ou se deixam terceirizar como os porta-vozes divinos para os que querem achar respostas divinas para seus conteúdos ocultos, e assim acabam enveredando por vias de sincretismo ocultista.

Quando queremos ouvir Deus, Ele “responde” e “diz”. Tanto o Senhor lamentou o não ser ouvido, em Salmo 81:8 – “Ah, Israel, se me escutasses!…”; quanto o Senhor Jesus disse que batia à porta da igreja esperando ser por ela ouvido (Apocalipse 3:20). Que O ouvimos na Sua Palavra é fato consumado. Mas a ênfase divina em Jeremias aponta ouvi-Lo na oração; quando em oração. Pressupõe um momento entre duas pessoas, somente.

Não nos cabe decidir forma e meios para a réplica divina à nossa conversa com Ele. Ele dispõe de quantos nos bastem para que saibamos ser aquela, a voz divina que, inconfundível, interage com nossa fé e nos responde, guia, exorta, consola, convoca, anima e produz descanso ao coração que se apercebe acompanhado por Quem é Eterno. Creio, pessoalmente, que Deus sempre tem, como disse em Jeremias, coisas muito particulares, muito pessoais a dizer a cada um(a) de nós, que se disponha a ouvir.  E dispor-se a ouvi-Lo, demanda decisão que envolve separação específica.

E isto nos leva a um outro oráculo de Jeremias, mais uma de suas preciosas maçãs: “Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês’, diz o Senhor, ‘planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro. Então vocês clamarão a mim, virão orar a mim, e eu os ouvirei. Vocês me procurarão e me acharão quando me procurarem de todo o coração.” –  Jeremias 29:11-13.

Vale lembrar o apelo vertido em Isaías 55:6 – “Busquem o Senhor enquanto é possível achá-lo; clamem por ele enquanto está perto.”

Maças de Ouro de Jeremias (5)

“Eu sou o Senhor, o Deus de toda a humanidade. Há alguma coisa difícil demais para mim?”  – Jeremias 32:27

O que admira neste oráculo é o fato dele repetir como em vários outros registrados por Jeremias, um questionamento divino em que Deus reforça qualidades que Seus adoradores precisam aprender a ver Nele. E assim, tais qualidades funcionam como promessa divina a favor de quem crê.

Outrossim, o contexto destaca no oráculo o fato de ser uma resposta de Deus à oração do profeta, que se sente confuso e aturdido, tendo recebido uma orientação divina (quanto a comprar um lote de terra) num território que seria ocupado e devastado pelo inimigo do povo. Na resposta divina ao Seu servo, obtemos a nossa.

Quem conhece o Deus da Bíblia sabe que tudo é possível a Ele.  Nada se furta ao Seu poder. Jesus disse exatamente isto em oração: “Meu Pai, tudo Te é possível”. Não duvidamos disto. Basta ler a Palavra de Deus e ler a vida ao nosso redor pelos olhos da fé.

Mas na sentença em forma de questão, chama a atenção o agrupamento dos construtos de que Deus Se serve. Ele Se anuncia como o Deus de toda a humanidade, que é o Senhor, e a ordem proposta é: Senhor e Deus. Há lógica revelacional aí. Ele é o Deus de toda a humanidade. Já a partir do momento em que O vemos como o criador de todas as coisas, Sua manifestação divina se torna inconteste. Mas Senhor… seria Ele o Senhor de toda a humanidade? Sabemos que não. Somente daqueles e sobre aqueles que O confessam. Outro tanto, temos uma facilidade quase irresponsável de jungirmos a idéia de Todo-poderoso à Sua divindade, mas raramente ao Seu senhorio. E então sobressai uma questão lógica diante de nós: Haveria alguma coisa difícil demais para Ele como Senhor? Quando Ele nos pergunta se existiria tal coisa difícil, sobre qual construto Ele espera que façamos nossa confissão? Nada Lhe é difícil demais na qualidade de Deus. E como Senhor?

Jó afirmou que nenhum dos planos dEle pode ser frustrado. Mas foi através de Jeremias que Ele um dia perguntou ao Seu povo: “Posso fazer com vocês como o oleiro fez com o barro?” (Jeremias 18:6). Como Deus todo-poderoso Ele é criador do barro. Mas quer exercer sobre o vaso criado a partir do barro, Seu poder de Senhor; Sua vontade senhorial. E então pergunta: “posso fazer?”

Quando a Bíblia em Hebreus fala nos israelitas antigos como tendo resistido ao Espírito Santo, coloca isso na pauta de resistência ao Deus criador, ou ao Deus que como criador manifesta-Se Senhor desse povo?

A pergunta persiste: Como Senhor, haveria alguma coisa difícil demais para o Deus de toda a humanidade? Com temor e reverência, precisamos pesar nossa resposta. No contexto de Jeremias, Ele daria uma nova versão ao caos que o pecado do povo produziu como consequência de Seu juízo. Ele transformaria o coração do povo e os restauraria de suas vicissitudes. Como Deus, Ele agiria operando coisas novas, pois nada Lhe é difícil demais. Mas como Senhor, Ele decidiria dar uma nova edição à história que o pecado produziu.

Penso que Ele continua agindo assim em nossas vidas. Para tanto Ele disse que, porque não muda, nós não somos destruídos (Malaquias 3:6). Ele decide fazer coisa nova em nossas vidas, quando delas é Senhor, e como Deus, realiza o que Sua vontade soberana decide fazer.

Na condição de crentes somos exortados a não entristecer o Seu Espírito Santo (Efésios 4:30); não apagá-Lo (I Tessalonicenses 5:19); deixarmo-nos encher Dele (Efésios 5:18). Que Ele, como Deus Eterno, seja o Senhor sempre, sobre as vidas que a Ele se rendem pela fé. E sem oferecer-Lhe resistência, deixemos que o Senhor realize Sua vontade em nossas vidas com facilidade incontestável.